quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Uma rampa para Ulisses

Desde de Ulisses de James Joyce,  caiu a ficha que a vida do homem moderno é de uma mediocridade incomparável na maior parte do tempo - diferente antigos, nossa vida imaginária segue um roteiro bem menos emocionante do que o enfrentamento de deuses ou seres mitológicos: trabalhar, lidar com a burocracia, levar os filhos na escola, passar no banco ou ficar tomando chá de cadeira no médico não dá lá experiências muito eletrizantes.

Para alguns, a procura de um desafio preenche esse vazio e é muito comum o esporte ter um espaço nessa busca - embora, diga-se, poucos realmente desejam aventuras com riscos.

Recentemente vi um pequeno documentário sobre uma maratona, cuja parte final é na Serra do Rio do Rastro.

Pessoas correndo em uma Serra asfaltada dão caldo para uma experiência a ser compartilhada?

Bem, depende de quem corre ou põe a carne no pastel.

Corredores subindo uma ladeira em meio a chuva e ao vento com cenas ora variando entre quadros em branco e preto, ora coloridos, e muitas pitadas de slow motion para captar as expressões de sofrimento ou dar um tom cool as passadinhas curtas e esforçadas dos "guerreiros".

O problema é que as cenas, somente elas, não preenchem infindáveis trinta minutos e o pacote precisa das histórias dos corredores.

Na fala de alguns, a Serra ganha o status de personagem e vira “Montanha”  e cada passo para o topo representa um embate, uma conquista e a celebração de uma história pessoal que carrega uma lição de vida.

Na teoria....

Porque o que sai mesmo é uma farofa filosófica de coisas que não dão liga.

Um a um, vão se enfileirando clichês sobre "conhecer os seus limites", "humildade", "superação nos treinos", "metas e objetivos" e muito blá-blá-blá com pitadas de emoção escolhidas a dedo.

Um corredor  fala do extenso currículo de maratonas, ultramaratonas e, ao se referir aos amigos que conheceu ao longo dos anos, cai no choro.

Já no pórtico de chegada, outro fica aos prantos e diz que trocou o vício da drogas pelo vício da adrenalina, da serotonina e da corrida.

Mas esse é mais engraçado.

Arremata dizendo ter participado para se divertir - tanto que, temendo quebrar se acompanhasse o ritmo dos outros, preferiu largar atrás de todos os corredores.

O vídeo foca ele, humilde de tudo, fazendo exatamente isso.

Tá com pena?

O dito cujo chegou em terceiro entre 300.

Ele diz e repete com cara de espanto "Não acredito, não acredito...não acredito".

Pois é, nem eu.

Ao fim do documentário, não é apenas o roteiro salpicado que incomoda.

Queria saber por onde andam os motivos banais.

Ou isso por acaso não faz parte da nossa natureza?

Gostaria de ouvir respostas do tipo "Tô aqui para perder a barriga", "Curti a camisa e tem que fazer a prova para pegar uma", "Moro perto e não estava fazendo nada mesmo", "Aposta com os amigos, agora agora tô me F*&%$#@".....

"Por Nada..."

"Sei lá...."

Agora, claro, isso não vem da maioria dos corredores.

Não bastasse aquela subida do capeta, ainda são fustigados com perguntas sobre o que aquela experiência representa, quais ensinamentos se tiram de tanto sacrifício, o que significa romper os limites, o que alimenta a motivação....

Eu fico olhando e....sei, não.

A gente precisa de tanta coisa assim para correr?

É muita viagem achar que uma rampa gera uma Odisséia.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ironman Fortaleza 2014

Uma coisa que vem tirando a graça dos relatos sobre as provas em Blogs é a velocidade com que as informações circulam por todos os poros das redes sociais.

Não tinham batido 24 horas e eu já tinha lido um quadro fiel e completíssimo sobre o Ironman de Fortaleza por WhatsApp - produzido, inclusive, por quem não esteve lá.

O que muda é como cada pessoa seleciona os fatos ou dá importância para os detalhes.

Por exemplo, uma curva meio encalacrada dentro do perímetro ou um carro que estava cruzado na área onde só deveria trafegar atletas foram fatos destacados com lente de aumento por algumas pessoas; para outros, valeu o que aconteceu no restante dos 180km, em que a segregação entre carros, pedestres e bikes funcionou bem e o percurso era pouco técnico a ponto de exigir qualquer destreza no pedal.

