terça-feira, 7 de abril de 2015

70.3 de Brasília

Ano após ano, não é muito novidade uma prova longa antes do Ironman.

Mas esse foi diferente.

Primeiro, porque "estamos sob nova direção" e optei pelo Sergio Borges como novo técnico. A escolha foi coerente com a minha história com o Ironguides, já que ele é da mesma escola e tem alguns valores que eu gostaria de manter.

De outro lado, gosto da perspectiva que o Sergio agrega no que tange ao trabalho fora das três modalidades do triathlon e que me parecem importantes a cada momento que fico mais velho: mobilidade, força, integridade e alongamento.

Essa adaptação tem sido difícil. Tive que incorporar mudanças de hábitos e passei várias semanas pagando o preço pela musculatura fraca e desequilibrada com recorrentes dores pelo corpo. Uma leve seção de fortalecimento ou funcional pela manhã me impedia de treinar a noite ou no dia seguinte.

Em segundo lugar, depois de cinco anos consecutivos troquei o Longo de Caiobá pelo 70.3 de Brasília.

Ano passado Caiobá era uma prova melhor por conta do calendário, já que ficava um pouco mais distante do IM de Florianópolis e, em tese, era uma prova menos dura (em tese).

E sou fã de Caiobá. Fã.

Mas vou dizer: também gostei de Brasília, viu?

A corrida é desafiadora, o Lago Paranoá é perfeito para nadar e o pedal tem as referências urbanísticas da cidade no trajeto.

A sensação é de que você está pedalando dentro de um cartão postal.

Alimentação

Cheguei em Brasília pesado, mas sem a sensação de que estava acima do peso.

Não costumo subir na balança, mas dois dias depois da prova eu estava com quase 88 quilos - quatro a mais do que o IM de Fortaleza, em novembro passado.

Em nada mudou a alimentação nesse período e estou quebrando a cabeça para entender o ganho de massa muscular nessa proporção.

Acredito que a maior ingestão de proteína e os treinos um pouco mais carregados em intensidade e força explicam alguma coisa, mas vamos ver se o mesmo peso se mantém na etapa final de preparação para o IM de Florianópolis.

Meu ritual para essa prova foi idêntico ao Challenge no que tange aos dias que antecederam a prova, isto é, apenas açai  e um pouco de batata doce na véspera.

Já na prova, na ponta do lápis foi assim: um gel, alguns goles de bebida esportiva fornecida pela organização nos postos de abastecimento no pedal (que continua a ser repassada em garrafas fechadas) e dois outros goles de refrigerante na corrida.

A Prova

Lendo alguns relatos e lembrando dos toques do Daniel Blóis, eu já esperava uma certa pancadaria no início da natação.

Não entra na minha cabeça porque o Ironman não implementa, assim como fez o Challenge em Florianópolis, a saída por ondas.

O Lago Paranoá é perfeito em extensão e largura, mas não tem como esperar mais de mil pessoas se dirigindo para uma mesma bóia sem se esbofetearem - pelo menos se forem triatletas.

Tenho convicção de que, tirando-se encontrões e braçadas involuntárias, 90% dos contatos que ocorrem na água poderiam ser evitados.

O problema poderia minimizado, se:

As pessoas não nadassem com a cabeça enfiada na água cruzando a frente de todos várias vezes; não parassem no meio do turbilhão perto da bóia e, ao sair, dessem aquele coice típico de nado de peito; não estacionassem a cada 50 metros para ver se localizam a bóia.

Eu entendo a angústia de se perder, mas você já viu algum peixe parando no meio de um cardume para ficar procurando o caminho?

O inicio da natação de um triathlon é assim.

Tal como a experiência de pegar metrô ou trem em horário de pico, a multidão na plataforma te leva para dentro vagão.

Caso não esteja na esteira de outro nadador e se sinta inseguro no meio daquele povo todo, marque alguém que está nadando ao seu lado a alguns metros de distância.

