domingo, 15 de janeiro de 2012

A Árvore e a Floresta

Uma coisa que me passou pela cabeça nesses tempos de muita discussão (e poucas conclusões) é a forma como nós nos livramos de certos problemas usando expressões que são tiro e queda para debates muito polêmicos.

No recente embate de idéias sobre os efeitos da musculação no triatlon que teve origem a partir do texto da Ana Lidia e dos Ciro no MundoTri, foi muito interessante ver a forma como as pessoas colocam seus argumentos.

No Ironbrothers, uma comunidade de amigos no Facebook, a discussão foi pendular.

Primeiro, um movimento forte de apoio as idéias do Ciro. Depois, chegou a cavalaria da musculação....:-))))

Tudo com muita tranqüilidade e sem o estresse que se viu no fórum do MundoTri.

Mas em qualquer um desses fóruns, no meio de um tiroteio argumentos de parte a parte, era inevitável os mais conciliadores proporem algo como "cada um é um" (sic) ou "tudo depende da pessoa", "pode não dar certo para uns, pode dar certo para outros".

No fundo, as pessoas estão fazendo uso, mesmo que de forma implícita, do tal principio da "individualidade biológica".

Em resumo, tal principio diz que cada organismo reage de forma diferente ao mesmo estimulo, gerando adaptações especificas. Cada indivíduo é único.

Musculação é bom para alguns. Musculação não faz diferença para outros.

"Tudo depende da pessoa"...

Pois é, tudo bem...

Se cada individuo é irredutível a uma unidade maior, como podemos dizer se algo faz bem ou se faz mal?

E como todo mundo se acha uma árvore única, uma obra divina diferente da outra ao lado, se questiona muito o uso de estatísticas, já que essa se presta a fazer generalizações.

Porque estatística não é a visão da Árvore. Estatística é a visão da Floresta. É a visão da população como um todo.

Tem gente que não acredita em Floresta.

Só que você só faz vacinas pensando na Floresta.

E pelo que tenho noticia, as vacinas funcionam muito bem...

Mas em contextos diferentes, as pessoas podem utilizar a lógica oposta.

Exemplo?

Um dia um amigo meu, fumante convicto, me veio com essa "Meu tio fumou desde dos 14 anos e viveu 90 anos".

Ué, o que ele está dizendo? Fumar faz mal? Resposta: depende da pessoa.

Eu, você e o mundo sabemos que o cancer de pulmão está relacionado ao tabagismo.

Mas estatística é baseada em correlações e probabilidades. Não é destino.

Só que duvido muito que você vá usar da tal "individualidade biológica" para argüir o meu amigo, não é? :-))))

Pela mesma razão que se advoga que "cada um é um", poderíamos dizer "sim, você está certo - tem gente que fuma e se dá mal, tem gente que fuma e não acontece nada".

Mas tenho certeza que você vai usar a visão da floresta. Vai dizer que "X% dos que fumam tem X% a mais de chance de terem essa doença".

Nesse sentido, acho o seguinte: nós talvez não tenhamos ainda uma resposta definitiva ou convincente para afirmar categoricamente se musculação é ou não benéfica para a performance de triatletas.

Só que argumentar que "cada um é um" não é uma resposta. É apenas uma afirmação genérica.

Não tenho dúvidas que utilizada em um contexto correto a idéia de "individualidade biológica" pode trazer enormes avanços sobre o conhecimento da fisiologia humana.

Não estou sugerindo jogar essa idéia no lixo. Não é isso...

Mas no esporte, pelo amor de Deus, é para poucos a tal "individualidade biológica". Em hipótese, é para atletas que rompem paradigmas e fazem técnicos e cientistas voltarem aos laboratórios: Lance Armstrong, Pelé, Michael Phelps, Serguei Bubka, Usain Bolt, Ricardo Prado e tantos outros...

Esses sim, são arvores monumentais.

Nós, por outro lado, somos muito parecidos no que toca a nossa "mediocridade" biológica.

Aliás, ainda bem que é assim...