Fazer uma prova fora do Brasil é complicado. Não bastasse todo o trabalho que dá uma viagem internacional em termos de custos e logística, imagina fazer um Iron.
Pois é. Então por quê?
Vou dizer o motivo e alguns (ou muitos) podem achar que é realmente uma questão pueril.
O IM do Brasil em 2011, por tudo que aconteceu, foi tão especial que eu não queria estragar essa recordação com uma imagem de uma prova frustrante em 2012.
E essa prova foi especial porque em 2011 foi o fechamento de um ciclo.
Um ciclo que começou quando ouvi falar de triathlon pela primeira vez quando o Edú "PDF" Carvalho fazia aula de spinning com a gente, passando pelo momento em que conheci o Beto pedalando na Bandeirantes e ele me falou dessa coisa chamada "Ironman".
E contou ainda que o tempo do Iron mais rápido que ele já fez tinha sido 11:24.
Bom, pensei que se um dia eu fizesse um Ironman, eu gostaria de fazer esse tempo.
Simples assim.
Tudo bem, mas no primeiro Iron não se pensa no tempo. Não é o momento pra isso (teoricamente não é o momento pra isso :-))
Antes da prova em 2009 o Vinicius sentou comigo e com o Ronaldo Aguilar, ambos estreiantes e disse "Vocês estão vendo os caras ali na outra mesa?"
Na outra mesa estavam o Topan, o Léo Guimarães e o Bruno Goes.
Ai emendou "Eles sim tem que ficar ansiosos, porque eles tem planos e não podem errar. Já para vocês a questão é apenas completar a prova. Não tenho qualquer expectativa de desempenho em relação aos dois".
Ou seja, a grande estratégia para estreiantes em Ironman em cada modalidade, é:
Natação: In-Out
Ciclismo: In-Out
Corrida: In-Out
Ah, espera tem as transições! Ai é diferente.
T1 - Innnnnnnnn- Ooooouttttttt....
T2 - Innnnnnnnn- Ooooouttttttt....
Mas não há como escaparmos das nossas expectativas, não é?
Todo mundo diz que no primeiro iron a questão é terminar - e todo mundo que vai fazer a sua estréia diz "Hã-hã".
Isso é supernatural (rs).
Mas ai a prova acontece e as coisas são colocadas no seu devido lugar.
Quando levantei os olhos e vi 12:43 no pórtico de chegada pensei "Como alguém consegue fazer isso, 11:24????"
E, olha, como eu tinha treinado! Nunca me dediquei tanto a qualquer outra coisa na minha vida.
Ao ver aquele tempo, a distância entre a expectativa e o resultado real me deu um choque de realidade brutal.
Para ir além, eu escrevi que teria que me transformar em outra pessoa.
Não "outra pessoa" em termos de personalidade. Acho uma bobagem, mas uma bobagem daquelas dizer Ironman transforma o seu caráter.
O que faz as pessoas serem o que são é a forma como tomam decisões frente as adversidades, os valores que trazem da família, a cultura nas quais estão inseridas e como interagem com as pessoas e instituições, como a escola, a igreja entre outras.
O Ironman é apenas uma prova de esforço físico e mental. Achar que esse esforço forma caráter vem da mesma arvore de pensamento que vê no esforço físico não apenas um castigo, mas uma estratégia para redenção da alma.
Fosse isso verdade o Ironman podia virar programa daquele para recuperaçao social de presidiários.
Verdade, ué!!!! :-)
Eu fico com sono cada vez que leio que essa coisa de que colocar no currículo que o sujeito fez um Ironman pode dar emprego para alguém.
"Ser outra pessoa", tal como eu pensava, era no aspecto físico e atlético. E hoje mais do que nunca estou convencido que isso é verdade...
Bom, em 2010 foi o segundo Iron. Uma prova em que a natação foi muito favorável em razão da correnteza e corrigi a maioria dos erros do ano anterior.
E mesmo com um ano a mais de treinamento e quase uma hora melhor que 2011, cheguei a 11:48.
Claro que muito feliz, mas pensando que tinha dado tudo, tudo, tudo de mim. Tirar mais que isso para alcançar 11:24? Que jeito?
E 11:00 então?
Em 2011, mudei de coach dentro da mesma assessoria e passei a treinar como o Rodrigo Tosta, que começou a trabalhar sobre a base que o Vinicius tinha me dado.
Fiz uma prova em Caiobá que me deixou com um "será?" em relação ao IM de 2011. Mesmo com uma camara furada, ainda assim fiz quase 30 minutos a menos do meu melhor tempo lá.
