domingo, 4 de novembro de 2012

As Alegrias Simples


A algumas semanas o pessoal do Ironguides me escreveu pedindo um pequeno texto que contasse um pouco sobre minha experiência na assessoria.

Para recuperar algumas coisas resolvi olhar os posts mais antigos desse Blog - e percebi que nem me dava conta que ele existe desde de 2008.

A idéia de criar um Blog no inicio era uma coisa muito simples. Eu tinha visto um bacaninha de uma americana que contava um pouco dos treinos, das provas, mas sobretudo do estilo de vida de uma triatleta asmática, com hipertiroidismo e que se dizia com péssimos hábitos alimentares.

Além de bem organizado, aquele Blog tinha umas frases motivação, tirinhas engraçadas e fotos de provas e outras de viagens pelo interior dos EUA. O que eu achava mais engraçado eram as fotos que ela tirava da geladeira com a porta aberta....

E, depois, fui encontrando outros com a mesma filosofia - porque esse mundo é uma rede sem fim, como no verso de Octavio Paz "Tudo é porta/Tudo é ponte".

Naquele momento, os Blogs de triathlon que começavam a despontar eram de pessoas com pretensões muito modestas ou mesmo sem nenhum tipo de foco no desempenho.

A idéia se voltava a construção de um estilo de vida diferente.

Posso dizer que foram essas pessoas minhas primeiras referências, pois só depois, muito posteriormente, vim a tomar conhecimento das chamadas "lendas de Kona", tal como a Chrissie Wellignton - e nesse caso específico por conta das histórias que o Vinni contava sobre o tempo que ele passou no TBB.

O triathlon começava a tomar uma parte importante do meu tempo e pensei "por quê não um Blog?".

Nessa época, havia uma critica "no ar" que considerava os Blogs mais um modismo para gente exibicionista tornar pública informações sobre questões pessoais sem  importância nenhuma.

Claro, tem disso...

Mas do lado de quem fazia essa critica também há muita gente ranzinza e pouco chegada a internet.

A idéia no início era bem simples. Como eu mandava um email por semana falando dos treinos para o coach, poderia aproveitá-los para fazer algo mais ampliado, tal como arrumar um lugar para guardar algumas coisas, uma mistura de descrições sobre treinos e  "colagens" de vídeos, fotos, frases...

Algo para a gente mesmo, tal como o canto da casa onde você mais gosta de ficar.

Nesse sentido, nunca planejei fazer textos para os outros. O Blog vai para a rede para todo mundo ver, mas no fundo eu não tinha a menor pretensão de que alguém viesse a ler.

E pra mim essa idéia era bem confortável.

Eu não me preocupava muito com estilo ou um português impecável.

Posteriormente, as coisas foram mudando. Aos poucos outros que também escreviam textos na internet ou pessoas que estavam apenas curiosas começaram a colocar um comentário aqui, outra ali....

E aparecem também paraquedistas que colocam no Google uma frase do tipo "as gostosas da academia do Bessa" e vem parar nessas bandas...

"Gostosa" nesse blog só se for essa aqui. ;-))))

Mas por quê esse interesse das pessoas?

Sei lá, fosse arriscar acho que os Blogs começaram a ser mais lidos em razão do crescente interesse pelas provas de Ironman.

Outro motivo foi o  "Diário de um Ironman"ou os "Diários de Kona" do MundoTri.

As pessoas "curtiram" aquele formato e foram procurando na Internet coisas similares.

Até certo ponto a coisa ia bem nessa linha de falar de treinos, mas me enchi um pouco sobre isso.

Afinal, para quê alguém quer saber o que eu corro, quanto eu nado ou que dia que estou pedalando?

Tudo bem, um monte de gente....

Tá-tá-tá, verdade...

Só que quando os treinos viram rotina, escrever sobre o mesmo assunto cansa, sabe?

Mas aproveitando o ensejo, vamos abrir um parênteses aqui.

Vou fazer uma confissão: treino é bom...

Mas também não é....

