quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Duas histórias para 2013


A Internet é a mistura de tudo.

Eu gosto muito das coisas que vêem da criatividade anônima, as página de Haicais do Leminski (saber é pouco/como é que a água do mar/entra dentro do coco?), as tirinhas do  Laerte, indicação de um site com livros gratuitos, filmes, cursos, a arte nas ruas, música, fotografias e outras que chamam a atenção da gente em uma espiral sem fim.

Coisas que te ajudam a pensar, a rir ou a viver melhor.

Esses dias dei sorte e topei com um texto do Marcelo Gleiser, físico sério com uma visão muito rica sobre questões que extrapolam o universo científico.

Nesse texto ele discute um pouco o tal "Dia do Fim do Mundo"- um assunto que eu, sinceramente, não tava agüentando mais.

Nota que o medo do fim dos tempos é uma questão presente em várias culturas, antigas e modernas. E pergunta ao leitor o motivo dessa fixação, a qual ele mesmo arrisca a responder aventando a hipótese de que, no fundo,  o que nós realmente tememos é o "teste do tempo" - ou simplesmente o medo de ter desperdiçado a vida.

E, de fato, como deixar de pensar nisso se mesmo as coisas que julgamos como grandes realizações pessoais vão ser esquecidas na próxima semana tal como embalagens descartáveis?

Esse teste só será vencido se fizermos coisas que possam transcender nossa presença física depois de termos partido, isto é, fazermos algo que se torne um legado.

"Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para você e vice-versa."

Nesse raciocínio, vencer o teste do tempo não é vencer o anonimato  -  é muito mais uma questão associada aos valores de cada um e a forma que escolhemos para viver. E, se assim é, não se pode contar com um conjunto de mandamentos que possam nos dizer como a vida deve ser vivida e muito menos como deve ser julgada.

Há uma linda história sobre entrega pessoal que gostaria de compartilhar.

Ainda que não se saiba que se real ou não, foi romanceada em um livrinho muito bonito chamado "Kafka e a Boneca Viajante" (Jordi Sierra).

Conta a lenda que Kafka passeava em um parque em Berlim quando se depara com uma garotinha chorando sozinha. Ao lhe perguntar o motivo, Elsi, a menina, diz que perdera Brígida, sua boneca.

Sensibilizado pela dor da menina, ele então se apresenta como um "Carteiro de Bonecas" e diz para a garotinha que a boneca não tinha se perdido, mas que viajara e havia lhe deixado uma carta explicando tudo.

No dia combinado Kafka entrega a carta a menina e nela a boneca explicava que partiu para conhecer o mundo e não gostaria de se despedir - meninas e bonecas são feitas de emoções e sentimentos para serem usados aos poucos. Despedidas são tristes e ela não gostaria de ver a menina chorar.

Nas outras três semanas do último ano da sua vida, um dos maiores escritores de todos os tempos se dedica a escrever cartas diariamente para a pequena menina.

São histórias sobre viagens em Atenas, Paris, Londres e outras cidades do mundo.

Mas, doente, lhe preocupava o fato de que não poderia escrever indefinidamente. E se pergunta "De quantas cartas Elsi precisaria para ser feliz? E Brígida, de quantas para se libertar?"

Ele precisava de um final e, nas duas última cartas, a boneca enfim se despede revelando que iria se casar e que havia finalmente havia encontrado a felicidade.

Dizia ainda que agora era a hora da garotinha viver a vida dela da melhor forma possível e, como retribuição por tudo que aprendeu, lhe envia uma boneca de porcelana chamada Dora.

Além das doações que podemos fazer para que pequenas garotas não chorem, gosto de pensar também que somos parte integrante de um esforço incansável das gerações que nos antecederam e que a vida é um constante trabalho expandir e dar sentido a esse legado.


As coisas que alcançamos, eu ou você, são o resultado não apenas do nosso esforço pessoal, tal como faz crer essa ideologia do "EU S/A", que encurrala as pessoas no mais estreito narcisismo individualista; prefiro entender que somos a ponta em um longo processo de sacrifício de antepassados próximos e distantes, pessoas que talvez não tenhamos conhecido ou que sejam lembradas apenas vagamente, tais como nossos parentes em fotos antigas e descoloridas.


E como elo dessa cadeia, você pode ser uma pessoa importante para os que já se foram, para os que compartilham o seu presente e para os que ainda estão por vir.


Quem leu a "A garota das laranjas"(Jostein Gaarder) sabe que ali se conta a história de um pai que não poderá ver o crescimento do filho de quatro anos e passa o tempo que lhe resta escrevendo uma longa carta de despedida, que será lida onze anos depois.

Nessa carta o pai escolhe uma história e lhe dirige uma pergunta, mesmo sabendo que não terá oportunidade de conhecer a resposta.

Dilacerado pelo peso da doença e a brevidade da sua passagem pela terra, o pai escreve que, se alguma escolha lhe fosse oferecida antes de nascer, ele teria optado por declinar a oferta de um o bilhete de entrada nesse mundo desde do início. Por quê aceitar uma aventura se tudo pode lhe ser tirado subitamente no momento mais feliz da sua vida?

E faz a mesma pergunta ao filho, pois se sentia diretamente responsável pela transmissão de um legado cruel e injusto.


Diz o pai, "Para mim, essa pergunta significa um conflito brutal de consciência. E ela traz consigo a necessidade de deixar um pouco de ordem atrás de mim". 

E pergunta ao filho: "Qual seria a sua escolha?"

Para essa pergunta a resposta não se resumia apenas a um "sim"ou a um "não".

"Você não precisa responder diretamente a minha pergunta. Mas indiretamente pode. Pode responder pelo modo como quer viver essa vida (...) Se você responder que, apesar de tudo, teria optado pela vida, ainda que fosse por um momento brevíssimo, eu não posso desejar nunca ter nascido".

Ao final o filho diz "Herdei do meu pai uma tristeza profunda, a tristeza de saber que um dia vou ter de deixar esse mundo. Aprendi a pensar em noites como esta, em que já não será dado viver".

Mas, pelos olhos do filho, a leitura da carta leva a um outro caminho: se a probabilidade da vida em um universo de bilhões de anos ainda assim é pequena,  o que dizer de cada indivíduo?

A vida de cada um é o resultado de uma rara convergência de pormenores, casualidades, coincidências e encontros improváveis  - histórias que poderiam não ter ocorrido.