Só que pouco depois tive uma lombalgia que me deixou afastado dos treinos por duas semanas, justamente no período mais critico dos treinos, que são os longos.
Além do mais, a lombar é um ponto critico para quem quer pedalar 180k.
Mas com a acunpuntura da Silvia e muita paciência e tato do Rodrigo, veio uma prova abaixo de 11 horas.
E de fato tinha me transformado em "outra pessoa". Quando comecei o triathlon tinha 95 quilos, mas quando cruzei o pórtico do IM 2011 em 10:51 estava om 80, além de uma configuração física totalmente diferente.
Estava tão esquálido e tão mais feio que o meu cachorro olhava pra mim e parecia ficar em dúvida se eu era o dono ou o irmão dele.
Móle, não....:-((((
Mas mal tinha terminado a prova, ainda tomando soro, uma voz gritava dentro da minha cabeça
"Não dá. Não dá. Não dá....e não dá. Chega!"
Pra mim, naquele momento algo tinha se encerrado. Eu queria um tempo e estava lá o tempo que eu queria.
Então por quê continuar? Onde eu iria encontrar motivação?
Mas seria "motivaçao" a palavra?
E como é engraçado isso! O Ironman é vendido com muito marketing, muita pompa e prestigio, mas ao mesmo tempo não deixa de ser uma prova dura como poucas são.
Só que "motivação" não funciona. Quando você está no seu melhor momento, achando que está no pace do Craig Alexander ou fazendo "aquela" prova de recuperação no melhor estilo Chrissie Wellington em Kona 2011, de repente você se vê andando quebrado entre os postos de hidratação olhando para chão.
E cadê aquela musiquinha do Youtube? Cadê aquele "Tú-tú-tú-tú..."????? Cadê aquelas cenas em câmera lenta??? E aquelas imagens de superação?
É, tem não! ;-))))
Eu precisava de um motivo, pois "motivo"e "motivação" são coisas diferentes.
Para muita gente o motivo de se fazer tamanho esforço é uma coisa insondável.Se não for retórica, tal como aquele discurso pronto que fala em "busca de superação", "colocar-se a prova" etc etc e etc., a maioria dos amadores poderia dizer com tranqüilidade: não sei.
Porque acho que pouca gente sabe mesmo.
O meu motivo mais aparente é apenas evoluir. Se me perguntasse o porque de tanto esforço para fazer 140.6 milhas uma vez a cada ano a resposta mais lúcida, ou a melhor que eu tenho hoje, seria essa.
E eu mesmo acho pouco. Sei lá se estou preenchendo com triathlon outras coisas que me faltam na vida.
Bom, mas evoluir em que direção quando se tem a nítida impressão de que o seu corpo e tudo mais já chegou no limite?
Por isso "fugi" do IM Brasil. Porque naquele momento eu achei que "evoluir" não seria mais possível e não queria um retorno que me decepcionasse.
Discuti com o Rodrigo e ele concordou que era o momento de fazer algo fora.
A escolha do IM do Texas foi casual. O Rodrigo queria que eu fizesse o IM da Africa do Sul, mas em uma conversa com a Cintia Tobar, ela achou que as inscrições já tinham se esgotado, pois a prova tinha se realizado a pouco.
Entrei no site e achei que estava sold out. Sai procurando um outro e o primeiro que encontrei com a mesma data foi o do Texas. E as inscrições estavam abertas.
Você é impulsivo? Eu sou,viu?
Bem, depois fui descobrir que tinha me enganado em relação ao da Africa, mas pelo jeito que que foi a prova lá esse ano, confesso que não fiquei muito triste, não...(rs)
Mas sei lá se escapei da frigideira para cair no fogo. Segundo o site
RunTri "W
ith an average finish time of 13:19, Texas ranks as one of the top 5 most difficult races on RunTri's Toughest Ironman Race Index. Notably, the swim and run times are significantly higher compared to most other races".
Do ponto de vista da minha preparação para esse Iron, esse ano foi como o primeiro de todos - sofri demais.
Mentalmente foi muito duro.
A ponto de deixar a bike no rolo a semana toda porque quando chegava a noite, montar tudo era um esforço que me fazia ficar no sofá completamente desolado. Treinar nem se fala...
A ponto de antecipar o estresse do treino de quarta-feira logo na terça-feira a tarde.
A ponto de quase vomitar na borda da piscina e sair da água sem querer falar com ninguém.
A ponto de quase mandar um email para o coach e dizer que eu estava em overtraining e precisava parar.
Mas pensava "vou fazer o treino hoje, amanhã eu escrevo".
