quinta-feira, 12 de setembro de 2013

70.3 de Las Vegas

Depois do IM do Texas em maio a próxima prova seria o 70.3 de Las Vegas, no inicio de setembro.

Além de ser o campeonato mundial da categoria, essa prova ficou ainda mais conhecida em 2012 por um percurso pra lá de desafiador e o calor extremo em clima seco.

Traduzindo, uma prova pra gente cascuda.

Lembro que no ironbrothers, grupo de discussão no FB, o debate sobre a prova foi um UFC on line de uma pancadaria que eu jamais vi igual.

E tudo sobre uma pergunta simples: eventos em situações extremas são realmente razoáveis? 

A coisa foi tão feia que vários deixaram o grupo - alguns por ofensas pessoais dadas e recebidas, outros com "vergonha alheia" pelo tom da discussão.

Bem, o planejamento da viagem foi tranquilo.

A principio eu iria com a Endurance Sports Travel por questões de segurança, mesmo com a experiência ruim que tive com eles no Texas. O hotel ficava longe da prova e não havia lugar para pedalar. Qualquer deslocamento, só de Van.

Ai o Wagner Araújo, que iria fazer a cobertura do MundoTri, propôs rachar o Hotel.  

Como ele já tinha ido no ano anterior e sabia os macetes do lugar, não tive dúvidas. 

E não me arrependi. A escolha foi excelente, pois focava perto da T2 onde a gente fechava a prova e da Expo. Não tive problemas de logística, lugar para treinar e tudo era muito a mão.

Houve apenas uma sutil escorregadinha da minha parte.

Quando mandei os dados da passagem para o para Wagner ele me respondeu "Cara, estou olhando a sua passagem e....O que você vai fazer em Los Angeles"? 

Oi? Los What?????

Mas, vem cá: Los Angeles, Las Vegas, LAS, LOS...LOS, LAS...

Não é tudo parecido? ;-)

Se o planejamento foi legal, a viagem foi chata. Não encontrei ninguém no vôo indo para lá e voar mais de oito horas tendo que dormir em poltrona de avião não é das minhas atividades noturnas preferias.

Fora que andar no aeroporto de Las Vegas é como fazer uma viagem dentro de uma outra viagem. Peguei trem para pegar as malas e ônibus para chegar na área de aluguel de carros. Desconfio que foi lá dentro que tiveram a idéia do bilhete único...

Bem, os dias que antecederam a prova foram voltados para hidratação - duas caixas de água de côco e três galões de isotônico. Mesmo com o calor diminuindo dia após dia, ainda assim eu não estava querendo dar sopa para o azar.

Mas, surprise, quando estava indo para a prova, ainda de madrugada, chovia!!!

E chovia, mano!

Chegamos pouco antes da 6:00 na T1, horário em que seria fechada a área de transição. 

A largada seria em ondas e a minha estava programada para as 7:40. 

A água da chuva era fria e comecei a bater os dentes - eu que tinha me preparado para o calor mais forte da minha vida estava ali com medo de uma hipotermia.

Sentei no chão em um corredor sujo e escuro, mas coberto, e fiquei pensando na vida até dar 7:25.

Fui para a fila e fiquei feliz porque a água da lagoa estava ótima. Alinhamos e esperamos a largada.

A natação em Las Vegas é fácil. É ir e voltar em linha reta dentro de um lago com bóias de sinalização perfeitamente distribuídas e visíveis. 

Mas sou muito Bozó dentro da água. Mesmo sendo fácinho, nadei para coisa de 41 minutos. 

Além de não ser rápido, ainda nadei em zigue-zague, pois o gps mediu quase 2.100 metros. 

Sai para a transição tentando não escorregar no barro. 

Mas é óbvio que não adiantou. Escorreguei e fui de bunda para o chão.

E para levantar depois? 

Bom, a chuva não dava trégua e comecei o pedal quase sem visibilidade. 

Depois de um trecho curto no plano, há a primeira escalada que leva até a estrada. E essa estrada vai dar no Parque, onde por sua vez será feita a maior parte do pedal. 

É do Parque que saem as fotos bacanas da prova e que todo mundo vê na Internet.

Até o Parque você sobe, sobe, sobe até que, finalmente, dá de cara com outra subida....e sobe, sobe, sobe...

Já dentro do Parque, o padrão é subir a 14 km/hora e descer a 50 (ou 70 para quem é mais atirado). 

Lembra um pouco Romeiros aqui em São Paulo no que diz respeito a altimetria e também aos carros, já que mesmo em dias de competição o tráfego para automóveis não é proibido nem isolado por cones dentro do Parque.

A chuva continuava, mas o piso era ótimo e não percebi perigo de tomar um capote.

Percebendo as subidas longas, comecei a ficar encasquetado com a possibilidade de queimar a musculatura fazendo um esforço desproporcional. E também acreditava que deveria me resguardar um pouco, pois queria andar mais forte quando saísse de lá. 

Só que minha lombar começou a doer muito e a estrada não era o "retão" bonito com eu esperava. 

Fiz o pedal para 3:02. Como pedalo pouco para esse tipo de percurso, não era ruim.

