Nos intervalos da minha cisma rabugenta com as coisas pouco úteis das redes sociais, algumas experiências me fazem pensar que as vezes a bobeada é minha.
Algumas coisas não explodem em cores vivas ou palavras bonitas, mas podem guardar tesouros, tais como os despretenciosos detalhes da foto de uma amiga, professora universitária, e sua turma de faculdade.
A despeito da visão romântica sobre os "professores", eu não compartilho do princípio de que se trata uma profissão diferenciada, tal com os cansativos bordões do feicêbuque que elevam esses profissionais a categoria de santos, deuses ou coisa parecida.
Como aprendi na prática, "dar aulas" é coisa completamente diferente de "ensinar" e existem muitos por ai que estão na carreira docente sem a mínima vocação para isso. Frequentam as salas de aula porque não acharam nada melhor para fazer na vida, enquanto outros (e são muitos) se tornam cúmplices de uma indústria de atestados médicos que opera da mesma forma que o crime organizado.
Portanto, não tenho paciência com aquela sabedoria empacotada de supermercado do tipo "o único profissional que não precisa se curvar na frente do imperador do Japão...blá-blá-blá" .
Aliás, só em uma sociedade deseducada um texto desse circula tanto, já que essa informação não tem fundamento algum.
Por outro lado, há um tipo de gente muito especial, como aquelas que
conseguiram ascender socialmente e, ao invés de continuar com a sua vidas em profissões em que poderiam ganhar mais, se voltam e estendem a
mão para que outras pessoas também possam fazer essa escalada. Não se
preocupam com o anonimato porque têm consciência de uma missão de vida
e são capazes de tirar uma extraordinária felicidade dessa entrega.
E essas pessoas são portadoras de algo que muitos almejam, mas poucos podem ter.
Um dia, em uma reunião de trabalho, um antigo professor da Unicamp me
dizia quando puxamos uma conversa de lado na hora do café, "Você sabe porque os
milionários investem em ONGs, Fundações e projetos sociais? Porque não há
dinheiro no mundo que impeça o que eles mais temem: serem esquecidos."
Minha amiga não precisa ter medo ser esquecida.
Alinhados
com ela 47 pessoas que faziam parte da turma de administração que se
formariam dois anos mais tarde. Todos egressos de um programa de bolsas
para o ensino superior, na qual prestavam serviços de monitoramento em
escolas pública como contrapartida do financiamento para os estudos.
Ao
acaso das baixas probalidades estatísticas que dizem que os mais pobres
tem poucas chances de alcançar a faculdade, muitos ali frequentaram o curso noturno para serem os
primeiros de gerações familiares inteiras a terem um diploma universitário. E o que eles conquistarão aumentará a chance de uma vida melhor para seus filhos e para os filhos dos seus filhos.
Mas não são aulas fáceis, principalmente para salas grandes que
aglomeram entre 40 e 60 alunos exaustos física e mentalmente. Não há turmas homogêneas e muitos não mostram comprometimento espontâneo.
Você pode achar uma inversão de valores, já que se pressupõe que o interesse em aprender é dos alunos.
Mas quem está lá na frente sabe que isso faz parte do trabalho.
Trabalhar em sala de aula não implica apenas em didatismo e domínio do conteúdo, mas uma
enérgica aplicação de esforço físico.
Os professores reagem
inconscientemente a leitura dos sinais que tiram dos rostos cansados e
se viram como podem - são teatrais, dramáticos, um pouco palhaços, um
pouco sérios e circulam intensamente dançando entre as
carteiras.
E você não tem idéia da força necessária levantar uma classe de estudantes.
Um
dos memoráveis capítulos do repassado, E.R. James Woods interpreta um
exagerado professor de bioquímica em uma faculdade de medicina.
Sua
aula é uma demonstração do que significa o entralaçamento da mente e
do corpo na arte de ensinar. Ele se impõe por um rico repertório de
gestos para mostrar as complexas amarras conceituais que nos permitem
entender como interagem as moléculas fundamentais que sustentam a vida.
Ele mostra paixão.
Até que a personagem de Maura Tierney, a Abby Lockhart, lhe procura para cancelar a matricula do curso e desistir.
Alguém experiente que está de costas para o quadro negro entende que há mais coisas em jogo do que a nota final.
Pergunta ele....
"Você gosta de triatlon?"
Ops, ato falho... ; -)
"Você gosta de esportes? Patinação? Dançar? Todo mundo gosta de dançar"
Ele a rodopia com um charme desinteressado, ao mesmo tempo que lhe mostra a diferença entre decorar as coisas e pensar conceitualmente.
Mas não dá certo. Ela é muito prática e pessoas práticas se impacientam com metáforas.
Ele lhe faz uma proposta. Ele chega mais cedo na faculdade e ela pode procurá-lo.
Em três semanas, garante... ou, melhor "aposta ele", ela estará pronta para passar no exame.
"Ten Bucks"
Ela não se dá por vencida
"Gostaria de
ter a sua confiança" ela diz.
Ele, "Eu tenho. Não desista".
E complementa....
"Não fosse só isso, vou lhe ensinar a lutar".
É a lição que ela lhe recorda quando ele está em uma cadeira de rodas disposto desisitir da vida.
Essa cena é inesquecível.
Ela fala sobre a importância das pontes de confiança. As vezes temos a sorte de encontrar pessoas com o dom da coragem recíproca, aquelas que, tal como no verso da poetisa Hannah Kahn, são capazes de dizer "me dê a sua mão que eu caminharei na luz da sua fé em mim".
2 comentários:
Foda !!
Bravo!
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