Caso os dois comecem a se aproximar, ou ele ou você estão se desalinhando. Se for você, olhe para frente para se reposicionar um pouco.

A partir do retorno, quando aumenta a dispersão, ai sim é necessário ter mais cuidado porque arrisca-se entrar em um grupo que errou a rota - e isso realmente pode acontecer.

Na natação, por motivos que desconheço, meu braço direito derreteu antes de alcançar a primeira bóia. Mesmo considerando que a água estava "mais pesada", não era para ter acontecido isso, já que estou treinando muito com palmar.

Completei a natação com 38 minutos e sai cansado para a transição - que por sua vez durou mais do que eu queria.

Porque também cometi um erro bobo.

Deixa eu te falar sem medo de ser sexista - quando a prova tiver Wet Strippers, aquelas pessoas que te ajudam a tirar a roupa da borracha, vai em cima dos manos e foge das minas.

Foge.

Ah, mas e se for uma gata?

Foge.

Se for a Dani Bolina

Foge.

E se for a Giovanna Ewbank

Ai você pára e pensa....

A menina que ia tirar a minha ficou preocupada com o cara que ela tinha ajudado porque o sujeito começou a ter cãibras. Tudo bem que foram apenas alguns segundos, mas sabe quando você faz uma chamada pelo celular e já coloca no ouvido, só que ele ainda tá fazendo a discagem?

Parece uma eternidade.

Quando se voltou para mim, aconteceu o que eu já esperava: ela não tinha força para puxar a calça e nem jeito.

Mas a culpa foi minha.

Eu ainda não cortei a calça pouco acima do tendão, o que deixa as coisas bem difíceis. Ai é necessário enfiar o dedo e puxar pelo calcanhar.

Com a molecada você nem precisa explicar: os caras te dão um sarrafo, você cai no chão e nem percebe quando a roupa está na mão deles....

O Pedal e a "Inevitabilidade" dos Pelotões

A natação azedou a minha prova. E não foi pelo tempo perdido na água.

O fato é que fiquei com medo continuar sofrendo em cima do selim.

Na estratégia de prova, o Sergio tinha me pedido ritmo progressivo. Então decidi ir tateando o percurso aos poucos porque não me senti na obrigação de ir com tudo.

Fechei com o tempo de 2:43, mas seria possível ser coisa de dez minutos mais rápido se eu tivesse me arriscado mais.

Mesmo assim, ficaria bem abaixo dos caras da frente - muitos dos quais se embrenharam em pelotões.

Em Penha, para usar um "titês fatalista", a desculpa era a inevitabilidade da falta de espaço.

E agora? Alguém vai me dizer que faltou espaço naquelas vias gigantes de Brasília?

Tirei os tempos de alguns enfiados em pelotões ou fazendo jogo de duplas em fotos que não são minhas (e, portanto, não posso disponibilizar) - a  maioria pedalou na casa dos 2:20.

Triathlon é um esporte estranho. Você imagina os organizadores da Maratona de São Paulo contratando fiscais para punir corredores que cortam caminho?

A Latin coloca fiscais cujo custo está embutido no preço da inscrição e diz que a responsabilidade é dos atletas.

Algo como se você contratasse juiz e bandeirinha, mas dissesse que a palavra final é dos jogadores que cometem falta.

O 70.3 Brasília virou campeonato Latino-Americano e não pega bem a malemolência com o assunto.

Até o momento a Latin mas não distribuiu lista ou qualquer estatística sobre punições.

E, para minha angústia,  não tem panelaço sobre o assunto.

Outro dado é eu estava louco para ver a potência, mas na hora o Garmin mandou a seguinte mensagem: "erro 102" e travou. Tive que fazer o percurso de Bike como se estivesse na T2.

Quando cheguei em casa o monitor apontou uma atualização critica do software.

Tudo bem.