Dessa maneira, conclui ele, viver é um convite irrecusável que traz em si um sentimento de humildade.

E de gratidão.

"A vida é uma loteria gigantesca, na qual apenas só os números vencedores são visíveis. Você que está lendo esse livro é um número vencedor."

E tal como o único pedido feito por John Miller (Tom Hanks) para James Ryan (Matt Damon) em troca do sacrifício de um grupo de homens em "O Resgate do Soldado Ryan", seria possível complementar:

"Faça por merecer".

Feliz ano novo....

domingo, 4 de novembro de 2012

As Alegrias Simples


A algumas semanas o pessoal do Ironguides me escreveu pedindo um pequeno texto que contasse um pouco sobre minha experiência na assessoria.

Para recuperar algumas coisas resolvi olhar os posts mais antigos desse Blog - e percebi que nem me dava conta que ele existe desde de 2008.

A idéia de criar um Blog no inicio era uma coisa muito simples. Eu tinha visto um bacaninha de uma americana que contava um pouco dos treinos, das provas, mas sobretudo do estilo de vida de uma triatleta asmática, com hipertiroidismo e que se dizia com péssimos hábitos alimentares.

Além de bem organizado, aquele Blog tinha umas frases motivação, tirinhas engraçadas e fotos de provas e outras de viagens pelo interior dos EUA. O que eu achava mais engraçado eram as fotos que ela tirava da geladeira com a porta aberta....

E, depois, fui encontrando outros com a mesma filosofia - porque esse mundo é uma rede sem fim, como no verso de Octavio Paz "Tudo é porta/Tudo é ponte".

Naquele momento, os Blogs de triathlon que começavam a despontar eram de pessoas com pretensões muito modestas ou mesmo sem nenhum tipo de foco no desempenho.

A idéia se voltava a construção de um estilo de vida diferente.

Posso dizer que foram essas pessoas minhas primeiras referências, pois só depois, muito posteriormente, vim a tomar conhecimento das chamadas "lendas de Kona", tal como a Chrissie Wellignton - e nesse caso específico por conta das histórias que o Vinni contava sobre o tempo que ele passou no TBB.

O triathlon começava a tomar uma parte importante do meu tempo e pensei "por quê não um Blog?".

Nessa época, havia uma critica "no ar" que considerava os Blogs mais um modismo para gente exibicionista tornar pública informações sobre questões pessoais sem  importância nenhuma.

Claro, tem disso...

Mas do lado de quem fazia essa critica também há muita gente ranzinza e pouco chegada a internet.

A idéia no início era bem simples. Como eu mandava um email por semana falando dos treinos para o coach, poderia aproveitá-los para fazer algo mais ampliado, tal como arrumar um lugar para guardar algumas coisas, uma mistura de descrições sobre treinos e  "colagens" de vídeos, fotos, frases...

Algo para a gente mesmo, tal como o canto da casa onde você mais gosta de ficar.

Nesse sentido, nunca planejei fazer textos para os outros. O Blog vai para a rede para todo mundo ver, mas no fundo eu não tinha a menor pretensão de que alguém viesse a ler.

E pra mim essa idéia era bem confortável.

Eu não me preocupava muito com estilo ou um português impecável.

Posteriormente, as coisas foram mudando. Aos poucos outros que também escreviam textos na internet ou pessoas que estavam apenas curiosas começaram a colocar um comentário aqui, outra ali....

E aparecem também paraquedistas que colocam no Google uma frase do tipo "as gostosas da academia do Bessa" e vem parar nessas bandas...

"Gostosa" nesse blog só se for essa aqui. ;-))))

Mas por quê esse interesse das pessoas?

Sei lá, fosse arriscar acho que os Blogs começaram a ser mais lidos em razão do crescente interesse pelas provas de Ironman.

Outro motivo foi o  "Diário de um Ironman"ou os "Diários de Kona" do MundoTri.

As pessoas "curtiram" aquele formato e foram procurando na Internet coisas similares.

Até certo ponto a coisa ia bem nessa linha de falar de treinos, mas me enchi um pouco sobre isso.

Afinal, para quê alguém quer saber o que eu corro, quanto eu nado ou que dia que estou pedalando?

Tudo bem, um monte de gente....

Tá-tá-tá, verdade...

Só que quando os treinos viram rotina, escrever sobre o mesmo assunto cansa, sabe?

Mas aproveitando o ensejo, vamos abrir um parênteses aqui.

Vou fazer uma confissão: treino é bom...

Mas também não é....

Porque treino na maioria das vezes....well, treino dói! Dói pra cachorro!

Por isso não consigo entender quando o sujeito faz aqueles treinos quase vomitando e mal termina já manda uma fotinho para o Facebook dito embaixo:

"EU AMO MUITO ISSO TUDO".

Como é que é a parada mermããããoooo? Você ama o quêêêêêêê?

Você tá me dizendo, presta atenção...

Cê tá me dizendo que "ama" ficar seis horas em cima da bike sem sair do banco? Tá me dizendo que "ama" fazer força a ponto de sentir febre depois do treino? Tá me dizendo que "ama" dar tiros na piscina que ao final se sente um sedentário, fumante e com pulmão a menos na borda da piscina?

É isso que você tá me dizendo?

Que "AMA TUDO ISSO"?

Mannnnnn, fico zuado quando vejo esses style

Mêêêu...;-)))))

Fecha parênteses...

E tem outra coisa sobre ficar falando de treinos: as vezes a gente não tem o que dizer.

Antes, eu me achava o máximo falando sobre cadência de passadas porque todo mundo me perguntava sobre o assunto - mas hoje, quando se toca nesse tema, vem uma tonelada de informações sobre economia do movimento, eficiência mecânica, lacto, VO2 máximo....

Ou seja, o negócio ficou pesado!

Antes eu lia uma Revista de Triathlon e ficava deslumbrado - agora são cinco.

E entendo cada vez menos também.

Bom, ai eu comecei a pensar em fazer uns textos "papo cabeça".

Ai o blog parece aqueles programas que vendem tupperwer na televisão de madrugada, sabe?

Ninguém lê....

Mas aquele post que fala de um treino de natação específico ou daquela prova que eu quase morri, ai a coisa bomba - aparecem mais de 400 pessoas acessando!

É provável que isso tenha ocorrido por um erro de avaliação da minha parte. Acho que subestimei o número de pessoas que está no triathlon sem acompanhamento de assessorias ou o faz apenas por planilhas e que precisam acompanhar o que os outros estão fazendo.

