Talvez você nunca tenha ouvido falar de Neil Pasricha, sujeito que não tem muito jeito para falar em público e não faz parte da trupe de coachs de autojuda, gurus empresariais, neurocientistas, psicológos ou economistas comportamentais que se tornaram palestristas ultra carismáticos que dão as caras na Internet todo dia.
Criado no Canadá e filho de imigrantes, depois de uma trajetória como a de qualquer pessoa e um período de grande felicidade, sua vida mergulhava no cadafalso de um dia escuro que não parecia ter fim.
Em um breve lapso de tempo perdeu a esposa em um divórcio que ele não desejava e seu melhor amigo desapareceu da sua vida em razão de uma depressão fatal. Fora isso, foi apanhado no contrapé da crise econômica que viria a tomar os EUA nos anos seguintes.
Educados que somos em uma bolha de consumo superficial e vazia, quando a vida joga um tsunami no nosso colo a desorientação é tamanha que não acertamos o passo na rua.
Mas Neil Pasricha teve uma idéia simples e despretensiosa para lidar com um período de dificuldades.
Ao invés de ficar fazendo força para ter assunto no whatsapp ou descarregar no Instagram aquela "foto sensacional" do inseto que posou no parabrisa, ele percebeu que poderia compartilhar experiências sobre pequenas alegrias pela Internet, muitas delas que aprendera a valorizar a partir do olhar dos seus pais quando esses, muito pobres, se viram acolhidos em uma sociedade afluente.
Criou um blog sobre as coisas que nos deixam felizes quando não estamos pensando em ser felizes.
Chama-se 1000 Awesome Things.
Nosso dia a dia é um tecido de tarefas e pequenos hábitos, como fazer a barba, ir na padaria, levar os filhos na escola, ficar no trânsito, marcar consulta no dentista, trabalhar, ir para a faculdade, passar no mercado, levar a bike na oficina, corrigir provas, colocar gasolina no carro, preencher documentos, pagar as contas, ir em reuniões escolares, escrever emails...
Enquanto isso, aguardamos por algo extraordinário na vida e depositamos todas as nossas fichas em desejos pelas quais estamos separados pelo tempo.
Esse desejo se chama "esperança".
No afã dos grandes sonhos, trocamos o quinhão raro da vida no presente pelo que nos aguarda no futuro - e, na esperança de viver, não vivemos.
Obviamente, bem sei eu, não podemos abrir mão das nossas expectativas, de olhar para frente e mirar algo que seja fonte de crescimento e autorealização.
O problema é quando esquecemos todo o resto.
E "todo o resto" é justamente a nossa vida.
E, como diz o sujeito do video abaixo, "a pessoa que não pode viver significativamente hoje, não pode levar uma vida brilhante amanhã."
Assim, não se trata de se abdicar uma coisa pela outra, mas de "esperarmos" um pouco menos e abraçamos o presente um pouco mais.
Com contribuições milhares de pessoas, Neil Pasricha descortinou uma janela para um lado da vida onde não parecia ter nada para olhar.
Coisas que nos deixam felizes sem esforço e espera, como achar o lado mais frio do travesseiro para dormir, passar o dedo no copo de vitamina, raspar o tacho de creme na panela que foi usada para fazer o recheio do bolo, ganhar uns brigadeiros porque teve aniversário e sua tia não esqueceu de você, encontrar um pedaço de torta de banana esquecido na geladeira...
Dirigir na cidade vazia, ir passando uma longa fila de semáforos que vão se abrindo sem você colocar o pé no freio, sintonizar uma música que te faz esquecer o trânsito, ouvir rock nas alturas e espancar o ar como se fosse o baterista, evitar um congestionamento ou chegar em casa dois segundos antes do temporal desabar...
Ver o sol nascer no selim da bike, fazer uma descida em curva perfeita, começar a correr de madrugada, encontrar a raia que você gosta de nadar vazia, sentar em uma sombra no final do treino, ir para a academia tarde da noite e, do nada, aparecer aquela gata para ficar na esteira do seu lado ou ver que sobrou o tênis que a gente queria no estoque da loja e o danado ainda tá com desconto...
Fazer um amigo rir e de susto espirrar refrigerante pelo nariz, girar com a sobrinha no colo para ver quem fica mais tonto (digo, já: sou imbatível) e certas esquisitices que talvez não compartilhe com ninguém, tal como ficar perto da panela para sentir o vapor do leite esquentando o rosto ou caminhar pelas ruas a noite com o chão molhado depois da chuva...
Não fossem apenas momentos em que parece que nada nos falta, a natureza dos pequenos prazeres também fala alto sobre quem somos, de onde viemos e o que precisamos para viver.
Minha lista é um exemplo do apego de uma criança que não desistiu de mim. Ela anda comigo em pleno meio-dia, se surpreende quando vê algo novo, não chega perto de roda-gigante e sorri quando lhe dou alguma coisa que não pôde ter quando antes só existia ela.
Em troca, não me pede esperança e nem me cobra pelo futuro - apenas que a gente não perca a espontaneidade por medo ou vergonha de sermos nós mesmos.
Feliz 2014...
Um comentário:
Genial Bessa, como sempre!
Que 2014 seja um ano de muitos presentes pra ti ;**
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