Desci da bike com as pernas ótimas. Mas não foi o suficiente.

A corrida são três voltas. Mas totalmente fora dos padrões que estou acostumado.

Para se ter uma idéia, acho que, somados, os trechos planos devem dar coisa de 15 metros para os 21k. 

Comecei descendo bem e no ritmo do pessoal, que vinha forte e que tinha largado mais cedo. Mas nas subidas percebi que não tinha tração nas passadas e atacar as ladeiras era impossível, impensável, impraticável, im....

E também não conseguia compensar descendo o tempo que perdia subindo, pois a musculatura da perna ficava "embaraçada"depois de tanto subir e só soltava lá em baixo, quando eu tinha que começar a escalar novamente. 

O sol já estava dando as caras e comecei a sentir uma leve dor de cabeça, tal como no primeiro dia em que cheguei na cidade. 

Foi nesse momento que mudou a chave: como não tinha condições de forçar, desisti de uma boa corrida e alternei para um ritmo em que fosse possível administrar o desconforto e a dor,  já que perigava piorar e bater no meu limite mental. 

Deu certo e fechei a meia-maratona para 1:56. 

Foi abaixo de duas horas, mas não achei bom. Não gostei da minha postura.

Na corrida sou mais agressivo quase sempre, mas em Vegas eu não conseguia "agredir" o percurso e me tornei passivo dentro dele.

Ai você faz apenas o que a prova te permite fazer.

Finalizei tudo em 5:48, trazendo na bagagem várias coisas para pensar e muita autocrítica para fazer.

A primeira é que deixei que a discussão sobre a tempetatura e o clima seco da prova do ano passado retesse toda minha atenção e não atentei para as armadilhas do percurso, que é duro demais mesmo sem calor.

Segundo, um campeonato de 70.3 bem feito já faz por merecer uma preparação especial. Não dá para encarar um meio ironman de forma competitiva simplesmente colocando mais água no mesmo feijão dos treinos que vc fez quando se preparava para o Ironman. 

A gente tem a cultura de valorizar o Iron e usar a raspa do tacho para as provas de meio-iron alguns meses depois por uma questão de calendário. 

Outra questão importante é que o padrão brasileiro tem sido de provas rápidas. E nós nos habituamos a isso.

Mas por "provas rápidas" não se entenda "provas molezinhas da silva".

Significa apenas que passamos a maior parte do tempo treinando para competições planas, climas amenos e focados em intensidade. 

As provas no Brasil não pedem muito mais do que isso.

Então saímos para o exterior cheios de si porque fazemos sub-5 no 70.3 do Brasil, tiramos um pódio em Pirassununga e "detonamos tudo" em Caiobá.  

Só que chegando lá fora você vê nitidamente que deve reduzir suas muito suas expectativas. 

O nível de dificuldade é de outra natureza. 

Ninguém te dá um pedal com altimetria fácil para voar e muito menos uma corrida plana para chegar no Brasil e dizer bateu seu recorde na meia-maratona.

Só que deixa eu esclarecer uma coisa que dia sim, dia sim, é motivo de mal entendidos.

Não compartilho da opinião de que as coisas sejam assim porque as provas rápidas são escolhas naturais de triatletas brasileiros para satisfazer o ego de pessoas malemolentes e dar lastro para suas pavonices feicêbuquianas.

Não é bem assim.

Nunca vi alguém apontando o dedo para os corredores de rua pelo tipo de maratonas que escolhem, pois é absolutamente normal provas rápidas voltadas para quebra de recordes e outras que são fantásticas pelo desafio altimétrico do percurso.

No caso do triathlon de longa distância, nós ficamos mal acostumados dentro de uma cultura de provas rápidas por questões de estrutura, não de opções individuais.

É provável que o IM Fortaleza e o 70.3 de Brasilia, assim como outros circuitos que estão chegando no Brasil (Experience 100k de Canela), transformem esse quadro. Vamos começar a rever a utilidade dos nossos conceitos de PB e distribuição de status para atletas "sub isso" ou "sub aquilo". 

Mas, por outro lado, espero que não se comecem aqueles debates simplistas em que se passam horas na frente do computador discutindo de forma totalmente improdutiva qual é a prova mais "tradicional", mais "autêntica", mais "dura", mais "difícil"....

Trata-se de uma atitude de um provincialismo sem tamanho que vai transformando a convivência das pessoas em algo que tem o nível das brigas de torcida organizada cujo resultado, se tem algum, é a desvalorização do próprio esporte.

Ela nos tira algo de valioso que são os sentimentos de comunhão de valores e pertencimento.

Pois quando selecionamos eventos como provas de "primeira classe", entendemos que os que optam por outras são atletas de segunda.

Em países que têm um circuito mais diversificado de provas, os atletas são mais maduros e há um enorme respeito pelo esforço e o sacrifício alheio, seja qual for a competição escolhida.

Talvez porque compartilhem entre eles um conhecimento que pode ser traduzido nas palavras do Rafael Pina perto do pórtico de chegada do IM de Florianópolis esse ano.

"Nunca é fácil"