No outro dia, a mesma coisa e assim foi indo até eu conseguir fazer tudo o que foi planejado.
O tempo também ajudou e houve apenas dois longos de rolo, aqueles de cinco horas (só que depois que vi os treinos insanos do Paulo Pitton na bike de spinning isso tá mais para um "longuinho" modesto).
Em alguns momentos, a falta de carbo e o desequilíbrio hormonal era tamanho que meu mal humor quase me fez bater em um casal que parou para dar um beijinho na porta do metrô ou pedir satisfação para um cara que esbarrou de leve na minha mala na fila do restaurante.
Eu mesmo não me agüentava.
Olha, quer saber? Nunca mais brinco com essa coisa de TPM com as mulheres!
Tô fora!
Até vontade de chorar rolou. As vezes, um pouco de auto-piedade, as vezes uma sensação inexplicável de...olha, não sei explicar.
No meu último treino no Riacho, quando fiz a última curva, vi a entrada do Clube dos Borracheiros e que percebi que tudo tinha terminado, chorei um pouco por dentro.
Mas vamos deixar esse papo emotivo, vamos? :-)
Bem, esse ano também incorporei algumas coisas para tentar evitar as lesões do ano passado, como um pouco de musculação estática e funcional nas manhãs de terças e quintas. Fiz muita prancha também.
Certamente, não foi o suficiente para ganhar performance, mas minhas dores lombares foram para o espaço.
Ir na academia também tinha um elemento mental - eu precisava de algo que fosse minimamente recreativo e me desse um pouco de sanidade (rs). Fazer algo fácil, conversar com as pessoas, fazer um pouco de cera. Coisa de gente normal, enfim....:-)
Também passei a fazer uso do Trigger Point Performance, que utilizava para fazer auto-massagem nos finais de semana. Gostei demais!
Acredito que tudo isso tenha funcionado, dado que tive cansaço, mas nenhum tipo de lesão ou qualquer dor muscular.
Na alimentação, mudei algumas coisas. Reduzi muito a quantidade de carbo, aumentei a de gordura boa (amêndoa sem sal e castanha do Pará) e mantive a quantidade de proteína (basicamente soja) e muito farelo (linhaça, aveia, quinua e amaranto) e introduzi a Chia (sensacional). Continuei com Glutamina, BCCA, AminoFor, Termoplus, Muscle Milk e passei a fazer uso de outros suplementos, como Omega 3, ZMA e Dolomita e enzima Coenzima Q10. Chá Verde (argh!) e Chá de Hibiscos.
É, moçada. É muita coisa. Eu sei - não pensem que isso passa em branco (inclusive porque dói no bolso).
O resultado foi uma mudança forte. Meu peso caiu para 79,5 kg (um quilo mais leve que o ano passado) e estou com 9,5% de gordura corporal - patamar que eu jamais pensei em atingir, já que o nível mais baixo que já atingi foi 12,5%.
Mesmo com essa queda do índice de gordura corporal, meu sistema imunológico segurou as pontas e não tive problemas na pele, resfriado ou gripe.
Obviamente, não planejei nada disso porque não tenho capacidade de estabelecer esse tipo de meta. As coisas foram, assim, acontecendo.
E agora vou pra o IM do Texas. Uma prova que não conheço, mas sobre a qual vi e li tudo que podia.
Minhas expectativas? Fisicamente estou bem, mentalmente not so much.
A queda em no Long Distance de Caiobá tirou um pouco da minha confiança e fiquei com um pouco de estresse pós-traumático. Não me sinto totalmente a vontade em cima da bike.
E também fico pensando se as coisas vão se encaixar depois de um período de treino tão duro. As vezes me vejo exposto a alguma bobagem ou acidente...
Sabe corrida de fórmula quando o cara é o poli position do primeiro ao último treino e, pumbá, bate na primeira curva e abandona?
É assim...
Só que pior, pois diferentemente da Fórmula 1, não tem outra corrida duas semanas depois...
E também estou meio perdido em questões "existenciais".
As vezes, fico em dúvida se tenho em mim algo para dizer que sempre vou fazer Iron ou mesmo se sou suficientemente forte mentalmente para prosseguir.
Suficientemente forte para dar conta das minhas próprias expectativas.
Até hoje, cada prova feita era motivo para uma outra e por todas elas passava um fio invisível que carregava uma meta, um objetivo ou um sonho...
Mas em 2011 esse ciclo se fechou.
Minha dúvida é se vou ter condições e força para abrir um outro.
Acho que a minha resposta começara ser respondida na prova que me espera no Texas.
Até lá!