Esses dias o Ulisses
Franceschi postou o seguinte comentário no Facebook,
Era
uma vez um esporte onde existiam algumas verdades:
-
Quem não sair no primeiro pelotão da natação não ganha mundial.
-
A bike é só uma preparação para a corrida.
-
Para ganhar Kona tem que ser um atleta pequeno.
-
O segredo é sair da água no primeiro grupo, fazer o jogo com esse grupo no
ciclismo e correr bem.
- Medidores de potência são fundamentais na bike para se correr bem.
- Medidores de potência são fundamentais na bike para se correr bem.
Aí,
veio um cara e pulverizou tudo. O nome dele: Sebastian Kienle.
Fim.
Várias pessoas curtiram e
comentaram esse post - e fiquei com a pulga atrás da orelha com o tamanho do
elefante que se esconde no ponto cego do texto, mas nós não notamos.
Outro dia um amigo postou
uma foto de um triatleta que ganhou uma prova na sua categoria e lá aparecia o
rapaz com capacete vazado e roda comum.
Daí a pergunta inevitável:
quem disse que precisamos de capacete aero e rodas aerodinâmicas para ganharmos
uma prova?
Vou fazer uso de um
argumento do Daniel Kahneman com uma leve adaptação para tentar fazer com que
se visualize o elefante.
Pense em Ana.
Ana reside e trabalho aqui no Estado de São Paulo e tem uma
personalidade que pode ser descrita como simpática, embora com pouca
desenvoltura para contatos sociais, e que necessita de ordem e estrutura em
tudo que faz. Além disso, tem uma grande paixão pela leitura desde criança, o
que pode estar associado ao fato de que seu pai tenha sido professor.
Se ao acaso encontrássemos Ana na rua você diria que existe maior
probabilidade de estarmos diante de uma bibliotecária ou uma recepcionista?
Sua mente está dizendo que se
trata de uma bibliotecária, mas resiste a responder assim porque eu não teria
motivos para fazer uma pergunta cuja resposta parece tão óbvia.
Mas, como diz aquele
comentarista de ciclismo, piriri-pororó, é provável que você crave em
bibliotecária.
Entretanto, deixe-me expor
dois dados.
Em São Paulo existem cerca
de quatro mil bibliotecárias.
E mais de 154 mil
recepcionistas.
(verdade, eu fiz esse
levantamento)
Mudou de idéia?
Os mais atentos certamente já devem estar vendo a tromba do
elefante.
É muito comum fazermos julgamentos ignorando dados em troca de esteriótipos.
Não se trata de um problema decorrente da sua habilidade
no trato com os números – quando testes como esses são aplicados a estudantes
de estatística, eles caem no mesmo viés.
Os argumentos por esteriótipos insistem em histórias
simples e bem contadas, tais como aquelas ilustradas com fotos de um triatleta
segurando um troféu, um capacete vazado e que diz nunca ter usado um medidor de
potência.
Mas, supondo-se que todos os outros triatletas que venceram nas
suas respectivas categorias dispusessem desses equipamentos, não é de se supor
que capacetes aerodinâmicos e powermeters podem ser de eficácia maior
porque estão associadas a um número maior de vencedores?
Por que achamos que 1% dos casos têm maior poder explicativo do
que aquilo que acontece em 99% das
ocasiões?
Se Sebastian Kienle é de fato uma exceção, ele não
invalida as verdades citadas no post, antes as reafirma ainda
mais.
Mas, também é possível que o alemão não seja de fato uma exceção e
o Ulisses esteja correto.
E ai reside o problema mais grave: não temos como saber.
Pois alguém já sentou e colocou na ponta do lápis se Kona é realmente
para atletas pequenos? Se medidores de potência são realmente importantes para
uma boa corrida? Se uma boa performance no pedal pressupõe sair da água com o
grupo da frente?
Temos idéia do montante de "verdades" cuja
comprovação é apenas resultado de esteriótipos? Ou de argumentos de autoridade, tal qual aqueles que começam uma sentenças do tipo
“Mas o Brett Sutton....” e para a qual não se pode afirmar absolutamente nada fora dos estudos de caso?
E se boa parte das
idéias tidas como sólidas no triathlon é apenas o resultado ampliado das nossas
intuições coletivas? Das nossas especulações de Facebook?
E nossos técnicos? Não são suscetíveis eles também a esses viéses tanto quanto
qualquer outro?
E o mais importante: o elefante apareceu para você?
Um comentário:
Bessa,
um nadador paralímpico brasileiro faz 58s. nos 100 livre - com um braço.
Dá pra olhar pra isso de duas maneiras:
1) caramba....eu com uma eficiência mecânica dessas hein....;
2) aí galera....e vocês teimando em nadar com dois braços;
Fim.
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