Ou falar de treinos pode ser uma forma de buscar comparações para perceber um pouco o nível de dedicação, as dificuldades, a evolução e tantas outras coisas.

Enfim, eu não sei....

E outras mudanças também ocorreram, principalmente nos formatos dos Blogs, que deixaram de ser vistos exclusivamente como um diário pessoal sobre treinos e se diversificaram: atletas profissionais começavam a fazer uso dessa ferramenta como meio de promoção própria e de marcas de apoio, enquanto outros passaram a usá-los como espaço para expressar idéias. Vale citar ainda aqueles que são especializados em discussões sobre equipamentos e outros são uma mistura de tudo isso e mais outras coisas (normalmente, os melhores).

Mas no fundo, no fundo não é só formato das coisas que mudam.

O que muda mesmo é a gente.

Nas entrelinhas da história que aqui é contada, o que se percebe é que as alegrias simples, aquelas das descobertas, vão se perdendo.

Aquela alegria de conseguir completar a primeira meia-maratona, de ser capaz de nadar pela primeira vez em uma prova, de ter o "brevê" do técnico para fazer um Ironman e até coisas que hoje eu acho meio ridículas, tal como vencer o medo de chegar em último no primeiro triathlon Olímpico.

Ou seja, tudo se resumia em lidar a expectativas.

Mas depois as coisas vão se realizando e fica cada vez mais difícil renová-las.

Porque nem sempre o progresso é uma novidade, um caminho novo. Apenas muda o fato que você querer ir mais rápido e/ou terminar mais inteiro.

Esses dias assisti um documentário sobre o trabalho dos "Doutores da Alegria" - um trechinho vai abaixo.

Há um momento em que uma das atrizes fala das dificuldades de se atuar para crianças, pois para essas tudo é descoberta, enquanto que para os adultos as brincadeiras são experiências passadas.

Então ela diz que a empatia do palhaço é o exercício renovado de "descobrir o novo, de novo".

Parece que ela falava comigo....




segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O sentimento do mundo....

Obviamente, dado o post anterior, esse texto não tá no clima de "suuuurprise!"

Antes de ir para Penha, eu realmente não estava no clima da prova.

As duas últimas semanas que antecederam a prova foram repletos de dias muito desgastantes e por várias vezes me achei em overtrainning.

Comentei sobre isso quando falei sobre as expectativas que tinha para a prova.

Na semana do polimento - lembrando que "polimento" no Ironguides é um período muito curtinho - mandei um email para o Rodrigo Tosta dizendo que realmente estava no meu limite mental.

Treinando duas vezes por dia, deixava os treinos de intensidade para fazer a noite. E creio que exagerei em alguns deles.

Consequentemente era difícil comer e muito mais ainda dormir depois disso.

Como havia outro treino logo pela manhã e o trabalho em seguida, em alguns dias eu empurrei os treinos para frente - porque sei que a ordem deles é importante e que não podia simplesmente inverter a seqüência.

Ele imediatamente me mandou parar. Tirar dois dias da última semana para fazer algo, menos pensar na prova ou em triathlon.

Ai a sensação se inverteu - de um pretenso estado de overtranning passei imediatamente para a sensação de que estava destreinado, gordo, cheio de dores musculares e apavorado com a possibilidade de sofrer.

Vou dizer uma coisa: é duro! :-)))))

Em que pese ser esse, acho eu, minha décima ou décima primeira prova na distância meio-ironaman, isso nunca tinha acontecido - pelo menos não desse jeito.

As coisas estavam complicadas e pensei que, se no IM do Texas eu estava bem e casa caiu, em Penha então....

Uma amiga com bem mais vivência que eu no ramo triatlético me escreveu o seguinte "é assim mesmo, quer dizer que você tá ficando no ponto".

Minha primeira reação foi "Tá me zuando essa mina, véio?" ;-)))

Não estava.

Depois de dois dias parados fui pra lá, pra Penha, na quinta-feira.

No avião encontro o Leonardo Santana, que conheci ano passado com a turma que veio do Nordeste. A gente pega o mesmo transporte e taca conversa para colocar o papo em dia.

Vou direto para a Expo, que esse ano estava menor ainda. Tinha ninguém, ninguém, ninguém.

Deixo a bicicleta com a moçada do Kona Bikes e cumprimento o Max, sentado no chão com um laptop.

Evito a tietagem de sempre, mas é um pouco inevitável comentar as matérias que eu gosto do Blog dele - disparado o melhor entre todos nós.

Arrumaram a bike na hora e fui para o Hotel.

E lá estava o Dalton Cabral, no quarto ao lado do meu.

Nosso encontramos no café da manhã e já vou tirando tudo que posso dele sobre natação. Eu e o Rodrigo Melo, que fica sempre nesse hotel.

E o Dalton é uma figuraça. O MundoTri fez um bem danado quando o escolheu para o Diário de um Ironman. Era muito divertido vê-lo timido, recebendo elogios de outros triatletas do Brasil inteiro que fizeram a prova e o reconheciam por conta do belissimo trabalho que ele fez.

E o cara é uma ótima companhia para as provas porque ele fica em uma "frequência diferente".

Putz, agora vai explicar o que é isso...

Sabe quando o sujeito fica "pilhado" pré-prova? Então, inverte. O Dalton é o "des-pilhado.

Um amazonense com índole bahiana. ;-)))))

É isso é uma atitude consciente. Ele simplesmente sabe como evitar desperdicio de energia - isso vai da economia de gestos, discussões agitadas ou estresse com horário para almoçar, pegar a bike, kit e por ai vai...

Mas não se engane: quando você vê aquele cara falando tranqüilamente, de forma pausada e sem movimentos exagerados, não imagina o que ele faz na prova.

Ai você entende o profundo significado daquela frase "Devagar também é pressa". ;-))))

Nesse meio tempo, a gente também deu de cara com o Wagner do Mundo Tri, o Pipo e o Luis Fernando, da All Distance - loja bacana aqui em São Paulo - e depois se juntou ao grupo o Artur Alvim - uma figuraçááááááá que tem o recorde da bolinha da USP! E não posso esquecer o Wlad, claro, que veio do Rio e chegou na quinta-feira a noite.

Aproveitando a deixa, também não posso deixar de citar o encontro que tive com o pessoal do Sul. Marlos, Aline e o Pablo Bravo.

