quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O Internacional dos Gatos Gordos

Esse final de semana foi o Internacional de Santos.

Desde de Penha dei uma pausa nas provas e nos treinos mais específicos - sobretudo aqueles com maior intensidade, que me trazem sofrimento com dias de antecedência.

Nesse sentido, não se trata de uma brecha apenas para um descanso físico propriamente dito,  mas de uma estratégia contra o esgotamento mental considerando o meu perfil pessoal.

Para lidar com esse problema o Rodrigo redesenhou os treinos de uma forma bem interessante - basicamente ele antecipou os treinos de volume para fevereiro e "escondeu"os treinos de intensidade lá dentro pra que eu não visse....;-))))

Ao invés de dois grandes ciclos de treinamento dentro da chamada "periodização invertida"(intensidade e depois volume) típicos para as provas de longa distância como o Iron, ele construiu uma estratégia tipo "tudo junto e misturado agora".

Ou seria "agora junto tudo misturado" ou "misturado junto tudo agora"????

Bem...;-)))))

Acostumado com uma rotina um pouco diferente, minha primeira reação com a planilha nova foi um susto. Mas quando os treinos começaram minha reação física foi boa e, o mais importante, a psicológica foi melhor ainda.

Encarei essa fase com um desafio a parte.

Mas pra dar conta desse fase de treinos logo percebi que duas questões eram vitais : garantir que o meu sistema imunológico agüentasse o tranco e conseguir uma boa recuperação muscular a cada treino.

Bem, considerando esse contexto, eu não tinha grandes expectativas em relação ao Internacional para esse ano - principalmente levando em conta que tive meu melhor desempenho lá ano passado fazendo treinos específicos para uma prova com caracteristicas do triathlon olimpico.

E o Rodrigo nem programou um polimento, só descanso no sábado.

E outro detalhe importante é que o pedal seria uma incógnita - troquei de bike e não tive tempo de testá-la, já que ela ficara pronta às vésperas da prova.

Eu já vinha pensando nessa troca desde do 70.3 do Brasil ano passado.

A mudança foi uma atitude um pouco óbvia - o custo de manutenção e troca de peças de uma bike usada e barata era tal que já estava compensando comprar outra.

Só que, de cara, depois de uma fase super legal com uma bicicleta de aluminio, eu não estava tentado a comprar uma "superbike".

Mas deixa explicar direito, já que na internet triatlética a gente tem que explicar para os que gostam de superbikes o motivo que nos leva a fazer uma opção diferente; mas o contrário também é verdade, já que quando alguém compra uma bike de ponta parece que precisa justificar para Deus e o mundo porque faz isso.

Eu nunca vi um povo mais melindrado que o pessoal que faz triathlon nesse ponto.

Olha, na boa, se eu pudesse eu comprava o modelo top de cada marca!

Opâââââ.....

Problema é que mesmo que estivesse sobrando grana para comprar tudo o que eu quero, acho os preços desproporcionais demais.

Um amigo meu diz que as bikes são caras porque são feitas com "novos materiais" e outro amigo que trazem embutidas "novas tecnologias".

Sei...

Eu não fiz as contas por preguiça, mas se alguém quiser pega o preço/kilo em dólar de uma superbike e compara com a de um satélite da Nasa...

O preço/quilo da bike é mais caro.

E eu não iria me sentir bem pedalando em um satélite da Nasa, sabe?

Se o argumento for "tecnologia" para justificar o preço, então alguém poderia me dizer como uma bateria e uma caixa de troca de marchas eletrônica pode embutir mais pesquisa e desenvolvimento que o televisor da sua sala?

E também tem um dado pessoal: para quem cresceu na Vila Maria e viu os pais cheios de carnês do Mappim e das Casas Bahia para pagar se sente mal com esse tipo de luxo.

Minha pesquisa começou com o Wagner Araújo, que me deu um leque de opções baseado no que eu tinha lido no Guia de Bikes do MundoTri.

Aquele manual evitou que eu entrasse em certas roubadas e entendesse melhor que eu precisava de uma bike alta e um pouco mais curta.

 Já o Pipo, que fez o meu bike fit e tem os meus dados, me indicou o tamanho dos modelos que eu poderia comprar.

Faltava escolher qual....

A decisão final veio de uma conversa com o Max depois da leitura de um texto sobre as diferenças entre a P2 e a P3 que estava publicado no Blog dele.

Além de didático, achei o texto de uma honestidade que...sinceramente? Ali percebi que, se fosse comprar, tinha que ser com ele.

