quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O Elefante no Ponto Cego

Esses dias o Ulisses Franceschi postou o seguinte comentário no Facebook,

Era uma vez um esporte onde existiam algumas verdades:
- Quem não sair no primeiro pelotão da natação não ganha mundial.
- A bike é só uma preparação para a corrida.
- Para ganhar Kona tem que ser um atleta pequeno.
- O segredo é sair da água no primeiro grupo, fazer o jogo com esse grupo no ciclismo e correr bem.
- Medidores de potência são fundamentais na bike para se correr bem.
Aí, veio um cara e pulverizou tudo. O nome dele: Sebastian Kienle.
Fim.

Várias pessoas curtiram e comentaram esse post - e fiquei com a pulga atrás da orelha com o tamanho do elefante que se esconde no ponto cego do texto, mas nós não notamos.

Outro dia um amigo postou uma foto de um triatleta que ganhou uma prova na sua categoria e lá aparecia o rapaz com capacete vazado e roda comum.

Daí a pergunta inevitável: quem disse que precisamos de capacete aero e rodas aerodinâmicas para ganharmos uma prova?

Vou fazer uso de um argumento do Daniel Kahneman com uma leve adaptação para tentar fazer com que se visualize o elefante.

Pense em Ana.

Ana reside e trabalho aqui no Estado de São Paulo e tem uma personalidade que pode ser descrita como simpática, embora com pouca desenvoltura para contatos sociais, e que necessita de ordem e estrutura em tudo que faz. Além disso, tem uma grande paixão pela leitura desde criança, o que pode estar associado ao fato de que seu pai tenha sido professor.

Se ao acaso encontrássemos Ana na rua você diria que existe maior probabilidade de estarmos diante de uma bibliotecária ou uma recepcionista?

Sua mente está dizendo que se trata de uma bibliotecária, mas resiste a responder assim porque eu não teria motivos para fazer uma pergunta cuja resposta parece tão óbvia.

Mas, como diz aquele comentarista de ciclismo, piriri-pororó, é provável que você crave em bibliotecária.

Entretanto, deixe-me expor dois dados.

Em São Paulo existem cerca de quatro mil bibliotecárias.

E mais de 154 mil recepcionistas.

(verdade, eu fiz esse levantamento)

Mudou de idéia?

Os mais atentos certamente já devem estar vendo a tromba do elefante.

É muito comum fazermos julgamentos ignorando dados em troca de esteriótipos.

Não se trata de um problema decorrente da sua habilidade no trato com os números – quando testes como esses são aplicados a estudantes de estatística, eles caem no mesmo viés.

Os argumentos por esteriótipos insistem em histórias simples e bem contadas, tais como aquelas ilustradas com fotos de um triatleta segurando um troféu, um capacete vazado e que diz nunca ter usado um medidor de potência.

Mas, supondo-se que todos os outros triatletas que venceram nas suas respectivas categorias dispusessem desses equipamentos, não é de se supor que capacetes aerodinâmicos e powermeters podem ser de eficácia maior porque estão associadas a um número maior de vencedores?

Por que achamos que 1% dos casos têm maior poder explicativo do que aquilo que acontece em 99% das ocasiões?

Se Sebastian Kienle é de fato uma exceção, ele não invalida as verdades citadas no post, antes as reafirma ainda mais.

Mas, também é possível que o alemão não seja de fato uma exceção e o Ulisses esteja correto.

E ai reside o problema mais grave: não temos como saber.

Pois alguém já sentou e colocou na ponta do lápis se Kona é realmente para atletas pequenos? Se medidores de potência são realmente importantes para uma boa corrida? Se uma boa performance no pedal pressupõe sair da água com o grupo da frente?

Temos idéia do montante de "verdades" cuja comprovação é apenas resultado de esteriótipos? Ou de argumentos de autoridade, tal qual aqueles que começam uma sentenças do tipo “Mas o Brett Sutton....” e para a qual não se pode afirmar absolutamente nada fora dos estudos de caso?

E se boa parte das idéias tidas como sólidas no triathlon é apenas o resultado ampliado das nossas intuições coletivas? Das nossas especulações de Facebook? 

E nossos técnicos? Não são suscetíveis eles também a esses viéses tanto quanto qualquer outro?

E o mais importante: o elefante apareceu para você?





Um comentário:

Max disse...

Bessa,

um nadador paralímpico brasileiro faz 58s. nos 100 livre - com um braço.

Dá pra olhar pra isso de duas maneiras:

1) caramba....eu com uma eficiência mecânica dessas hein....;

2) aí galera....e vocês teimando em nadar com dois braços;

Fim.