Mas isso não é normal?

É e não é.

Em provas que exigem muito física e mentalmente, os detalhes desencadeiam reações estressantes e essas ficam grifadas na nossa mente.

Isso faz parte da forma como registramos nossas experiências.

Você pega dezenas de caramanholas nos postos de hidratação, mas aquela que estava com a tampa meio aberta e espirrava água para todo lado não sai da sua mente  - e não raro esse fato leva você a qualificar todo o resto com um sensível mal humor.

Mas isso também tem explicação em um certo viés do nosso olhar, criado por promessas irrealistas.

Acho que a franquia Ironman nos mima um pouco e promete o que ela mesma não tem como garantir - uma experiência de "superação" totalmente controlada, com vaga no estacionamento, escada rolante, segurança e ar condicionado.

E a gente fica com aquela expectativa de sala VIP em aeroporto internacional.

Fio, o mundo não é assim.

No perímetro urbano não há como controlar todos os fatores que estão dentro ou no entorno desse ambiente.

Quem é mais sacudido às vezes parece que não é e se deixa levar por estresse típico de meninos de apartamento, que acreditam que uma prova de Ironman é como passeio no shopping.

Uma coisa é a organização prometer e, outra, você acreditar.

Acho que a nossa critica melhora a qualidade da prova, mas vai uma distância grande entre questões mais estruturais e detalhes que ganham uma dimensão fora do comum.

Mas reconheço que esse exercício de distanciamento não é trivial.

Vou ou não vou?

É de conhecimento geral que entre o números de inscritos e o de concluintes, houve algumas centenas de desistências.

E eu quase engrossei essa estatística.

Faltando duas semanas para a largada tive uma virose que me jogou na cama por três dias. Não bastasse isso, inexplicavelmente, senti uma pequena contratatura na musculatura das panturrilhas descendo a escada que me deixou praticamente sem nenhuma atividade durante o polimento.

Apenas na última semana fiz rolo durante 45 minutos e nadei 1.500 metros - mas não conseguia religar meu corpo e me sentia exausto na maior parte do tempo.

E, como de costume, ainda sentia a tensão pré-prova, que para mim é coisa séria - eu fico realmente mal até a hora da largada.

Uma situação de estresse totalmente desproporcional.

Inconscientemente, parece que você vai, literalmente, em direção a uma batalha de vida ou morte. A solução passaria por um diálogo interno de auto-convencimento em que se vai desanuviando a seriedade da coisa toda.

Mas quem disse que eu sou bom nesses tais "diálogos internos"?

Acho mais fácil falar sobre o assunto em blog ou no site do MundoTri do que colocar as coisas em prática na minha própria vida.

Reconheço que aplicar conceitos abstratos para falar da experiência dos outros é moleza.

Bem, tudo se resolveria de uma forma bastante confortável simplesmente desistindo - o que me tiraria um peso gigantesco das costas.

Ai fala daqui como Kleber Corrêa, falando dali com o Edú "Três Meios", acabei decidindo me esforçar mais e não abandonar um projeto para a qual eu tinha feito um esforço danado nos treinos.

Procurei o André Pinto, amigo, fisioterapeuta e triatleta da BR, que abriu duas sessões na agenda dele na semana da viagem - acupuntura, massagem e bandagem me deixaram confiante de que não me faltaria condição física para fazer a prova.

No dia da partida, estava eu no aeroporto rumo à Fortaleza.

Cadê a Expo?

Devidamente instalado, a primeira providência era procurar a Expo para a montagem das bikes e compra de algumas coisas para a prova.

Ai toca para o Marina.

Sabe quando você entra em um prédio esperando encontrar um apartamento de três quartos, suite, sala de estar, sala de som, salão de jogos e uma varanda enorme com churrasqueira?

Mas o que tem mesmo é sala, quarto e cozinha - e o banheiro é externo?

Eu me senti mais ou menos dessa forma quando cheguei na Expo - tanto que fiquei rodando um pouco para me certificar de que estava no lugar certo.

Havia apenas uma oficina na principal loja do evento e bem esprimida em poucos metros quadrados.

Dada a demanda, obviamente já não havia gel, cilindros de CO2 e muita gente que compraria suplementos na feira teve que se virar fora dela. Outras coisas tinham um preço exorbitante, como caramanholas sendo vendidas por coisa de 70 reais.