E outro fato importante é que eu não queria pensar em detalhes e teria que delegar isso a alguém que me desse respostas para perguntas que eu nem tinha capacidade de formular.

Pois diferentemente dos aficionados, discutir bikes comigo gera o mesmo interesse que os filmes iranianos dos anos 80 ou verbetes de um dicionários Klingon de expressões idiomáticas.

Eu quero é uma bike boa e...bonita.

É, tem que ser Bo-ni-táááá...siiiimmmmmm!

Ah, e "barata" :-)))))

Ai gostei do grafismo da P2 e o texto do Max foi bastante enfático sobre o custo/benefício da bike em relação a P3, sobretudo considerando o perfil das provas que eu faço.

Bom, fiz o bike fit na All Distance com o Pipo na sexta-feira ainda na dúvida se iria para o Internacional com a P2 sem ter rodado com ela.

Ele nem pensou duas vezes: "pega a bike nova e vai - já tá pronta".

Uma coisa comigo é assim: se o cara que eu confio tá confiante,  "tô-maticamente" fico confiante também.

Andei com a bike na USP bem cedinho no sábado só para me certificar se estava tudo ok.

Mas acordei cedo demais para esse treino e estava me sentindo cansado.

E sabe quando você está cansado, só que não consegue dormir? Pois é, fiquei o dia inteiro assim...

E no dia anterior tinha aquele problema na Imigrantes.

Falei com o Edú "Três-Meios" que gentilmente pegou o kit pra mim e me disse que a descida sábado foi punk.

Fui tentar dormir cedo no sábado, mas não dormia. Tentei pelo menos relaxar.

A Prova

Acho que cochilei e as quatro estava de pé.

Peguei a estrada, que estava bem tranqüila eu fui ouvindo um CD do Roy Orbison.

Nenhum motivo especial. É que a porcaria do toca-cd tá quebrado e tem cd que toca e cd que não toca...

Cheguei cedo, dei uma piscada de sono e logo outros carros chegaram no estacionamento.

O Daniel Blóis colocou o carro bem na minha frente. Desci e batemos um papinho.

Aliás, é uma festa o que eu conheço de médico-triatleta: Daniel, Chico, Beto, Antonio, Tiago...

Esses caras podiam competir em uma categoria a parte.

E é engraçado porque tem gente que eu vejo, tem gente que eu não vejo...

Mas eles eu encontro todos! É impressionante!

Se algum dia acontecer algo comigo minha mãe pode ficar tranks que não vai ser por falta de médico que eu vou desta para melhor.

Só quero ver quando eu precisar de um mesmo fora das provas...

Vamú vê se esse povo aparece!!! ;-))))

Na transição encontrei a Nilma, Deise, Caio, Douglas, conheci o Curado e o Dilson pessoalmente, vi ainda o Thiago, Kleber, Joka, Luiz e o pessoal do Riacho Grande que estava fazendo a prova.

 E teve mais gente ainda, mas deixa eu confessar aqui...

O Internacional tem um parte que é especial por conta dos amigos que ficam torcendo pela gente.

Você está lá correndo, ouve gritarem o seu nome e responde meio que virando para trás "Valeeeeuuuuuuuu", "Êba", "Ôpa", "Aêêêê"...

Só que, mano, vou falar uma verdade aqui pro cê: eu nunca sei quem é!

Não consigo advinhar um!!!!!!!

Depois as pessoas chegam e falam que te viram e coisa e tal....

"Pô, jura? Ah, lembrei! Você tava ali vendo a corrida, né? Claro que te vi...."

Tudo mentira....

E não vem que não tem que todo mundo faz a mesma coisa!

Só que só eu venho aqui e falo! ;-)))))

Bem, o mar estava sossegado para nadar, mas tinha pouca água.

Saiu todo mundo correndo a mil quando foi dada a largada, só que quando chegou no mar não dava para nadar e lá dentro a gente tinha que andar bastante porque estava muito raso.

Ai eu pergunto no nosso "minuto de reflexão"- o que adiantou aquele estouro de boiada?????

Comecei a natação com a respiração boa, uma pouco descordenada, mas os braços pareciam fracos.

Depois da primeira bóia as coisas se estabilizaram e pela primeira vez fiz alguns poucos trechos com respiração bilateral para ver como eu me sentia.

Olha, valeu!

Primeiro, porque realmente você se situa muito melhor no mar. É fato.

Depois, tem outro motivo: é possível coordenar melhor a respiração com o ritmo.

Bom, mas foram apenas em alguns trechos e fechei para 28:40.

Não gostei. Nadei 250 metros a mais por conta de uma barriga besta.