Já passei por isso antes e três voltas nos dão referências mais que suficientes para trabalhar com a percepção.

Mas, pô, atualização justo no dia da prova?

A Corrida

Sair correndo depois do pedal não é um problema - ou não tem sido nas últimas provas.

Acho que é tanto treino de transição que tem uma hora que é tudo um troço só e não sei mais se estou nadando, pedalando, correndo....

Você parte da transição em sentido contrário a saída para o pedal e dá de cara com uma ladeira que vai inclinando, inclinando, inclinando...

Depois você desce e, óbvio, tudo que você desceu sobe de novo até entrar em um parque (eu acho que era parque) cheio de falsos planos.

E se faz isso três vezes.

Foi um bom teste. Estou fazendo treinos em subidas a fim de correr com o tronco relaxado e usar o core, a musculatura do posterior e do glúteo.

Apesar da vontade de desistir quando se olha aquelas malditas placas que marcam a quilometragem da segunda e terceira voltas e a gente está ainda na primeira, consegui  ir em frente e correr forte nos últimos 3K.

Deu para fazer 1:55, mas se não tivesse entrado uma chuva leve, sei não....

Fechei a prova para 5:24.

Quem tiver interesse nos dados, os dados são esses:

https://connect.garmin.com/modern/activity/738413809

Em resumo....

Não são poucas às vezes que um 70.3 dá o que pensar.

Para alguns, trata-se da primeira vez em que se arrisca na conquista da distância, enquanto para outros o que está em jogo é uma vaga do mundial - e para poucos são as duas coisas ao mesmo tempo.

Para quem está perto do Ironman, trata-se de um pré-teste para acertar a alimentação, o pace ou mesmo detalhes do bike-fit.

Tudo isso, claro, na teoria.

Porque lá dentro ninguém quer saber quem quer o quê ou quem é quem e todo mundo faz força do começo ao fim.

Mas, pelo menos no meu caso, bom ou mal desempenho nessa etapa não têm qualquer relação com o resultado posterior do Ironman.

Só que sempre sou assombrado pelo medo de sofrer.

Entenda-se por isso o receio de quebrar muito cedo e fazer o restante da prova penando para dar braçadas, empurrar o pedal ou continuar correndo.

E em Brasília isso rolou - ter saído da água do jeito que eu sai me empapuçou da prova quando ela estava apenas no inicio.

E no Ironman as distâncias, que já são cavalares, parecem duplicadas quando a mente se esforça por perseverar e não consegue.

Não é a primeira vez que falo sobre isso - e acho que nem será a última.

Porque a gente convive com um paradoxo: não há dúvida que, ceterius paribus e tudo nos conforme, podemos dar conta da distância em velocidade de cruzeiro - e ao mesmo tempo isso não basta.

Não doeu? Então dava para ter sido mais rápido ou ido mais longe.

O limiar entre a dor que é medida do empenho máximo e a dor que te faz desistir é o aprendizado mais difícil de ser alcançado pra mim.

E eu ainda não me sinto nem perto de chegar lá.


Um comentário:

Emerson disse...

Fala aí Bessa!
Legal esse teu blog.
Duas coisas sobre a prova:
1. Essa história de ter gente ajudando a tirar a roupa de borracha é só no Brasil mesmo. Aqui na Austrália não tem essa! Aqui seguem as regras da ITU. Roupa de borracha até a cintura e em um 70.3, só pode tirar a roupa do lado da bike. Nem em Ironman pode tirar a roupa ante da tenda de troca. Eu fiz o Ironman Brasil 5 vezes e mais 7 aqui e tenho certeza que consigo tirar a roupa melhor sem ajuda de ninguém. Latin Sports mal acostumou os atletas que se forem para o exterior vão passar dificuldade.Pelo menos por aqui na Oceania.
2.Largadas por ondas resolveria o problema do congestionamento na natação. Novamente, de todos 70.3 que fiz aqui, larguei por categoria.

Abraço!