Porque treino na maioria das vezes....well, treino dói! Dói pra cachorro!

Por isso não consigo entender quando o sujeito faz aqueles treinos quase vomitando e mal termina já manda uma fotinho para o Facebook dito embaixo:

"EU AMO MUITO ISSO TUDO".

Como é que é a parada mermããããoooo? Você ama o quêêêêêêê?

Você tá me dizendo, presta atenção...

Cê tá me dizendo que "ama" ficar seis horas em cima da bike sem sair do banco? Tá me dizendo que "ama" fazer força a ponto de sentir febre depois do treino? Tá me dizendo que "ama" dar tiros na piscina que ao final se sente um sedentário, fumante e com pulmão a menos na borda da piscina?

É isso que você tá me dizendo?

Que "AMA TUDO ISSO"?

Mannnnnn, fico zuado quando vejo esses style

Mêêêu...;-)))))

Fecha parênteses...

E tem outra coisa sobre ficar falando de treinos: as vezes a gente não tem o que dizer.

Antes, eu me achava o máximo falando sobre cadência de passadas porque todo mundo me perguntava sobre o assunto - mas hoje, quando se toca nesse tema, vem uma tonelada de informações sobre economia do movimento, eficiência mecânica, lacto, VO2 máximo....

Ou seja, o negócio ficou pesado!

Antes eu lia uma Revista de Triathlon e ficava deslumbrado - agora são cinco.

E entendo cada vez menos também.

Bom, ai eu comecei a pensar em fazer uns textos "papo cabeça".

Ai o blog parece aqueles programas que vendem tupperwer na televisão de madrugada, sabe?

Ninguém lê....

Mas aquele post que fala de um treino de natação específico ou daquela prova que eu quase morri, ai a coisa bomba - aparecem mais de 400 pessoas acessando!

É provável que isso tenha ocorrido por um erro de avaliação da minha parte. Acho que subestimei o número de pessoas que está no triathlon sem acompanhamento de assessorias ou o faz apenas por planilhas e que precisam acompanhar o que os outros estão fazendo.

Ou falar de treinos pode ser uma forma de buscar comparações para perceber um pouco o nível de dedicação, as dificuldades, a evolução e tantas outras coisas.

Enfim, eu não sei....

E outras mudanças também ocorreram, principalmente nos formatos dos Blogs, que deixaram de ser vistos exclusivamente como um diário pessoal sobre treinos e se diversificaram: atletas profissionais começavam a fazer uso dessa ferramenta como meio de promoção própria e de marcas de apoio, enquanto outros passaram a usá-los como espaço para expressar idéias. Vale citar ainda aqueles que são especializados em discussões sobre equipamentos e outros são uma mistura de tudo isso e mais outras coisas (normalmente, os melhores).

Mas no fundo, no fundo não é só formato das coisas que mudam.

O que muda mesmo é a gente.

Nas entrelinhas da história que aqui é contada, o que se percebe é que as alegrias simples, aquelas das descobertas, vão se perdendo.

Aquela alegria de conseguir completar a primeira meia-maratona, de ser capaz de nadar pela primeira vez em uma prova, de ter o "brevê" do técnico para fazer um Ironman e até coisas que hoje eu acho meio ridículas, tal como vencer o medo de chegar em último no primeiro triathlon Olímpico.

Ou seja, tudo se resumia em lidar a expectativas.

Mas depois as coisas vão se realizando e fica cada vez mais difícil renová-las.

Porque nem sempre o progresso é uma novidade, um caminho novo. Apenas muda o fato que você querer ir mais rápido e/ou terminar mais inteiro.

Esses dias assisti um documentário sobre o trabalho dos "Doutores da Alegria" - um trechinho vai abaixo.

Há um momento em que uma das atrizes fala das dificuldades de se atuar para crianças, pois para essas tudo é descoberta, enquanto que para os adultos as brincadeiras são experiências passadas.

Então ela diz que a empatia do palhaço é o exercício renovado de "descobrir o novo, de novo".

Parece que ela falava comigo....