A gente treina técnica, volume, força, velocidade na piscina...

Mas no mar é outra coisa. Você pode ser o nadador mais perfeito do mundo, mas nadar torto joga tudo na lata do lixo.

Até por isso preciso continuar investindo em nadar com respiração bilateral.

Sai da água e fui para a transição. Ai outra mancada.

Como a minha bike estava no corredor a esquerda, era só eu vir correndo até encontra-lá. E marquei um loja onde estava escrito "Aluguel".

Só que cadê a bike! Óbvio, inconscientemente, minha referência era uma Fuji vermelha e preta.

E tinha alguma Fuji lá?????

Pois é...

Para piorar me deu um branco naquela afobação toda e esqueci o meu número.

Encontrei o Kleber Correa, que estava cobrindo a prova pelo MundoTri, e perguntei a ele se tinha visto a bike...

Só que ele não sabia que eu tinha trocado a dita cuja e ficou procurando a Fuji também.

Uma confusão que durou um minuto, mas que na cabeça da gente parece que são três horas...

Achei a bike e enquanto colocava o capacete que não entrava, o Kleber me zoava tirando foto com o celular!

Coisa de amigo, sabe? ;-)))))

Comecei o pedal, mas no inicio fiquei com receio de clipar. Meu coração tinha disparado com a confusão e eu não estava confiante.

Explico a falta de confiança: eu já abandonei um Internacional porque tomei um tombo naquela área mais urbanizada por conta de um rapaz que furou o bloqueio com uma bicicleta de passeio.

E eu não sou exatamente um craque da bike.

Bastava me ver tomando capote de velotrol quando eu era menino para saber que ciclismo não seria uma opção de futuro pra mim....

O Beto Nitrini me passou e disse para eu clipar! Ele estava voando e ultrapassando todo mundo sem tomar conhecimento de ninguém...

Faz diferença você não ter medo e andar bem nessas horas. E se você anda forte como ele, melhor ainda...

Mas ai entrei na Anchieta e finalmente fui para o clipe.

E ai vi que realmente, mas realmente, uma bike superior faz a diferença.

Tudo bem, a gente sempre diz que o conta no fundo são as pernas e muito treino. Verdade.

Mas tudo isso junto com um bom fit e uma bike como a P2 a coisa fica diferente.

Se um dia eu falei que bike "é tudo a mesma coisa", olha, queimei a língua.

Retiro o que eu disse...

Fiz um contra-relógio na primeira perna dentro da Anchieta. Nunca andei tanto - olhei rapidinho o velocimetro e seguia a 40 km/hora.

Mesmo com a frente mais alta e uma bike maior, nada mudou em termos de desempenho - ou mudou para melhor.

Só que na segunda perna fui alcançado por um pelotão gigante que me engoliu e acabou com o meu divertimento.

Tirei o pé para ganhar distância e reclamei com o fiscal, chinguei, bati panela, liguei para a policia, chamei o Detran, a Ecovias....

Ai deixei os caras, mais de 50 gatos gordos bem folgados, abrirem e fiquei atrás achando que a prova tinha acabado pra mim porque perdi completamente o embalo.

Agora, vem cá. Vou fazer sermão!

Eu gosto do triathlon. Eu sofro muito, mas gosto.

E acho extraordinário terminar um. Sempre!

Porque na grande maioria das vezes a primeira prova é uma meta pessoal - não se trata apenas de vencer a distância, mas executar três disciplinas dentro de uma mesma dinâmica em que você sai da água desnorteado, vai para o pedal dando conta de todos os detalhes logisticos - que vão de óculos, capacete a alimentação e ainda tem que correr com as mesmas pernas cansadas que fizeram força contra vento mais 10k.

Isso não é trivial.

Agora, tirando isso - triathlon é esporte?

Não responde automaticamente "claro que é". Pensa um pouco...

Agora, vamos aqui fazer uma analogia.

Imagine uma prova de 10k onde as pessoas não podem, mas chegam na sua frente cortando caminho. Uma maratona em que um sujeito pode fazer parte do trajeto de carro.

Você ficaria motivado a participar de um evento desse tipo?

Esporte pressupõe competição sob regras. Se as regras não são seguidas, como é que faz?

Dá para jogar xadrez se o seu oponente não segue as convenções para cada peça?

Então como é possível competir no triathlon se cada um faz o que bem entende?

Como se comparam os resultados?

Fosse isso uma vez ou outra, vá lá. Se fosse três ou quatro...tudo bem.

Mas acontece sempre e desconfio que se trata da maioria!

