segunda-feira, 11 de março de 2013

O Andar do Bêbado

Em um número especial da Inside Triathlon há uma matéria bem interessante sobre o perfil dos técnicos que alcançam certo destaque no cenário mundial. Entre eles, certamente o mais conhecido é Brett Sutton.

O que distinguiria Brett além de uma refinada intuição é a sua nem tanto refinada psicologia aplicada, que submete seus atletas a níveis de pressão inimagináveis e uma pesada tirania de comando pouco afeita ao diálogo.

Isso provalemnte pode induzir a idéia de que técnicos "durões"são mais efetivos ao desafiarem constantemente seus atletas a romperem os limites - técnicos disciplinadores moldam um comportamento que parece construir vencedores.

Ao ler os trechos que Chrissie Welligton dedica ao seu ex-técnico na sua autobiogafia, você talvez venha a se convencer que o seu ponto fraco é justamente a falta de um sujeito para lhe dar tamancadas quando você fica de mimimi nos treinos mais pesados assim como o Brett fazia com ela.

Entretanto, fazendo uso de algumas técnicas estatísticas, seria fácil demonstrar que o desempenho dos atletas não tem relação com o fato dos técnicos serem disciplinadores ou mais flexíveis.

Deixa eu tentar explicar o motivo.

Quando você se submete a um período de treinamento há uma evolução que faz parte do desenvolvimento das suas habilidades. Embora você evolua dentro de uma certa regularidade, esse progresso não é linear.

É fácil entender porque vivemos isso no nosso cotidiano: há dias bons, dias não tão bons, dias ruins, menos ruins e, é importante notar isso, dias piores que os dias realmente ruins e melhores que os dias realmente bons.

Os dias excepecionalmente bons ou muito ruins podem ser explicados por uma questão aleatória qualquer (clima, descanso, alimentação, disposição, companhia etc).

Se o seu coach é um sujeito atento, certamente haverá um elogio por esse dia.

Entretanto, como há um elemento ocasional nesse seu  excelente dia, o cáspita é que você tenderá a voltar a "média" nos treinos seguintes - ou seja, você vai "piorar".

Quando um evento excepcional (um dia ótimo de treino) ocorre e depois é seguido de outro regular (um treino não tão brilhante), chamamos isso de "regressão a média" - que nada mais é que você voltando para a sua curva normal de evolução.

O mesmo acontece quando você tem um desempenho ruim em um dia qualquer.

No período subseqüente, seu rendimento será superior porque você simplesmente voltará a ao seu padrão normal - que apesar de estar longe em relação ao ponto de pico, ainda assim é melhor que seu treino que não rendeu.

Mas a sua percepção é de que houve uma melhora porque seu técnico veio com um esculacho daqueles, você se encheu de brios, foi lá e mostrou para ele.

Como as relações de causa e efeito são bastante simples, intuitivas e fazem sentido no mundo que exergamos (ou queremos enxergar),  certamente você dará créditos aos gritos ou os elogios do seu técnico mesmo que eles, na prática, não façam diferença alguma.

Simplesmente porque as coisas iriam acontecer tal como aconteceram com pito ou não.

Embora isso seja uma verdade aparentemente comum em vários tipos de esportes, do futebol ao vôlei, a fama de técnicos disciplinadores é maior do que se justificaria olhando seus resultados - embora sua experiência diária sempre vá dar um jeito de lembrar que um deles "ganhou tudo",  você não recorda os que eram igualmente disciplinadores e não ganharam nada.

E porque é assim? Por conta de um processo de funcionamento do cérebro chamado "viés de disponibilidade".

Por exemplo: você não tem a sensação que você sempre, sempre, sempre pega a fila que menos anda no supermercado, no semáforo ou no pedágio?

Pensa bem aqui comigo....

Se houver 12 caixas no supermercado, a probabilidade de você pegar a mais demorada é de 1/12. Com esse parâmetro (e alguns outros) seria possível mostrar que estatísticamente seria impossível você pegar a fila mais lenta todas as vezes que vai fazer compras - mas você encanou que entre a sua pessoa e as filas existe uma questão de destino.

Não, eu entendo perfeitamente!

Isso acontece porque seu cérebro acessa com maior velocidade as informações sobre os dias em que você ficou mais tempo na fila e isso ocorreu porque, provavelmente, houve incomodo emocional.