Há aqueles que encaram a Expo como um pequeno templo de consumo caro e desnecessário, um alçapão para vendedores oportunistas e um interminável desfiles de egos ou aqueles tipos que enchem a pança com suplementos.

Só que isso isso é preconceito, viu?

A Expo é a primeira infra-estrutura da prova e das mais importantes, sobretudo em provas que tem caráter internacional.

Não sei qual aritmética comercial a Latin Sports faz para negociar espaço, mas se a conta não fecha entre a organização, lojistas e prestadores de serviços, ao cabo de tudo prejudicados serão os atletas.

Outra coisa são nossas referência simbólicas, pois às vezes nos falta certa sensibilidade para nos colocarmos no lugar do outro.

Não fosse assim, o que explicaria a escolha de uma jaqueta preta, impermeável e com forro, vendida como peça de Finisher?

Como perguntou Camila, de Maceió,  "de que serve essa jaqueta aqui no Nordeste?"

Também não sei.

O Ironman de Fortaleza merece mais.

A Prova

Natação


"Somente os peixes mortos vão a favor da corrente"

Você só precisa ler sobre um relato para entender o que foi a natação - e não importa se ele for feito pela elite ou por amadores.

Foi um samba de uma nota só pra todo mundo.

Acostumados com o padrão de natação em lagos, como Pirassununga ou Brasília, ou praia tranquilas ("Praia Mansa" em Caiobá ou mesmo Jurerê), encarar a natação de Fortaleza é uma dificuldade que valoriza muito o resultado da prova.

O inicio foi dentro d'agua e relativamente confuso, pois vários atletas foram entrando na água e avançando em relação as bóias na direção do pessoal que estava nos stand-up paddle.

Só que do alto-falante, veio o pedido para que recuássemos e, quando muitos faziam isso, a largada foi dada.

Foi até relativamente bom, porque aumentou a dispersão dos atletas e nadamos sem aquele UFC costumeiro.

Quando saímos da áreas da pequena baia, a natação se tornou realmente desafiadora em razão das marolas.

E ai de você se achava que era possível nadar com aquela técnica bonita, deslizando o corpo naquele mar. Nunca foi tão evidente para mim a necessidade de braçadas continuas, sem deslize e um baita esforço para alinhar o corpo quando a força lateral das ondas me jogava para o lado.

É um tipo de natação totalmente diferente. Não foram poucas as vezes que achei que estava dando braçadas no vácuo.

Como respiro para a direita e a correnteza era lateral, nem preciso dizer que a questão não era se iria ou não iria engolir água, mas a quantidade de goladas incrivelmente salgadas que ia colocar para dentro.

Nos primeiros 1.700 metros da ida a sinalização era relativamente boa e em nenhum momento perdi de vista as bóias ou a escuna que demarcava o primeiro retorno. Sentia também que nadava no meio dos outros triatletas com um desempenho parecido com o meu. Fiz os 2.300 metros em 43 minutos.

Só que, amigo, na volta....

Todo mundo sabia que o retorno seria mais duro e um amigo de Fortaleza já tinha me indicado que nadaríamos contra o sol. Mas eu não tinha idéia do tamanho do enrosco!

Imagine algo como um aquelas cenas de filmes policiais em que o sujeito está em um quarto escuro, meio desnorteado e, do nada, alguém puxa o capuz, joga uma luz diretamente nos seus olhos e grita "Porra, agora nada 1.600 metros....".

Desse jeito.

Sem conseguir me situar, de um segundo para outro, me vi completamente sozinho. Não sei explicar em que momento perdi a conexão com todo mundo que nadava no meu entorno ou mais a frente.

A idéia de que você se perdeu no mar é cruel do ponto de vista psicológico, pois a sensação é a de que está fazendo uma bobagem monumental e não sabe qual.

E não havia ninguém que servisse de ponto de referência - não havia nada!!!

Vez em quando eu conseguia ver um braço distante saindo da água e tentava seguir aquela braçada.

Mas as marolas não deixavam e o mar parecia uma bandeja de prata refletindo o sol.

Tomei muita bifa das ondas na cabeça, principalmente no ouvido esquerdo e meu nariz começou a arder - coisa que só posso explicar pela salinidade. A camisa também pegou o meu pescoço e senti o corte a cada braçada.

Foi nesse momento que eu pensei que tinha que sair daquela situação.  Quando passei pela praia onde tinhamos treinado nos dias anteriores me situei, pois sabia que logo em seguida viria o hotel do Marina.