E, mesmo que alguém por ventura possa me dizer "Pense apenas no seu resultado e poderá ficar feliz com os avanços pessoais".

Pois é, mas quando um pelotão gigantesco te toma a frente ou você tira o pé ou se arrisca a ficar na zona de perigo - sim, porque pelotão é uma bomba-relógio.

O seu desafio pessoal mia do mesmo jeito.

E não vamos aqui tapar o sol com a peneira e inventar desculpas.

Isso não é um problema da organização, ok?

Não tem fiscal que possa dar conta de vários pelotões, cada um deles com quase uma centena de ciclistas juntos.

A gente está discutindo uma questão de atitude pessoal. 

A gente culpa os técnicos das assessorias porque não em parte eles deveriam ser agentes de conscientização.

Mas eu vi um pessoal no bolo do pelotão com uniforme da assessoria cujo técnico jamais pactuaria com essa mediocridade.

Então a coisa tá tão fora de controle que, ou bem a gente mesmo faz auto-critica do que acontece nas provas, ou bem daqui a pouco seremos vistos como praticantes de um esporte de mentirinha cheio de gato gordo depilado.

E com toda razão.

Bom...falei muito?

Putz, perdi até o fio da meada...

Fechei o pedal para 1:01, mas contando com as transições deu 1:06.

Sai para correr com as pernas leves e com os batimentos baixos. E com raiva.

Esqueci calor, esqueci cansaço, esqueci a umidade, esqueci tudo e fiz o que mais gosto no triathlon que é a corrida.

Sabe quando a corrida encaixa?

Nunca me senti tão bem e fechei para 42:54, finalizando a prova em 2:18:04.

Consegui entrar no top 10 da categoria (ano passado fui 15) e melhorei em relação ao ano passado.

Em 2010 e 2011 eu fazia o Internacional na casa dos 2:30...2:27... e pensava "nossa como é duro tirar um ou dois minutos" e ficava olhando os caras que faziam na casa dos 2:20.

Ai quando você chega nesse patamar, você vê que a escada sobe mais e nos degraus de cima tem pessoas fazendo na casa 2:15, 2:10 ou menos...

E é engraçado porque a sensação é que "todo mundo" tá fazendo esse tempo, sabe?

Que treinar e competir é uma trabalho de Sísifo. Os degraus não acabam nunca....

E parece que os degraus que foram vencidos não contam.

Não fossem os amigos.

Amigos que te cumprimentam na chegada com um abraço, deixam mensagem no FB e no Twitter ou te escrevem no dia seguintes para te dar um parabéns.

Eles te dão uma perspectiva quando a auto-critca da gente nos engole.

E é por conta dessa atitude bacana que quando coloco a cabeça no travesseiro posso sorrir e pensar:

 "Pô, 2:18. Nossa, que legal...".


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Os Vikings chegaram...

Lgo depois do Carnaval as comunidade virtuais de triathlon se agitam e começa o zum-zum-zum sobre o Ironman em Floripa.

Um passeio pelas redes mostra que quem fez a inscrição para sua primeira prova está ávido para saber de tudo -  quantas horas você treina, dorme, como se alimenta, se é melhor lagar na frente, atrás ou lado na natação, quantas caramanholas você leva, qual a marca do seu gel predileto, se venta muito ou faz frio durante o pedal, qual a calibragem do pneu, que tênis é melhor usar na maratona, baixo ou alto, se é legal ou não é legal usar o special needs ou qual o tempo ideal para terminar a prova entre outras coisas...

Não vejo mal algum quando você tem a sorte de ter pessoas de sua confiança com certa experiência dando sopa para te dar todas as dicas possíveis e imagináveis.

Mas fico com pena das pessoas que passeiam pelas redes sociais para pegar dicas com os "mais experientes" que organizam ou participam dos fóruns de triatlhon na Internet. 

Na grande maioria dos casos, as pessoas são "experientes", sim...

Experientes para aumentar o seu nível de ansiedade em uma prova que só existe na cabeça delas. 

Normalmente composto por gente que treina pouco e adora fazer um social no FB nessa época do ano, agitam o ambiente como promoters de baladas, mas são os primeiros a sumirem na prova e aparecerem no outro dia com várias desculpas do tipo "a prova táva muito difícil", "táva muito frio", "táva muito quente", "rapaz, tomei um soco na natação e quase desisti", "tive problemas com a bike", "a câmera furou sete vezes", "tomei algo que não caiu bem e fiquei indo ao banheiro", "entrou um inseto no meu olho"....