O Pablo também tem um Blog, a gente se conhecia porque um lia o outro, mas nunca tivemos oportunidade de nos conhecermos pessoalmente.

E essas coisas são muito engraçadas; sei lá se sou eu que me dou muita intimidade (e não devia), mas a gente conversa e parece que se conhece a décadas!

Assim também foi com o Ricardo Saldanha, que nos foi apresentando pela Nilma, em uma mesa captaneada pela figura super simpática do Marinaldo Brito. Ricardo tem uma história no triathlon e contou um pouco dessa história pra gente.

Ele fez a prova com o dedo do pé quebrado e ainda tirou um quinto lugar na categoria.

No dia da prova, na área da transição, encontrei a Mariana Andrade, Lisandra e Ana Lidia. Depois encontrei mais gente...

Wagner Spadotto, Marlus, Luquinhas, Aline, Elionai, Lourenço...Nossa!

É, sei que que nem estava lá pode estar pensando. Só que gosto de lembrar a Deise Jancar dizendo que cada prova não se resume a um resultado, mas um encontro de amigos que a cada ano se agrega mais gente.

Perfeito.

Enfim, eu que sai de São Paulo cabisbaixo achando que ia ficar assistindo televisão o dia todo estava tendo uma ótima pré-prova. Bastou algumas horas para estar me sentindo em casa rodeado por amigos e pessoas bacanas.

Para variar perdi o fio da meada. Onde é que a gente estava mesmo???? :-)

Bem, na ante-vespera da prova, passei a noite em branco. Não dormi.

Eu não me sentia tenso, mas quem sabe o que rola no seu inconsciente?

No dia anterior, a gente fez tudo com calma e tocamos eu, Dalton e Wladimir para entregar as coisas na área de transição. Estava lá o Terenzzo Bonzoni, que me pareceu um cara super simpático, além do Chicão, Santiago.

Comemos um pizza a noite e fomos dormir. Ai como eu estava com o sono todo atrapalhado, apaguei.

No dia seguinte acordei bem e tocamos o barco para a prova.

Mas já na praia me bateu um certo nervosismo e meu coração dava umas disparadas.

Coisa que nunca aconteceu. Que creca era aquela?

Fui para fazer um aquecimento no mar e logo deu para notar que as ondas na entrada não estavam bolinho, não. Ai me lembrei do TB de Santos quando eu tentava entrar no mar e não conseguia - minha toca veio parar no dedão do pé de tanto caldo que tomei.

Dada a largada, o problema foi menor do que eu pensava. Na entrada as ondas não atrapalharam tanto.

Ai rolou o de sempre: foi tabefe pra cá, tabefe pra lá...enfim, coisa que todo mundo está acostumado - embora não devesse.

Sei lá quantas vezes vou escrever sobre isso, mas não me conforma o fato de que 99,9% das bofetadas que a gente toma na natação não são necessariamente involuntárias. Porque as pessoas insistem em jogar o braço em cima da gente sabendo que estamos lá e que não vai adiantar picas?

Não estava difícil localizar as bóias maiores, mas as menores eram da mesma cor das toucas.

Complicou um pouco...

Nadei o que deu para nadar - nem bem, nem mal. Acho que na casa de 34-35 minutos...

Só que quando estava cheeegaaaando na praia, veio uma onda e quebrou em cima de mim.

Foi uma chicotada daquelas para não esquecer - pior que a que tomei no Estadual do Rio!!!

Sei lá, acho que Netuno tem uma questão pessoal pendente para resolver comigo.

Instintivamente soltei o corpo para não lutar com a água. Mas ainda assim ela torceu minha lombar feio e bati o peito no chão. O rosto também, mas pouca coisa...

Dei um andadinha e percebi que não tinha me lesionado.

Ainda na areia deu vontade de olhar pra trás e dar uma banana para aquele mar fdp...;-)))

Fiz uma transição rápida. Colocaram uns meninos bons para puxar a roupa de borracha e eles estavam se divertindo com a brincadeira. Foi coisa de pit-stop de Fórmula 1.

Tudo bem que o meu pescoço quase foi junto com o wetsuit.

Sai para o pedal junto com o Clodoaldo, que estava forte e foi embora.

Eu resolvi segurar um pouco. Lembrei de uma conversa com o Dalton sobre uso de medidores de potência, principalmente quando ele me dizia sobre o desgaste que temos no inicio de uma prova ou de um treino quando começamos muito fortes e confiantes para terminarmos muito fracos e desgastados.

Decidi que tinha 90k para embalar e fiz um inicio conservador.

E nesse momento deu para notar bem como tem ciclista fazendo triathlon!!!

Alguns até um tanto que acima do peso, que pedalam forte (e pesado) na primeira parte da prova.

Se você notar bem, vai ver que aquele ótimo ciclista não está fazendo um pedal pensando em correr.

Ele está simplesmente dando tudo no pedal para ver o que acontece depois.

E se você tenta segui-lo está arriscando a sua prova. Aquela velocidade inicial não é realista.

Aquilo é blefe...

As vezes eles são ultrapassados, outras te ultrapassam e você fica preso em uma disputa de momento - uma disputa besta.

Se o seu treinamento foi consistente e você tem uma estratégia sólida, você vai ultrapassá-lo no último terço da prova ou antes, conforme o Dalton já tinha indicado.

E eu tinha treinado assim. O Rodrigo tinha me direcionado justamente para essa estratégia.

Mas o que percebo é a dificuldade de ser mentalmente disciplinado o suficiente para executar o que deve ser feito.

Manter o controle para não fazer a prova dos outros.

O Dalton tinha toda razão. Troquei a velocidade por um pedal mais consistente.

Como estava calor, não descuidei da hidratação. Também tomei BCAA e carbo a cada 45-50 minutos.

No geral as coisas deram certo e não me senti fraco.

Fechei o pedal para 2:35:20 minutos e muito mais inteiro que o ano passado - consequentemente fiz uma transição bem mais rápida (2:35).

E não tem coisa melhor que colocar o pé no chão e sentir as pernas soltas.

Vi o Dalton saindo para a corrida e tentei ser rápido para sair em perseguição.

E se estivéssemos em posição inversas, ele faria o mesmo.

Nós temos uma disputa de pace, uma disputa sadia em que "competimos" torcendo um pelo outro.

Ironbrothers, não Ironwar.

E continuei me sentindo muito bem. Os treinos longos com intensidade ou os progressivos do Rodrigo Tosta foram uma escolha perfeita.