 Mas ele não retém para pesquisa rápida as oportunidades em que você entrou e saiu dela rapidamente.

Todas essas coisas vêem da leitura de um livro bastante instigante chamado  "O Andar do Bêbado: como o acaso determina a nossa vida" de Leonard Mlodinow.

O objetivo do livro é abrir uma discussão sobre como estabelecemos relações indevidas de causa e efeito de forma a dar sentido as coisas que não entendemos perfeitamente ou simplesmente porque gostamos de acreditar que podemos ordenar o mundo conforme nossa vontade.

O que o livro nos mostra é que a despeito da nossa intransigência em aceitar que as circunstâncias fortuítas tenham um papel importante na nossa trajetória de vida, entendê-las poderia nos dar um ângulo diferente não apenas para interpretá-la, como também para lidar melhor com elas.

É o que se passa nesse trecho do filme "O curioso caso de Benjamin Button"





O você já deve estar se perguntando antes de parar de ler o que vem depois "E que raios isso tem a ver com um Blog de Triathlon"?

Bem, para ser sincero ainda não descobri também....

Como estava querendo falar do livro e só tenho esse blog, estou quebrando a cabeça para encaixar as coisas de forma a passar alguma coisa importante para dar serventia a esse post que comecei e não sei por onde terminar.

Vamos ver se voltando ao livro eu consigo alguma coisa....

Bem, por quê esse título?

O andar do bêbado é uma metáfora de como forças aqui e ali nos empurram para um lado e, depois, sutilmente para outro de forma imprevisível.

E cada pequena mudança, por mais sutil que possa parecer, pode nos levar a outras mudanças de rumo.

Isso se chama "teoria dos acidentes normais"e significa que  quanto mais complexo um sistema, maior a probabilidade de algo imprevisível ocorrer em maior escala. Para quem curte, é o manjado "Efeito Borboleta".

Ainda que essa idéia tenha aplicações em campos os mais diversos, tentar pensá-lo dentro das circunstâncias de um Ironman pode ser um exercício interessante.

Mas apenas uma analogia, ok?

Um dos fatores que gera ansiedade no triathlon, mas que aparece com mais profundidade no Iron, é a complexidade que tem a logística da prova.

Ela começa na arrumação de coisas em casa, passa pelo momento em que você fica rezando na beira da esteira para que a sua bike não tenha extraviado no aeroporto e vai até o momento de colocar cada coisa em seu devido lugar nas sacolas com diferentes cores da natação, bike e corrida que ficarão na área de transição.

Nesse sentido, aparentemente, parece que a prova começa dias antes, com a nítida vantagem das pessoas organizadas e que lidam bem com cada detalhe.

São aquelas pessoas que reservaram a pousada antes mesmo de saber se conseguiriam fazer a inscrição, se há cozinha, se tem talher, quantos talheres, olharam no Google Maps para saber qual a  distância da largada, quando minutos demora para chegar na Expo de carro, a pé ou de bike e se há supermercados, farmácias e restaurantes e tantas outras coisas.

Na verdade, tirando algumas exceções como a Deise Jancar, esse povo pode vir a ser uma bomba-relógio em potencial.

Porque, feliz ou infelizmente, o mundo é uma "caixinha de surpresas" que não se dobra a vontade das pessoas.

E dentro desse perfil há pessoas que não separam por ordem de importância cada detalhe e tudo é motivo para estresse - e justamente quando você tem que manter a concentração no que é realmente importante.

Deixa eu dar um exemplo.

Em 2010 fiz a Ultra Bertioga-Maresias. Um grupo de amigos se ofereceu para ir junto e combinamos nos encontrar em um restaurante as 19:30, pegar a estrada às 20:30 e chegar lá antes pouco antes das dez da noite.

As 22:30, no máximo, já estaria todo mundo dormindo.

Ninguém conhecia direito o local, mas com ajuda de um GPS o que poderia dar errado?

Mano...

Um amigo atrasou, o outro atrasou mais ainda porque ficou em dúvida se ia ou não ia; pegamos uma estrada pinhada de radares e o GPS, depois de nos dizer com a maior cara de pau de frente para um morro que "Você chegou ao seu destino", ainda nos fez dar voltas e mais voltas na estrada que praticamente não tinha retorno.

Para encurtar a conversa, fui dormir as 2:30 da madrugada para levantar as seis porque a largada era as sete da manhã.