"Meu cadarço não parava amarrado...";-)))))

São pessoas que "agitam a galera" com cobranças do tipo "não quero ver ninguém andar na maratona, hein?"

Acredite em mim, você não precisa de um "desafio"dentro de uma prova que em si já é um desafio dos mais difíceis.

Eu, sinceramente, não entendo essa fixação para não andar na maratona.

Ou melhor: entendo, sim.

Quando fiz meu primeiro e segundo Irons eu não admitia andar - já que eu não iria fazer o tempo dos meus sonhos, pelo menos não andaria.

Bobagem, sabe?

Porque ninguém tá nem ai se você andou ou não andou na maratona do Iron.

Quando você passar o pórtico, não vão anunciar seu nome e dizer "Você é um Ironmam...que não andou na maratona".

Não vai ter medalha diferenciada, troféu especial, tapinhas nas costas do primeiro colocado, a Chrissie Wellington descendo de helicóptero para colocar a medalha em você e também não vai ficar famoso entre seus amigos porque foi "badass"e não andou nas subidas de Jurere.

Esse mito caiu pra mim quando fiz a Ultra Bertioga-Maresias como Solo.

O Vinicius me disse que eu teria que andar. Eu disse "Andar????".

Ele deu um tiro certeiro "Bom, se você não quer andar temos dois problemas: o primeiro é conseguir terminar a prova e, o outro, lidar com o seu ego".

As vezes a gente tem que ouvir certas coisas, sabe? :-)))))

Andar na maratona não pode ser vista como uma "fraqueza", seja porque talvez seja uma necessidade que se imponha por uma circunstância da prova, seja porque alguns técnicos as utilizam como uma estratégia  para melhorar seu desempenho.

Nesse sentido, você pode optar por caminhar quebrado porque não deu conta do seu orgulho ou, por outro lado, porque fez um planejamento para uma corrida mais eficiente.

Agora, outra coisa que me deixa pirado é inflação de frases motivacionais em tudo quanto é lugar por causa do Ironman.

Estou falando daqueles refrões incansáveis do tipo "Nunca Desista", "A dor é temporária" "Você não é derrotado quando perde. Você é derrotado quando desiste" e outras tantos do gênero...

É muita cafeína, sabe?

Parece que o Iron é um filme épico com uma horda de Vikings invadindo a praia de Jurerê Internacional aos gritos de "VAMOOOOOO LÁÁÁÁÁ...."

E todos usando bermuda de compressão e polaina.

Vikings bem estranhos esses....;-)))))

Essas frases ao montes no FB pressupõe que há preguiça demais e motivação de menos entre as pessoas.

Não é bem assim...

Muita gente faz a inscrição para o Iron e, depois, com os treinos, descobre que não era beeeemmm issooooo que ela estava pensando.

E fica difícil levar.

E, olha, problema algum se for isso.

Tem gente que divide o mundo triatlético entre fiéis e não fiéis - e ai se você chegar e dizer que Ironman não é bem sua praia numa rodinha de Vikings....;-)))

Mano, se o cara ou a mina descobriu no meio do caminho que não é isso que ele ou ela curte, não tem frase de motivação no mundo que vai fazer alguém pular da cama para rodar cinco horas de bike.

Não é falta de motivação...

E qual o problema?

Adianta ligar para a pessoa e berrar "Só os Foooortêêêêssss...."??????

Mas sabe o que eu acho? No fundo, no fundo, a pessoa que escreve coloca essas frases pra ela mesma.

Ela é que tá precisando "se motivar".

Agora, se você tá a fim e a coisa não tá rolando isso pode ser sintoma, e não causa, de outro problema.

Os treinos para o Iron devem estar inseridos na rotina de pessoas que trabalham, estudam, tem família - nunca o inverso.

Portanto, perder treinos é uma contingência associado a esses fatores e não tem relação necessária com "preguiça" ou "falta de motivação".

Quando chegar na largada em Jurerê, centenas de pessoas que estarão ali do seu lado não fizeram 100% da planilha e estão pensando o mesmo que você.

Só que ninguém conta pra ninguém o que tá rolando...!!!! ;-)))))

É legal dizer isso porque as pessoas muito disciplinadas são tão paranóicas que chegam a pensar "Meu, e agora? Aquele dia era para ter feito 160 km mas o pneu furou e só fiz 152. Putz eu devia ter dado um jeito...Tenho certeza que vão fazer falta...ai caramba!".

Sei porque falo de cadeira, viu? Sou assim também - se eu tivesse que fazer seis horas de bike e passasse pelo carro com 5:58 eu continuava em frente um minuto, voltava outro para finalizar.