Eu me sentia rápido, mas com a respiração controlada e sem problemas de estômago.

Aliás, eu me sentia como se estivesse nos treinos, mas fazendo tudo com uma intensidade maior.

Só que então...bem, então veio o vento. Vento, não! Um vendaval! Banheiros químicos voaram, algumas arvores caíram e foi necessário um reforço para a fixação das barracas.

Segundo alguns, próxima a área do Castelo, o pace diminuía entre 20 e 30 segundos.

Como corria para fazer abaixo de cinco horas, bem no último quilômetro temi que não fosse possíve!

E durante toda a prova eu tinha evitado olhar qualquer instrumento de medição - relógio, velocimetro ou medidor de cadência.

A vantagem é que não me perdi tal como ocorreu no Texas, quando ficava obcecado para manter com o tempo e acabei me dando mal.

Entrei no tapete que dava acesso ao pórtico, levantei a cabeça para olhar o relógio e ele marcava 4:57. Minha meia-maratona foi na casa de 1:40 baixo.

Eu não tinha noção da posição, que fiquei sabendo apenas tarde da noite: quinto na categoria e 78 no geral.

No outro dia encontrei o Dalton feliz da vida - ainda que tenha feito o mesmo tempo de 2011, ele passava da 52a colocação para a 13a na mesma prova.

Ao mesmo tempo o Wlad perguntava pelo FB se eu tinha comprado dólares.

Eu nem tinha pensado nisso!!!!

Ainda mais sabendo que o número de vagas na minha categoria havia diminuido de cinco para três.

Maaaasssssss....

Saimos eu e o Dalton atrás dos dólares e, com ajuda da Nilma, conseguimos comprar e fomos para o evento de rolagem das vagas.

O Dalton ficou como eu ano passado e por apenas duas vagas não conseguiu - mas ainda assim a gente estar ali na expectativa...

Pôxa, que avanço pra nós, sabe? Estar "na expectativa", sentir aquele frio na barriga, só isso já é uma coisa que deixa a gente feliz.

Na minha vez, eu teria que contar com duas desistências.

O Galvão chamou o Gondré, ele não estava lá.

Chamou o Luis Ondre.

Também não foi.

O Dalton imediatamente virou pra mim e disse eu tinha conseguido...

Fiquei totalmente zuretá!

Acho que eu falava com ele "Huuuuum? Como? Será? Não, vamos esperar..."

Pô, "vamos esperar"?????

O negócio era aritmética!!!!

Tem cinco vagas. Tirei o quinto. Os dois primeiros desistiram....

Portantoooooooo....

Só acreditei meeeesssssmoooooo, mas meeeessssmoooooo, quando o Galvão falou meu nome...

Subi as escadinhas com as pernas bambas. Ele me perguntou se eu era eu mesmo, mas eu mesmo não tinha tanta certeza se o "eu mesmo" era de fato eu mesmo.

Acho que respondi algo como Si...si-si..si-si-si...sisisisim.

Na minha frente, assinando a ficha, encontro o Ricardo Veras, um amigo que eu só falava virtualmente, mas é como comentei ai em cima - a gente tem a sensação de que conhece a décadas!

A gente se abraçava e ria com se fossemos dois meninos...

Sobre essa vaga, não há porque não dizer que foi um pouco de sorte, um pouco de oportunidade - que eu consegui aproveitar porque tinha treinado no meu limite e apareceu uma chance.

Sim. Porque existem amadores da minha faixa etária que disputam as provas em um nível inimaginável pra mim. Não há a mínima chance de andar com caras como o fantástico Phillipe Gondre ou Luis Fernando Odre, que abdicaram da vaga.

Estou longe de ser alguém excepcional.

Com isso estou querendo dizer: se você conseguir se doar e tiver um pouco de sorte em um dia especial, é possível!

Ao escrever esse relato espero construir um espelho para que outras pessoas que também não se julgam excepcionais, embora possam sê-lo em vários sentidos, possam reconhecer nele um pouco de si mesmas.

E ter esperança.

Porque julgo que é assim que funciona.

Os meus "espelhos" foram pessoas que me mostraram o caminho e ajudaram a construir as referências que tenho hoje.

O Edu "Três Meios" que um dia me apresentou esse esporte dizendo "Embora você não saiba o que é triathlon, preciso te informar que daqui a seis meses vamos fazer o TB aqui na USP"; cinco horas seria apenas uma abstração, um número, não fosse o Eduardo "PDF" Carvalho ter dito um dia que essa era uma barreira importante a ser quebrada em um telefonema para o Felipe Amante; ficar entre os dez da categoria eu trago de uma conversa com o Daniel Hamada, que uma vez me disse que ele esperava pelo menos uma vez ter a possibilidade de ficar entre os melhores da categoria; uma vaga para o mundial não passava pela minha cabeça até ver o Sandro Magalhães aguardando a rolagem do ano passado no mesmo 70.3.

Nesse sentido, o que me deixa feliz não é apenas meu nome em um papel dizendo que em setembro de 2013 poderei disputar um campeonato mundial.

O que me deixa contente é que trago comigo algo que não consigo expressar por minhas próprias palavras, senão por meio dos versos do Drummond que dizem:

"Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo".


domingo, 19 de agosto de 2012

O Déjà Vú do 70.3 de Penha vem ai...

Uma coisa boa de se manter um diário no formato de Blog é que você aos poucos vai acumulando informação e tecendo a sua própria linha do tempo.

Nessa perspectiva, fui consultar as minhas perspetivas de Penha do ano passado. O que escrevi foi

"Depois do Iron, eu e o Rodrigo fizemos alguns planos. Pensei em Cozumel, mas na cabeça do coach eu deveria aproveitar o segundo semestres para consolidar minha velocidade e participar de provas de triathlon olmpico ou meio-ironman. Começamos os treinos com foco em intensidade na corrida e um pouco mais de atenção à natação - eu não nado mal, mas me falta um pouco de agressividade na água..."

Esse ano também pensei em Cozumel, até porque o Caio e o Luizinho vão pra lá, mas me faltou coragem de encarar mais uma viagem ao exterior e optei por uma solução caseira.

E as questões na natação continuam as mesmas. Na corrida, também.

Até o cara que vai me pegar no aeroporto é o mesmo. Levo minha bike para o time do Max montar como sempre...

O Hotel é idêntico ao do ano passado.

E Penha também não deve ter muda nada...