Quando vi o pessoal sentado nas pranchas entendi que eles não conseguiriam ficar de pé para servir como referência - mas pelo menos tinha eu, finalmente, uma referência dentro da água.

Nadei quase trezentos metros a mais e meu retorno levou 54 minutos para ser feito.

O tempo da natação foi o pior que já fiz na vida: 1:40.

Depois, conferindo as imagens do GPS, vi que não tinha errado tanto.

Na verdade, fui mais lento do que torto.

E, nesse sentido, não posso dar muitas desculpas, pois mesmo tendo em vista todos os problemas, outros atletas com a mesma história (ou piores), conseguiram sair da água bem antes de mim.

Achei demais todo mundo fora da zona de conforto naquele mar desafiador - e, pelo menos na minha opinião, as pessoas se saíram muito melhor do que elas julgam, ainda que houvesse um comprometimento do tempo ou mesmo do resultado final.

Ficar feliz com 1:40, não fiquei.  Por outro lado, foi o meu melhor na prova inteira, porque eu recuperei o controle para sair de uma situação em que poucas vezes me vi em provas de Ironman.

Ter comprado a briga com aquele mar me deu uma estranha satisfação.

Bike

Para quem for fazer o IM de Fortaleza no próximo ano, vale programar um treino de reconhecimento do percurso e testar os ajustes da bike - porque na área no entorno da Expo não tem espaço.

Poucos lugares são como Florianópolis, dada a disponibilidade de estradas e vias sem trânsito em Jurerê.

Fui para prova na base da fé mesmo - mas, fazendo jus ao trabalho do pessoal da Expo, estava tudo redondinho.

Um pouco cansado pela natação difícil, sai para pedalar e tracejei a orla de forma bastante cuidadosa até conseguir sair dos trechos mais estreitos do perímetro urbano - que, aliás, antes que alguém reclame, em nada difere do que se vê, por exemplo, no 70.3 de Miami.

Apesar de tudo que foi falado sobre o vento e o calor, o pedal foi duro, mas não impraticável.

O problema de se pedalar ora com vento contra, ora a favor, é administrar a alternância de ritmo.

Outra questão, que se coloca é lidar com a forte possibilidade de desidratação.

A alternância de ritmo eu já havia treinado bastante, porque o Rodrigo tinha programado treinos dessa forma e, na Ciclovia do Pinheiros, o vento dificulta e facilita.

Fui bastante conservador e resisti a tentação de fazer força contra o vento.

De certa forma estava presente na minha mente a quebra no final da primeira perna do IM de Florianópolis e seria uma estupidez sem tamanho querer compensar o tempo ruim da natação com um pedal forte.

No quesito hidratação, achei que seria bom, tal como na corrida, pegar algo em todos os postos. Mas faltou água em alguns deles e, em outros, estavam enchendo as caramanholas com a água de gelo derretido.

Pra mim, o pior erro da organização.

Como não aconteceu de forma generalizada, foi possível contornar essa situação.

Tive um outro problema que foi uma dor nos pés. Eu esticava as pontas, doía; comprimia, doía; pedalava de pé, doía; sentado, doía.

Se não fizesse nada, doía.

Parei por dois ou três minutos e percebi que bastava desclipar para a situação melhorar bastante e fui fazendo isso em alguns momentos.

Depois de muito vai e vem, sobe e desce, vai pra cá, vai para lá e direita e esquerda no restinho de pedal que faltava, cheguei na transição me sentindo bem e satisfeito por 5:57.

A Corrida

Uma das piores experiências que tenho em provas de triathlon, acho que inigualável, é dar conta dos primeiro quilômetro da maratona de um Ironman.

O desconforto físico e pensar em correr 42k, que se traduz, no meu caso, entre quatro e cinco horas, pode ser mentalmente devastador.

É daqueles momentos em que você pensa que é realmente muita coisa para se dar conta em apenas um dia.

Mas treinamos para isso e aos poucos vamos encontrando um ritmo.

Simplificando bastante, existem duas categorias de atletas na maratona de um Ironman: aqueles que conseguem correr e aqueles que seguem.

Isso não significa que a ordem de chegada  privilegie um ou outro, já que o riscos são diretamente proporcionais ao esforço e cada pessoas assume os seus; mas é bonito ver a moçada fazendo o tracejado da maratona correndo forte.