Porque se chegasse em casa sem aqueles dois minutos alguma coisa iria me incomodar.

Terrível isso.

Nesse sentido, se já não bastasse a pressão que nós mesmo nos impomos, ter mais essa sobrecarga de responsabilidade porque tem gente que fica escrevendo "VAMÚ COM TUDO" é, no fundo,  uma forma de equivocada de lidar com uma obrigação impossível de ser cumprida na sua plenitude, o que consequentemente vai ser um fator gerador de estresse e insegurança totalmente desnecessária.

Se o seu planejamento não leva em consideração seu estilo de vida, o problema não é você.

É a sua planilha.

Do contrário, você vai se achar um sujeito incapaz e fracassado que não cumpriu as metas que foram traçadas para concluir a prova.

O motivo?

Porque é "fraco", "não tem disciplina", é"desmotivado", falta "aquela coisa"ou "aquela ambição..."

Parece papo de sogra, não parece? :-)))

Seria realmente ideal fazer a maior parte dos treinos. Mas se no seu primeiro encontro com esse esporte não for possível, não se puna.

Uma coisa que você vai notar é que a sua condição atlética é cumulativa, resultado de alguns anos de treinamento e reeducação alimentar e a construção de uma rotina que aos pouquinhos vai entrando na sua vida - ao final, deixa de ser uma obrigação e treinar vira um hábito.

Não vale a pena se martirizar,  pois mesmo que dê cabo da sua planilha de caba a rabo, a sua performance será limitada por fatores que você não controla.

Por quê?

A exceção dos mais talentosos, as conquistas mais importantes no Iron virão nos anos subseqüentes. No primeiro ano você terá um parâmetro; no seguinte, certamente seu desempenho será melhor porque você vai evitar os erros do primeiro. No terceiro, você começa a ver que seu corpo muda estruturalmente - seu metabolismo se altera, seu nível de gordura corporal cai muito, você olha para as suas pernas e percebe um nível de vascularização absurdo e você começa a dar "saltos"no seu desempenho...

Mas a grande mudança mesmo é quando você olha o armário e vê que tem bem mais camisa de finisher do que roupa para sair...

Quando as coisas chegarem nesse ponto, ai a coisa não tema mais volta...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Ao leitor sem medo

Uma coisa que ninguém discute é a ousadia dos triatletas para experimentarem coisas novas. De capacetes, rodas e quadros feitos com novos materiais, passando tecidos inteligentes e tênis que "nos devolvem a energia"da pisada até relógios com GPS, medidores de potência e equipamentos para bike fit em 3D,  tecnologia e inovação é com a gente mesmo.

Não importa muito se essa tranqueirada é ou não eficiente ou têm apelo estético discutível. Incorporamos no dia a dia polainas de compressão antes mesmo de ter qualquer comprovação de que funcionam e ninguém tem problemas para ir no supermercado com elas.

Mas tem assunto sobre a qual a gente literalmente  não quer saber de novidades.

Suplementos é um deles.

Você diz que toma suplementos e uma avalanche de desconfiança recai sobre os "pózinhos" e "comprimidos" que você toma antes, durante e depois dos treinos.

Em uma prova do Troféu Brasil meu primeiro técnico (antes de eu entrar para o Ironguides) me viu pronto para tomar duas cápsulas de BCAA recomendadas pela nutricionista. Avançou no meu braço, tirou os compromidos da minha mão, jogou no chão e disse, ao berros, que aquilo poderia fazer "mal para o cérebro" porque ele tinha lido vários artigos sobre o assunto e coisa e tal.

Uma vez um amigo parou na minha frente depois do treino e enquanto eu tomava alguns suplementos me disse fazendo cara de nojo, daquelas bem pesadas.

- Eu não tomo essas porcarias....

- É? E o que você come?

- Ah, bisnaguinha, sanduíche de queijo e presunto, coca-cola, bananinha e outras coisas. Mas bom mesmo é cocada-preta...(sic)

- Huuuummmmm.....

E também tem o outro lado, pessoas que se acostumaram tanto com suplementos que já inverteram a ordem das coisas.

- E ai, você faz Iron?

- Faço. Vou para o meu oitavo.

- Então, vou fazer o meu primeiro e tô na dúvida sobre um monte de coisas. Você suplementa?

- Ah, tem que ser, né camarada? Não dá para fazer uma prova dessas sem eles. E é bom para variar também...

- É? E que tipo de suplemento você usa?

- Olha, de vez em quando eu como um arroz e feijão, outras uma carne de frango....