Enfim, alguém não entendeu o título do post? :-))))

Não, há coisas diferentes, sim...

Diferente de 2011, esse ano não me lesionei e ainda fiquei um tanto mais magro.

Esse ano também fiz mais treinos fora do rolo no final de semana e insisti mais no Riacho.

Ano passado minha ambição era apenas tentar completar a prova. Esse ano, se puder ousar querer tirar apenas cinco minutos em relação ao ano passado e fazer um 70.3 em menos de cinco horas - plano que tracei com o Rodrigo quando ele veio a São Paulo e a gente conversou a respeito.

E ele fez uma programação de treinamento que consegui seguir quase a risca - não fossem algumas poucas vezes em que me senti cansado.

O Rodrigo introduziu natação durante todos os dias e todas as outras modalidades a noite. Mas meus dias criticos eram as terças, com um treino de rolo de quase duas horas, as quarta-feiras, com uma corrida de 17k e quinta pela manhã com um treino que incluia dois "tiros"de 500 metros na piscina.

No final de semana, as quatro horas de bike no Riacho, sendo a última em Time Trial foram um desafio a parte - porque você soma o desgaste mental do endurance com o desgaste fisico de ter que fazer força quando você tá cansado de fazer tanta força.

Claro, tudo isso entremeado por treinos mais curtos de natação ou corrida leve - que foi o que me salvou mentalmente.

Falo assim porque não tive lesões ou dores musculares. Não me senti "cansado" fisicamente.

Pra mim toda a dificuldade é mental. Quando eu bato os olhos na planilha e vejo que o exercício pede esforço "FORTE" ou "Máximo" eu fico de bode.

Prefiro correr duas horas e dar dois tiros de 500 metros na piscina - coisa que dura só uns 17 minutos.

E isso pra mim é coisa tão pouco comentada....

Já escrevi alguma vezes, mas vale sempre insistir: a gente fala pelos cotovelos sobre pisada, tênis, bike, rolo, capacete, suplementos....

Mas pra mim isso faz tão pouca diferença...

Eu sou daqueles que acreditam que qualquer um que tenha condicionamento pra tanto, pode fazer um pedal de cinco horas no Iron com uma bike de alumínio; pode correr em 2:00 ou 1:30 a meia maratona do 70.3 que o tênis não vai fazer a mínima diferença.

O que faz a porcaria da diferença é você conseguir o que os caras chamam de "mental fitness" - em outras palavras, é a capacidade de você tem de lidar com a dor para cumprir as metas colocadas para os seus treinos de forma a que se possa realmente evoluir.

Vencer a barreira da dor é uma coisa muito discutida no triathlon tal como em todo esporte de endurance.

Mas como "coragem" não é vendida em prateleira de loja, as revistas não podem anunciar e faturar em cima. Consequentemente, isso merece apenas um tiquinho de atenção de todo mundo.

Mas, vá lá....

É bem conhecido a filosofia de treinos do Brett Sutton, que tem como foco levar o atleta ao limite da exaustão, de forma a levá-lo a conhecer e irromper todas barreiras sobre seus limites - não importa, comentam os mais críticos com uma certa ironia...não importa o número de atletas que ele quebre nesse processo.

No Ironguides é bem conhecido um texto do Vinnie Santana em que ele comenta que a construção de uma base consistente é coisa de longo prazo, de forma que cada treino impacte no seu corpo de forma a que se forme um "calo" - uma abordagem mais agressiva, por outro lado, pode deixar cicatrizes, físicas ou mentais.

Por isso no processo de preparação para o Iron, uma das partes mais importantes da periodização é o tempo que se dedica a "aprender a durar", isto é, ao condicionar seu corpo para as rotinas desgastantes dos treinos que virão pela frente.

Mas existe um momento que mudanças de patamar exigem maiores desafios e o processo de treinamento muda de intensidade. Seja qual for sua escola de treinamento, se você quiser resultados melhores terá que abandonar a zona do desconforto e adentrar a zona da dor.

Aí manú, a coisa pega....

Na minha opinião, abstraindo-se toda e qualquer discussão sobre a habilidades naturais que certos indivíduos têm para suportar a dor, creio que a força mental para lidar com ela explica porque vários indivíduos possam, se bem treinados, cruzar o pórtico de um ironman, mas poucos podem fazê-lo abaixo de dez ou nove horas.

Talvez varias pessoas possam administrar essa dor em treinos, mas falham justamente no momento que deveriam construir seus resultados, que é o momento da prova. Isso também poderia ser uma fraqueza psicológica, ou seja, a falta de capacidade que as pessoas tem para lidar com as cobranças ou a pressão por resultados que elas mesmas se impõe.

Por vezes eu acho o assunto até mais prosaico, mas derruba muita gente a falta de jogo de cintura pela lidar com imprevistos. Não é falta de preparo mental também quando certos indivíduos se deixam levar pelo estresse quando pequenos detalhes que antecedem um evento saem do planejado? Tal como esquecimento de um gel ou o simples ritual do café da manhã não foi exatamente como tinha se pensado?

A capacidade que essas pessoas tem de se manterem focadas a despeito de toda e qualquer alteração no ambiente, de todo e qualquer improviso que seja necessário fazer, é umavantagem competitiva das boas....

Mas o meu problema nunca foram as provas.

No meu caso em particular me mata a execução de exercicios de intensidade - e justamente agora que sei que mais preciso deles. Quem me vê treinando sabe que quando se pede "vai pra morte" eu vou pra morte. Porque eu não tenho medo.

E por quê medo? Porque o medo da intensidade pode estar associado ao medo inconsciente de sofrer alguma seqüela. Algumas pessoas, por exemplo, tem receio de problemas cardíacos, enquanto outras de se exporem em um ambiente hostil, como nadar no mar.

Todos esses medos são "tratáveis".

Só que tem mais. A coisa é um pouco mais complicada que isso....

Meu problema é que isso tem um custo mental que me deixa mal.

E lidar com isso é uma coisa angustiante pra mim.

Segundo quem é bamba no assunto, existem coisas que podem ser "treinadas" para que uma pessoa consiga assimilar a dor. Mas existe um nivel de entrega e sacrificio do indivíduo que é apenas e tão somente dele.

Essa entrega nem seria uma questao de " forca mental", mas de um elemento muito subjetivo associado aos "demonios internos" que cada uma carrega consigo.

Enquanto alguns tentam apenas "não falhar", outros põe a faca nos dentes e vão atrás de resultados.

