quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Duas histórias para 2013


A Internet é a mistura de tudo.

Eu gosto muito das coisas que vêem da criatividade anônima, as página de Haicais do Leminski (saber é pouco/como é que a água do mar/entra dentro do coco?), as tirinhas do  Laerte, indicação de um site com livros gratuitos, filmes, cursos, a arte nas ruas, música, fotografias e outras que chamam a atenção da gente em uma espiral sem fim.

Coisas que te ajudam a pensar, a rir ou a viver melhor.

Esses dias dei sorte e topei com um texto do Marcelo Gleiser, físico sério com uma visão muito rica sobre questões que extrapolam o universo científico.

Nesse texto ele discute um pouco o tal "Dia do Fim do Mundo"- um assunto que eu, sinceramente, não tava agüentando mais.

Nota que o medo do fim dos tempos é uma questão presente em várias culturas, antigas e modernas. E pergunta ao leitor o motivo dessa fixação, a qual ele mesmo arrisca a responder aventando a hipótese de que, no fundo,  o que nós realmente tememos é o "teste do tempo" - ou simplesmente o medo de ter desperdiçado a vida.

E, de fato, como deixar de pensar nisso se mesmo as coisas que julgamos como grandes realizações pessoais vão ser esquecidas na próxima semana tal como embalagens descartáveis?

Esse teste só será vencido se fizermos coisas que possam transcender nossa presença física depois de termos partido, isto é, fazermos algo que se torne um legado.

"Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para você e vice-versa."

Nesse raciocínio, vencer o teste do tempo não é vencer o anonimato  -  é muito mais uma questão associada aos valores de cada um e a forma que escolhemos para viver. E, se assim é, não se pode contar com um conjunto de mandamentos que possam nos dizer como a vida deve ser vivida e muito menos como deve ser julgada.

Há uma linda história sobre entrega pessoal que gostaria de compartilhar.

Ainda que não se saiba que se real ou não, foi romanceada em um livrinho muito bonito chamado "Kafka e a Boneca Viajante" (Jordi Sierra).

Conta a lenda que Kafka passeava em um parque em Berlim quando se depara com uma garotinha chorando sozinha. Ao lhe perguntar o motivo, Elsi, a menina, diz que perdera Brígida, sua boneca.

Sensibilizado pela dor da menina, ele então se apresenta como um "Carteiro de Bonecas" e diz para a garotinha que a boneca não tinha se perdido, mas que viajara e havia lhe deixado uma carta explicando tudo.

No dia combinado Kafka entrega a carta a menina e nela a boneca explicava que partiu para conhecer o mundo e não gostaria de se despedir - meninas e bonecas são feitas de emoções e sentimentos para serem usados aos poucos. Despedidas são tristes e ela não gostaria de ver a menina chorar.

Nas outras três semanas do último ano da sua vida, um dos maiores escritores de todos os tempos se dedica a escrever cartas diariamente para a pequena menina.

São histórias sobre viagens em Atenas, Paris, Londres e outras cidades do mundo.

Mas, doente, lhe preocupava o fato de que não poderia escrever indefinidamente. E se pergunta "De quantas cartas Elsi precisaria para ser feliz? E Brígida, de quantas para se libertar?"

Ele precisava de um final e, nas duas última cartas, a boneca enfim se despede revelando que iria se casar e que havia finalmente havia encontrado a felicidade.

Dizia ainda que agora era a hora da garotinha viver a vida dela da melhor forma possível e, como retribuição por tudo que aprendeu, lhe envia uma boneca de porcelana chamada Dora.

Além das doações que podemos fazer para que pequenas garotas não chorem, gosto de pensar também que somos parte integrante de um esforço incansável das gerações que nos antecederam e que a vida é um constante trabalho expandir e dar sentido a esse legado.


As coisas que alcançamos, eu ou você, são o resultado não apenas do nosso esforço pessoal, tal como faz crer essa ideologia do "EU S/A", que encurrala as pessoas no mais estreito narcisismo individualista; prefiro entender que somos a ponta em um longo processo de sacrifício de antepassados próximos e distantes, pessoas que talvez não tenhamos conhecido ou que sejam lembradas apenas vagamente, tais como nossos parentes em fotos antigas e descoloridas.


E como elo dessa cadeia, você pode ser uma pessoa importante para os que já se foram, para os que compartilham o seu presente e para os que ainda estão por vir.


Quem leu a "A garota das laranjas"(Jostein Gaarder) sabe que ali se conta a história de um pai que não poderá ver o crescimento do filho de quatro anos e passa o tempo que lhe resta escrevendo uma longa carta de despedida, que será lida onze anos depois.

Nessa carta o pai escolhe uma história e lhe dirige uma pergunta, mesmo sabendo que não terá oportunidade de conhecer a resposta.

Dilacerado pelo peso da doença e a brevidade da sua passagem pela terra, o pai escreve que, se alguma escolha lhe fosse oferecida antes de nascer, ele teria optado por declinar a oferta de um o bilhete de entrada nesse mundo desde do início. Por quê aceitar uma aventura se tudo pode lhe ser tirado subitamente no momento mais feliz da sua vida?

E faz a mesma pergunta ao filho, pois se sentia diretamente responsável pela transmissão de um legado cruel e injusto.


Diz o pai, "Para mim, essa pergunta significa um conflito brutal de consciência. E ela traz consigo a necessidade de deixar um pouco de ordem atrás de mim". 

E pergunta ao filho: "Qual seria a sua escolha?"

Para essa pergunta a resposta não se resumia apenas a um "sim"ou a um "não".

"Você não precisa responder diretamente a minha pergunta. Mas indiretamente pode. Pode responder pelo modo como quer viver essa vida (...) Se você responder que, apesar de tudo, teria optado pela vida, ainda que fosse por um momento brevíssimo, eu não posso desejar nunca ter nascido".

Ao final o filho diz "Herdei do meu pai uma tristeza profunda, a tristeza de saber que um dia vou ter de deixar esse mundo. Aprendi a pensar em noites como esta, em que já não será dado viver".

Mas, pelos olhos do filho, a leitura da carta leva a um outro caminho: se a probabilidade da vida em um universo de bilhões de anos ainda assim é pequena,  o que dizer de cada indivíduo?

A vida de cada um é o resultado de uma rara convergência de pormenores, casualidades, coincidências e encontros improváveis  - histórias que poderiam não ter ocorrido.

Dessa maneira, conclui ele, viver é um convite irrecusável que traz em si um sentimento de humildade.

E de gratidão.

"A vida é uma loteria gigantesca, na qual apenas só os números vencedores são visíveis. Você que está lendo esse livro é um número vencedor."

E tal como o único pedido feito por John Miller (Tom Hanks) para James Ryan (Matt Damon) em troca do sacrifício de um grupo de homens em "O Resgate do Soldado Ryan", seria possível complementar:

"Faça por merecer".

Feliz ano novo....