De fato, existem boas razões para termos desconfiança sobre tudo que está escrito nos rótulos nos ditos suplementos ou em matérias pagas de revistas especializadas - pouca coisa se comprova do tanto que é prometido.

Tudo isso é verdade.

Mas isso não justifica que o nosso padrão de discussão sobre o assunto tenha um jeitão de inquisição ou argumentos que nos remetem para os anátemas da Idade Média. Até porque os benefícios dos ditos "alimentos funcionais", submetidos as rigorosos exigências cientificas, também tem sua eficácia questionável.

E cocada preta faz parte do rol de coisas que eu nem vou discutir...;-)))))

O que se vê hoje em dia são posições muito radicalizadas. Nas discordância cada lado coloca muito peso no seu argumento e se deixa levar pelo próprio exagero dos exemplos mal escolhidos - nem se acredita com tanta convição no que se está dizendo, mas a necessidade de "ganhar" a parada naquele fórum de triathlon ou no Facebook é maior que o interesse em ter bom senso.

E nesses exageros a gente acaba sinalizando para as pessoas menos experientes opções equivocadas - sobretudo considerando que tem muita gente que está ai para fazer o seu primeiro Ironman.

Há formas diferenciadas de usar os suplementos.

E em muitos casos eu sou a favor.

Em outros eu fico em dúvida.

Vamos pelo lado mais simples.

Suplementos são vistos apenas como alimentos "substitutos" ou que tem por função complementar as lacunas de uma alimentação deficiente.

Seria simples, mas no mundo triatlético nada é simples.

Por quê raios você toma whey se pode ter proteina de outros alimentos, por quê usa gel se paçoquinha do amor é a mesma coisa ou por quê gasta horrores com R4 se pode tomar achocolatado depois do treino.

E outros põe na mesa o argumento "decisivo" que na época do Dave Scott os triatletas não tinha nada disso e os caras batiam recordes em cima de recordes comendo pão com salaminho e Ki-Suco de morango!

E não tinha nada, nada, nada mais no Ki-Suco de morango, pergunto eu....

Nadinha da Silva?

Sei...

Mas voltando...

Eu sempre encasqueto para entender por quê as pessoas exigem a prova dos nove para os suplementos, mas ninguém cobra estudo com sanduíche de mortadela, bananinha caramelizada, frutas desidratadas ou bolachas de água e sal para ver se realmente essas coisas são eficazes.

Talvez seja possível fazer um Iron com coisas que você compra no supermercado.

Só que há de se entender os riscos.

Em um texto publicado no Blog do Artur, a nutricionista Mariana Gonçalves nos dá um bom rol de argumentos para usar ou não usar suplementos sem nenhum tipo de preconceito e, principalmente, livre das paranóias ideológicas sobre o assunto.

Acho ainda uma análise insuperável porque além de inteligente e ela usa de sensatez em cada palavra com um profissionalismo que eu não vejo em vários profissionais por ai.

Só vou pegar um argumento dela, mas acho que você ganha muito mais lendo o texto aqui.

Ela diz que é possível sim levar sanduíches na prova. Só que alimentos perecíveis estão sujeitos a contaminação e você pode jogar meses de dedicação no lixo por conta de uma diarréia boba só porque não toma gel ou qualquer outro tipo de carboidrato desenhado para esforço de longa duração.

A exceção de alguns que têm problemas específicos com esse tipo de produto, uma teimosia inexplicável

E, sempre lembrando o Mark Allen, alimentação em situação de estresse físico e emocional tal como uma prova de endurance muda o funcionamento do digestivo e aquele bolo de fubá que você deixou para comer  na maratona do Iron não vai cair tão bem quanto caiu quando você comeu no seu treino na USP.

Então, pelo menos acho eu, as pessoas deveriam fazer uma diferença entre o que elas consomem enquanto estilo de vida e o que elas precisam ingerir em situações especiais.

Ir para a prova levando com uma bike feita com material utilizado em satélite espacial que custa 20 paus e, pra comer uma cesta de piquenique.... não dá, sabe?

Mas se a discussão fosse só essa a gente ficava em um debate confortável.

Problema é que suplementos não são apenas para substituir ou complementar um certo tipo de alimento.

E aqui é uma área cinzenta pra mim.

Deixa eu ser mais claro.

Há suplementos que são incorporados às dieta diária, treinos e provas como recursos que proporcionam vantagens competitivas.

São recursos "ergogênicos".

- "Ergo...", repete ai, por favor?

- Er-go-gê-gonic...Espera que eu também me atrapalho para escrever.