Agora, pergunta se eu tive chilique em algum momento?

E foi tudo bem na prova e aquelas horas de sono não fizeram falta  - assim como, diga-se,  não vão fazer para você que não vai dormir bem antes do Iron.

Em 2009, na  minha primeira prova, meus óculos "pularam fora"do meu rosto na natação e a bóia se soltou - tivemos que nadar atrás dela enquanto a maldita dançava pra cá e pra lá seguindo cada vez mais mar adentro; no pedal parecia que a coroa tinha sido retorcida pelo Uri Gueller e eu não conseguia trocar as marchas; quando sai para correr, o cinto de hidratação estava tão pesado que a tira não segurava e tive que jogar algumas coisas fora para que ele ficasse na cintura.

Agora, o que eu iria fazer? Voltar para a largada e dizer "começa de novo que não valeu"????

Os muito focados tem a ilusão de controlar todos os fatores da prova - até as circunstâncias que não dependem deles.

E isso gera um estresse que suga a energia mental das pessoas porque esse controle é impossível.

E vira uma obsessão....

Quer ver?

Para arrumar as sacolas tem gente que precisa de assessoria de dez amigos e mais uma consultoria especializada para ter certeza que colocou tudo lá.

E depois chama mais alguns conhecidos para dar uma olhadinha assim, só para ter certeza.

Ai mais tarde não pega no sono porque está com aquela sensação de que esqueceu "alguma coisa".

Tal como acontece com gente quando, já na cama, rola aquela cisma se a porta tá trancada mesmo ou a está só encostada.

Mas multiplica isso por mil....

Ai a pessoa levanta, pega as sacolas de novo, joga tudo no chão e faz recontagem.

Olha, essa coisas acontecem....

Porque não você não pensa assim: eu vou nadar, eu vou pedalar e eu vou correr.

O que é que eu preciso? Beber e comer...

Simples, sabe? Mas se você monta um roteiro de coisas na sua cabeça muito complexo, a prova fica ainda mais á mercê das circunstâncias que você não domina.

Ahhh se o GPS demorar para sintonizar o satélite! Ahhh se uma caramanhola que tinha aquela dose a mais de sei lá o quê cair na estrada! Ahhhh se você fazer alguma confusão com aqueles embrulhinhos com BCAA, cafeína e capsúla de sal entre os trocentas embrulhinhos que estão na polchete do cinto de hidratação...

Obviamente, não estou dizendo para você levantar meia hora antes da prova, arrumar tudo e ir para a largada para chegar lá em cima da hora.

Estou apenas dizendo que se você transforma a prova em um evento complexo, a probabilidade de ocorrem coisas erradas é maior e o seu nervosismo também.

Mas, quer saber? Se você é assim, não é porque eu tô dizendo isso aqui que você vai mudar, não é?

Óbvio.

Só que se algo inesperado ocorrer, uma das boas qualidades que se exige de qualquer um que pretende seguir fazer provas endurance tal como o Iron é: vai lá e dá um jeito!!! ;-))))

Por último....

Por vezes, na vida as coisas fogem ao nosso controle e o acaso joga pesado demais nos transformando em derrotados ou heróis. E acreditamos que o nosso fracasso emana dos nossos defeitos assim como achamos que os nossos heróis são o que são apenas por suas qualidades.

Fazendo assim, o fardo da vida fica duro demais.

Quando estamos muito preparados temos apenas melhores probabilidades a nosso favor.

E isso não significa que o futuro tenha sido desenhado em uma prancheta, pois você pode jogar a moeda e ela cair do lado contrário.

No fundo, o que as pessoas precisam entender é que ganhar ou perder não é apenas uma questão de supremacia da condição física e emocional ou do brilhantismo intelectual de alguns sobre outros, mas um jogo na qual o imponderável está presente queira se ou não.

Nesse sentido, ao invés da acreditar na ilusão de que os sinais exteriores de sucesso traduzem o que realmente somos, seria mais sensato dar valor as qualidades internas que nos põem de pé para lidar com a incerteza, tais como a confiança, a coragem, a flexibilidade e, sobretudo, a perseverança.

Porque a tragédia não é voltar para a casa e dizer "não deu" quando você é engolido pelos acidentes de ocasião.

A tragédia é você se achar um fracassado e desistir de tudo por não entender que o único fator que realmente está sob o nosso controle é o número de vezes que nós tentamos.