Pessoas que lidaram com traumas pessoais associadas a doenças graves, tiveram uma juventude muito complicada ou gostam da adrenalina das atividades de alto risco são providas de motivações que não são passíveis de serem "aprendidas" ou passadas de um indivíduo para outro por meio de algum manual.

Por isso gente, desculpa aí, viu? Mas deixa eu falar...

Por isso aqueles livrinhos de auto-ajuda muito que do tico-tico fubá são uma perda de tempo e pior ainda aquelas frases motivacionais que entopem todo dia a pagina do Facebook - em que pese a Siri Lindley, uma das melhores treinadoras da atualidade e de quem leio tudo que se publica, ser umas das maiores responsáveis por isso....

Mas a vida é assim mesmo, fazer o quê???

Elas por elas, melhor você ouvir ela do que eu...:-)))




domingo, 8 de julho de 2012

São as pessoas, estúpido

Um texto recente sobre o triathlon gerou uma verdadeira "pancadaria digital" na blogosfera internacional e chegou aqui pela indicação do Renato Fabri no Ironbrothers. Poderia ter sido uma discussão que ficasse por ali.


Mas depois que a Ana Oliva comentou a pobreza de perspectivas que se seguiu ao debate sobre o assunto, o Max fez referência no Blog dele como um análise que merecia uma reflexão e o Augusto Coelho, lendo o Blog do Max, reforçou o apelo pela leitura do texto, eu achei que eu também tinha que entrar na discussão.

Afinal, todo mundo sabe que tenho uma certa aptidão para entrar em temas polêmicos - mesmo correndo o risco de me perder em um raciocínio meio tortuoso, e levar você junto (rs), vou me arriscar nesse tiroteio também.

Mas qual o problema de um texto em que um sujeito não pergunta, não coloca em dúvida, mas afirma: Triathlon é um esporte estúpido

Não é muito original. "É a economia, estúpido", foi uma frase cunhada por James Carville, assessor do então candidato de Bill Clinton, para explicar porque Bush pai, a despeito da ter "vencido" a Guerra Fria e a Guerra do Golfo, perdia a eleição presidencial em 1992.

Obviamente "estúpido" é um termo que não agrada ninguém e, naturalmente, frente a esse título nada simpático, a maioria dos triatletas já foram disparando criticas e palavrões contra o texto.


Esquecendo a ranhetice do rapaz e os insultos gratuitos, o texto é um desafio e mereceria mais argumentos que os grunidos que eu vi no blog dele feito pelos triatletas de lá.

No Brasil, a coisa foi do "o sujeito é um babaca e ponto" até posições meio ambíguas tipo "o cara é um babaca, mas tem algumas coisas que ele fala que são verdades".

Eu não acho que as pessoas precisam concordar ou discordar inteiramente com esses argumentos do texto, mas não dá para ficar dizendo que ele fala algumas verdades e ninguém põe o guiso no gato para dizer quais são.

E arrisco dizer que o que irrita não é apenas o que ele diz ou a forma como ele diz.

O problema é que a provocação é uma grosseria carregada de bons argumentos.

Dai eu não sei se a raiva é pelo título do texto ou pelo fato da gente não sabe rebater todas as bolas que ele chuta.

E por quê nosso amigo Charlies Broadway implica tanto com o triathlon?

Porque nos Estado Unidos, mostra ele, o triathlon cresceu barbaridade e a demografia desse crescimento é mais substantiva entre os mais velhos (acima de 35 anos) e entre os que tem mais renda - ou seja, o triathlon se tornou o esporte da elite americana, composta de executivos da indústria e do sistema financeiro, gerentes intermediários das grandes empresas e profissionais que trabalham na área de marketing ou na mídia.

E vai ele argumentar que, para minha completa estupefação, o triathlon lá é mais elitizado que a prática do golfe.

Eu raramente vi um esporte tão aristocrático quanto o golfe na vida.

Bem, e por quê o triathlon entrou na mira dos "bem nascidos"?

Como nos "estêites" o triathlon se confunde com o Ironman, ele argumenta que mais e mais pessoas que já gozam de destaque econômico procuram essa prova como meio para agregar uma certa distinção social, já que não estamos falando apenas de um "esporte", pois o nosso querido e amado "Ironman"é mais que isso.

O "Ironman" é uma "grife", assim como são o Challenge Roth ou o Rev3.

E pelo direito de participar dessa festa, mais importante que o mérito esportivo é a grana para comprar ticket de entrada para esse mundo de glamour e status, pois o que explicaria tamanha diferença entre a inscrições para a prestigiada Maratona de Boston (cerca de U$ 160,00) e Iron do Hawai (U$ 500,00)?

Afinal, ninguém vai cobrar direito de propriedade pelo uso do nome "Maratona". Você não paga direito autoral quando canta "atirei o pau no gato" e também não vai pagar por correr 42. 195 metros.

Claro, tem gente bacana fazendo Maratona - aquele livro de meninos ricos, competitivos e "sensíveis" que decidem realizar uma disputa pessoal em torno do recorde de um outro corredor mais velho, é bem um exemplo que alguém poderia usar para mostrar que "não é bem assim"...

Claro, "não é bem assim"....

Eles são "iguais" ao Solonei Rocha, que ganhou a Maratona de São Paulo esses dias.

Igualzinho...

Ex-lixeiro e operário da indústria de couro, o Solonei tem um mulher simpaticíssima que esses dias deu uma entrevista na maior rede de televisão desse pais falando que iria pegar o prêmio da prova para comprar um faqueiro.

Faqueiro....

Nosso amigo comenta que o triatlho (ou o Ironman) tem outra barreira, que é o fato de ser um esporte extremamente caro - pelos equipamentos, pelos acessórios e pelos suplementos que se adquire para uma coisa que deveria ser, em hipótese, coisa bem mais simples como nadar, pedalar e correr.

Mas quando se combinam as três coisas essa brincadeira vira um esporte caro do capeta!

Ele argumenta que alguém pode comprar uma bike no Wal Mart para fazer uma prova, mas certamente vai ser ridicularizado por aquelas figurinhas que vão fazer cara de nojo quando passarem do seu lado.

Por isso, ciclista não gosta muito de triatletas.

Aliás, deixa eu contar uma histórinha? Abre parênteses aqui.


Vou te dizer, viu, mas acho que eu já me identifiquei um pouco com o que ele diz lá no passado.