- Já não fosse aquele "anátema" lá de cima...

- Tá difícil de ler esse texto hoje, né?

- Você nem começou o assunto e eu já tinha apelado para o Google três vezes....

- Sei lá, acho que a minha necessidade de ter uma dimensão critica sobre certas questões ou são meus problemas com os paradigmas consolidados no nível do discurso dominante....

- Pra mim isso é frescura....

- ???????

- E as piadinhas tão bem sofríveis...

- Mas...

-  Escuta, esse blog vai ou não vai?  A gente tem que treinar c$@%$#%@$#%!!!!

Bom...

Se procurar, você vai verificar que existem várias definições para "recursos ergogênicos", mas de maneira geral são agentes de natureza mecânica, nutricional ou farmacológica que tem como objetivo o aumento do desempenho atlético.

E não, não estamos falando de substâncias claramente definidas como doping (muitas vezes colocado ali no campo do recursos farmacológicos), tais  esteróides anabolizantes, anfetaminas, hormônios etc etc etc....

Essa forma de ver as coisas põe na mesa o seguinte: por quê viramos a cara para os recursos nutricionais que dão vantagens para os atletas que fazem uso desse tipo recurso e não usamos a mesma lógica para o uso de equipamentos diferenciados, como capacetes aero, rodas de carbono, etc?

Ué?

Por quê os recursos ergogênicos fisicos valem e os nutricionais, não?

"Ah, mas ai é diferente!"

É, eu sei que tem muita gente que diz "é diferente"...

E não diz nada.

Esses dias estava lendo uma matéria de nutrição da Triathlete Magazine e tinha uma análise falando sobre os beneficios do suco de beterraba como indutor para a produção de óxido nítrico, que é um vazo dilatador.

Também é um produto que está na base dos chamados "Pump" energéticos, tais como a linha de produtos em que se destaca o famigerado Jack 3D.

Ai me pergunto - ingerir um Pump não pode, mas comer beterraba, pode?

E cafeína, aminoácidos, creatina, beta-alanina, produtos naturais que aumentam os níveis de testosterona e outros tantos cujo nome me fogem no momento?

Sinceramente? Esse assunto pra mim também não é claro....

Há questões que ficam na fronteira do que é errado e do que é certo.

Mas ao invés de discutirmos essa fronteira, optamos pelo silêncio.

Ninguém fala nisso.

Por medo.

As vezes eu penso que o estrago provocado pelos casos do Lance Armstrong e do Ivan Albano não foi terrível porque colocou em suspeita o esporte de alto nível no plano profissional.

O problema mais grave é que esses casos nos colocaram todos, profissionais ou não, na defensiva.

O que mais se vê hoje em dia nos fóruns de discussão são frases do tipo "O problema do doping está cada vez mais grave entre os amadores".

Será?

Será que aqueles comprimidos que você o sujeito tomando na transição não é BCAA?

Será que não foi um produto pré-workout, como cafeína?

Será que temos uma compreensão comum do que é doping?

Vivemos hoje sob um estado de espirito policialesco -  nos policiamos e policiamos uns aos outros a sombra dessa suspeita.

E ai começamos a responder as coisas no susto, de forma mecânica e sem raciocinar direito.

Fossem as opções das pessoas dadas pela análise desses suplementos pelo que eles têm de bom ou ruim para a saúde, em primeiro lugar, e pela sua eficácia, em segundo, creio que tudo seria bem mais transparente.

Só que o medo de se expor é maior.

Eu, por exemplo, vivo apavorado - mas prefiro falar abertamente sobre o assunto.

Em um almoço aqui em São Paulo com o Wladimir Azevedo, amigo do Rio de Janeiro, comentei com ele que uma vez tomei cafeína, treinei super bem e voltei para casa achando que estava trapaceando a mim mesmo.

Passei horas na Internet lendo sobre o assunto e só fiquei mais tranqüilo depois que conversei com o Rodrigo Tosta.

Quando suas atitudes são movidas pelo desconhecimento ou pelo receio do que o seu vizinho de transição pode achar de você, isso não é ética.

É só obscurantismo e pavor sobre o que os outros vão pensar.

Por quê não tiramos a mordaça, falamos sobre isso de forma clara e encaramos as consequências de frente?

Porque nada, nada...pode ser nada mesmo!

Obs: o titulo desse post é uma alusão a um livro fenomenal a qual tomei conhecimento na faculdade, chamado "Ao leitor sem medo. Hobbes escrevendo contra o seu tempo", de Renato Janine Ribeiro. Reler o livro foi um insight para escrever esse texto.