Eu sou do grupo que vai tocando e as coisas foram relativamente bem até o 10 quilômetro, quando comecei a sentir dores e fui obrigado a andar alguns minutos - tinha planejado caminhar apenas nos postos de hidratação, mas "planejamento" em provas de Ironman é para poucos.

Outra coisa difícil de administrar foi beber e sair correndo com o estômago cheio - e quando começava a melhorar, repetia o mesmo ritual já no posto adiante. No meu caso, correr com uma sensação de sede infinita e desconforto da ingestão de líquidos é uma das coisas mais difíceis em um Ironman.

Estava quente, mas a sombra que os prédios projetavam na orla e o vento aliviaram bastante o temido calor - longe, portanto, da necessidade de se molhar o tênis em razão da temperatura do asfalto, como foi comentado em certos círculos antes da prova.

Do ponto de vista do desempenho, a marcação do pace de nada significava, já que variava muito o tempo que passávamos em cada posto de hidratação e, além disso, eu já tinha abandonado qualquer pretensão e só queria fechar aquela prova duríssima.

Minha última volta foi um esforço mental difícil. A tentação de andar foi gigantesca e não há receita pronta para evitá-la. Fora o incentivo dos amigos para não entregar os pontos, eu andava no posto de hidratação e, recurso super manjado, marcava um ponto no chão a partir de onde voltaria a correr.

Funcionou na maioria das vezes.

A noite já entrará e era possível ver as luzes dos navios enquanto corríamos no belíssimo Pier da Praia de Iracema pela última vez.

Fechei a maratona para 4:40 e a prova em 12:29.

Para quem tiver interesse, seguem os dados do Garmin aqui.



Train Low Race High

Em termos de suplementação, levei nas caramanholas água com SUUM, tomava duas cápsulas de sal a cada hora e gatorade dos postos de hidratação, mais esporadicamente.

E apenas um gel durante o Iron todo.

Não tive problemas com o estômago ou falta de energia.

Mas também não senti que isso melhorou ou atrapalhou meu desempenho.

Apenas na semana em que fiquei doente e na posterior, mudei um pouco a rotina da dieta Low-Carb porque tive receio que uma restrição muito forte pudesse ter implicações negativas para me curar virose e sair daquela letargia que parecia crônica.

Reintroduzi frutas e mel com panquecas aqui em São Paulo. Já em Fortaleza, saíram esses alimentos e entrou batata doce.

Abri mão dos almoços e jantares carregados de massas nos dias que antecederam ao evento. No dia da prova, optei apenas por um pequeno pedaço de bolo de cenoura no café da manhã.

E não senti falta de mais nada.

Isso significa abandonar totalmente dos carboidratos em favor das gorduras?

Não se abre mão dos carboidratos sob risco se expor ao chamado "bonking", isto é,  uma depleção fatal que se traduz em uma quebra feia. Além dos mais, há benefícios no consumo de carbos para uma recuperação mais acelerada e a preservação da musculatura afetada durante o exercício.

Há ainda os que defendem chamada abordagem "Train Low Race High".

Tal como corredores que fazem treinos em grande altitude para se adaptarem a restrição de oxigênio e depois competirem ao nível do mar, essa estratégia nutricional indica que atletas adaptados que têm usualmente baixa ingestão de carboidratos poderão fazer uso vantajoso desse recurso nos dias de competição, quando então são fartamente oferecidos.

De qualquer maneira, as dietas cetogênicas diminuem significativamente a dependência de carboidratos. Caso sejam comprovados, há ganhos que poderiam ser significativos, sobretudo no caso de triatletas que apresentam problemas de digestão em situações de esforço e estresse.

Concluindo

Opinião pessoal, acho que o IM Fortaleza foi prejudicado por um alarmismo típico de rede social bastante desproporcional ao que de fato aconteceu na prova.

Um marketing meio que pelas avessas que levou dezenas de pessoas a não fazerem a inscrição ou desistissem mesmo depois de terem feito.

Sobre isso, que me desculpem, mas não vi em Fortaleza mais vento, calor e umidade do que presenciei no IM do Texas. Alguém é capaz de associar o que aconteceu lá com o que foi visto no Campeonato Mundial de 70.3 em Las Vegas em 2012? O primeiro (e, se não me engano, primeiro e último) Ironman na China?

Desde de logo, não estava fácil, mas exagerou-se na dose.

Sem a mínima pretensão de ser imparcial, achei o IM de Fortaleza uma das provas mais incríveis que já fiz.