Quando eu ainda não fazia triathlon e andava de bike na Bandeirantes com o Daniel, as vezes via um alguém trocando o câmera no acostamento. Diminuíamos para perguntar o famoso: "Tudo bem ai?".

Não raro o sujeito olhava para trás com uma ar "blasé" e nem se dava ao trabalho de responder, voltando sua atenção para a roda como se fossemos invisíveis.

Eu perguntava para o Daniel.

- Rapaz, o que foi aquilo?

- Um "ser triatlético" - classe de pessoas intratáveis, intragáveis e imprestáveis.

- Hãããããããnnnnn....

Claro que você vai me dizer que isso é "estereótipo" que os ciclistas tem da gente, não é?

Não deixa de ser verdade. Mas deixa eu entender uma coisa.

Tá cheio de triatleta fazendo esteriótipo de "politico", "funcionário público", "pagodeiro", "nordestino", "carioca", "paulista" e tantos outros...

Abre o Facebook e a cada três posts, um é estereotipo.

E "estereótipo" de triatleta? Não pode?

Ué? ;-))))

Fechando o parênteses....

Agora, ele tá muito errado? Ou tá "meio" errado?

Ou está totalmente meio errado? (rs)

Quando nêgo fala que tem "poser" a dar com pau aqui no Brasil fazendo triathlon a gente de certa forma não está concordando com o perfil que o gringo traçou no Blog dele?

Só não entendo o seguinte: por quê concordamos todos em criticar os "triatletas de boutique", mas ficamos bravos quando alguém de fora, que não é triatleta, externa a mesma opinião?

Obviamente, dizer que triathletas são pessoas idiotas e narcisistas é uma coisa que mexe com os instintos assassinos da nossa classe - que só é unida no Facebook.

Porquê na hora de fazer a inscrição para o Iron ou para o Troféu Brasil, corre cada um pra um lado...

E não sou eu que estou falando! Todo mundo diz o mesmo...

No fundo, no fundo, esse texto é resultado da percepção do abismo econômico que separa os pobres e os ricos entre os americanos no contexto da crise que se abateu por lá - e que vai se alongando durante a administração Obama.

Para o americano, a crise econômica tem lá seus responsáveis, mas quem paga o pato é a classe média e os mais pobres - a desigualdade para eles é chocante e gera esses textos azedos.

Entre nós, todavia, a desigualdade é uma velha conhecida já vai décadas e mais décadas.

Mas nós temos pontos em comum e pontos diferenciados em relação ao caso americano.

Nossa experiência nos mostra as duas faces da moeda: por um lado, há sim pessoas que procuram o Ironman a fim de ostentar seu status econômico, social e até esportivo - porque o Ironman é algo socialmente diferenciado.

Mas, por outro lado, ao mesmo tempo há pessoas que se viram como podem para dribar as dificuldades ao longo de um ano (ou dois) para participar de um.

Há pessoas que são um nojo; e há pessoas que, como diz o meu amigo Mardem Mota "não sabem o que fazer para te ajudar".

E isso gera um choque com a nossa experiência mais próxima, pois ao lado dos "posers", sabemos que aqueles que nos cercam não são esnobes e muito menos narcisistas.

No Brasil, tem um povo de "bens nascidos" que fazem triathlon que pode ser emparelhado com essa elite mundial em termos de poder de compra. Não tem restrições de orçamento e, como diz a Ana Lídia, são aqueles que podem usam equipamentos de entrada que lá fora é de uso quase exclusivo de profissionais. São presas fáceis das campanhas de marketing e freqüentam as lojas que tem valet próprio nos Jardins em São Paulo.

Mas aqui o triathlon se alargou muito nos últimos anos - e se alargou porque se tornou o esporte de uma classe média que tem ascendido com o crescimento econômico dos últimos anos.

A diferença é que se trata de uma classe que não tem vida fácil.


São pessoas que valorizam o trabalho por de terem dado duro para estudar e ainda lutam para se situar profissionalmente. Entendem o valor da solidariedade, pois só emergiram por meio do apoio familiar. Não são deslumbrados pelo consumo vazio porque o orçamento do dia a dia não é infinito, principalmente quando são chefes de família jovens e com filhos.

Podem ser da área de marketing ou "personal trainners", mas estudaram a noite e trabalharam para financiar a faculdade.


Nesse sentido, a popularização do triathlon no Brasil foi feita, sim, por meio de pessoas que estão dentro de um grande processo de mobilidade social, mas que sabem quem são e não esqueceram de onde vieram.

Existe uma nobreza nesse esforço que pouca gente se dá conta.

E essa classe de pessoas povoou o triathlon no Brasil, "rachando" um espaço que antes só era freqüentado exclusivamente por uma elite.


E querem participar da festa com a sua cara, com usa própria identidade.

Claro, é possível que alguém diga que esse quadro seja generoso demais com os triatletas. Que isso seja mais uma esperança minha do que um fato. Que essa classe média também tem seus defeitos.

Pode-se argumentar também que o importante são as atitudes, sendo que os mais ricos não são necessariamente pessoas fechadas no seu mundo e podem ter valores até mais progressitas que uma boa da classe média - que no Brasil tem uma características ruim também, como uma certa repulsa a qualquer política de igualdade.

Basta ver a dificuldade para fazer parte dessa classe entender a importância da "bolsa familia", um programa de referência sem paralelo no mundo, mas que aqui é rotulado unicamente como "assistencialismo".

Tudo isso é verdade. Dividir o mundo entre "bons" e "maus"nunca é uma boa leitura das coisas.

E essas colocações são verdadeiras. Nas últimas eleições presidenciais uma socialite mineira justificou seu voto dizendo que assim o fazia porque não conseguia imaginar um governo melhor que aquele que levava o filho da sua empregada à faculdade.

Ou quem assistiu o filme "Um sonho possível" pode ver como algumas pessoas da elite mais conservadora americana podem tirar o pescoço do mar do privilégios proporcionados pelo dinheiro para compartilharem suas vidas simplesmente porque tem crenças e valores altruístas que as colocam acima da sua condição social de "ricos".

De qualquer forma, hoje eu poderia contar várias histórias que não encontram semelhança alguma com aquele evento triste da Bandeirantes.

Histórias de camaradagem e amizade que tenho aqui comigo pra sempre.

E isso me faz ser um cara otimista; me faz pensar que bom que temos uns aos outros e por isso não me sinto pedalando sozinho em nenhuma estrada.