Isso não significa que ela tenha sido perfeita, porque isso não existe em lugar nenhum do mundo.

Significa que com ela reencontramos a credibilidade, pois a ampla maioria dos triatletas que estavam lá resolveram bancar seu resultado pedalando com a cara no vento.

Significa que ela nos devolveu o gosto pelo desafio, o respeito pela distância e embalou um bonito sentimento de conquista pessoal.

Significa que o Brasil é grande e precisamos todos nos conhecermos melhor. Meu sonho é um pouco o que vi nos EUA, em que você vai para a prova e se depara com uma paisagem repleta de pessoas usando camisas de eventos realizados em todo o pais.

Confesso que no dia seis de novembro segui para o meu sétimo Ironman cheio de dúvidas.

E no dia nove a única certeza é que eu não queria estar em outro lugar.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Devagar também é pressa


Quando você vai acumulando provas de Ironman na sua vida, dificilmente projeta um resultado que não seja um tempo menor ou um lugar melhor na categoria.

Quase ninguém cogita apenas terminar mais um. Parece que uma vez que deixamos para trás nosso batismo de fogo e nos mostramos capazes de dar conta da distância, nosso objetivo dai para frente é seguir subindo uma escada.

Porque, de certa forma, avaliamos que uma vez que tiramos o brevê do primeiro Ironman, estamos aptos para qualquer outro.

Podemos incrementar uma coisa aqui, outra ali para dar conta da especificidade de uma prova, mas de maneira geral, pode mandar que a gente mata a bola no peito e põe na rede sem deixar ela cair.

A partir da minha segunda participação no IM do Texas, essa visão de boleiro ficou totalmente zicada.

Para muitos que estão melhorando sua performance ao longo do tempo, pode ser frustrante, mas há certas provas que nos jogam para um nível de dificuldade que pensávamos ter superado a muito tempo.

No fundo, todos nós temos a tendência de super estimarmos nossas potencialidades e sermos mais otimistas do que a realidade permite - a única diferença é que existem pessoas discretas e outras com facebook. ;-)

E, entre os mais calejados, isso pode ser ainda mais acentuado, pois a experiência de várias provas e o acúmulo de anos de treinos nos dão ainda mais confiança.

Consequentemente, não vemos as cascas de banana que se espalham pelo caminho de uma prova complexa, tal como será o Ironman Fortaleza.

E eu não sei muito bem como tirá-las da frente, pois no meu caso a dita "experiência" parece um catálogo de erros em que sempre cabe mais um.

Mas o que é mais evidente para mim é que qualquer coisa que possa lhe dar minutos de desempenho carrega em si a possibilidade de tirar horas do seu resultado final.

Por exemplo,  é preciso muita conta para saber quantos minutos um capacete aero pode economizar no cômputo geral, mas nem precisa pensar muito para saber o tamanho do rombo que ele vai deixar na sua prova se ele não te ajudar a regular a temperatura do corpo. 

Outra coisa é o ritmo. Para a maioria, a prova será muito lenta e sofrida, sendo que será necessário se conformar com um pace próximo ou mesmo acima de 6:30 min/Km.

Pode parecer pouco, mas uma cadência de corrida mais lenta e constante traz resultado melhor do que fazer a prova com ritmo de voo de galinha, com longos períodos andando e tentativas frustradas de retomar a corrida.

Quando as condições do clima são muito duras, a melhor estratégia é fazer a prova de forma muito contida, programar paradas bem pensadas e tentar minimizar os efeitos negativos do calor.

Nesse sentido, seu desempenho será tanto melhor quanto menor forem as pausas por quebra ao longo do dia.

E seja qual for o resultado, não se puna.

Existem certas coisas para as quais não existe preparação. Em 2013 no IM do Texas a sensação térmica  de 42 ºC bateu forte na maratona e tirou a possibilidade de centenas de triatletas, treinados ou não, terem sua chance na corrida.

Não havia sequer Plano B.

Tudo que tinhamos era uma multidão nos empurrando com um incansável "keep going".

É difícil aceitar. Passada a prova, muitos ainda ficarão se torturando, pensando no que fizeram de errado, mas na verdade não havia nada de errado porque nada poderia ser feito.

Caso você consiga moderar seus impulsos, adequar seu esforço em meio a expectativas realistas e aceitar o que o melhor possível também é medida de desempenho, certamente já terá dado um passo gigantesco para ter sucesso na prova.

Boa sorte a todos!!!!