sábado, 14 de março de 2015

Precisamos de profissionais?

No momento em que a WTC suprime a disputa entre profissionais em algumas etapas do Ironman e organizadores americanos cancelam prêmios para a categoria na distância olímpica, a Triathlon Magazine Canadá levanta a seguinte lebre Do Wee Need Pro Athletes?.

Bem, se lá fora a questão para os pro não tem resposta pronta, aqui as pessoas engatam o câmbio automático e trocam de marcha sem pensar.

Em uma dessas discussões em fóruns sobre a demora em que algumas provas sofriam para completar a lista de inscrição, não foram poucos os que levantaram que o fato tinha explicação na presença de poucos profissionais.

Será?

Não conheço ninguém que deixou de reclamar do preço da inscrição olhando para a elite que estaria no evento; acho raro alguém comprar acessórios ou equipamentos simplesmente porque viu um pró usando; não tenho amigos que procuraram um profissional porque "aquele" ou "aquela" pro frequenta o consultório.

E quantas vezes os pro dão entrevistas falando que a prova "foi maravilhosa" quando atletas amadores relatam casos de atropelamento?

De onde vem essa alienação em relação a evento como um todo?

Talvez por isso, a aceitação de uma pessoa da elite está muito mais associada a forma como ela interage socialmente do que por ser atleta que disputa os prêmios nas provas oficiais.

Mas faz falta uma maior interação?

Faz.

Um dia uma amiga, nova e muito talentosa, estava em falando da angústia de escolher um quadro - pensei imediatamente que ela poderia falar com uma profissional que sempre está presente nas redes e coisa e tal.

Só que ai me dei conta que esses canais são construídos pelo convívio e ela não tinha ainda o seu círculo de amizade no triathlon.

Ou seja, os atletas de elite são vistos como pessoas acessíveis apenas para quem dá sorte de frequentar esses circuitos ou pertencer a certas panelas.

Não é a toa que as vezes a pessoa se arrisca escrever para a Chrissie Wellington do que para algum brasileiro que largou na elite no IM de Florianópolis.

E vou dizer: os gringos respondem.

É provável que muitos sejam pessoas tímidas. Outros, preferem um grupo de discussão mais reservado e há ainda aqueles dispõem de pouco tempo para terem uma interação mais frequente por serem donos de assessorias e atletas competitivos ao mesmo tempo.

Mas a competência de se comunicar é importante para alguém que almeja a construção de uma imagem.

E se comunicar não é só uma questão de empatia natural - isso se aprende.

O risco é as pessoas lerem mais blogs como o meu por não encontrarem relatos de prós contando a experiência que só eles possuem.

Pior: há o risco da elite perder a importância.

E isso de alguma forma já acontece - pelo menos do ponto de vista econômico.

Um dos argumentos que contariam a favor de uma elite seria a exposição que esses proporcionam para as empresas de material esportivo.

Mas o roda já girou e as empresas já arrumaram formas de aparecer sem meter a mão no bolso.

Não que sejam lá grande coisa. Vender equipamentos a preço de custo e dar pares de tênis avulsos como cota de patrocínio é como se você fosse professor e ganhasse giz como salário.

As empresas usam a raspa do tacho dos produtos de prateleira e distribuem entre os amadores - cedem produtos como a tênis, uniforme, suplemento, capacetes e um mundo de coisas com cara de amostra grátis que nada, nada....não é nada mesmo.

E a Internet é um prato cheio para isso e várias pessoas perceberam essa oportunidade  - e, vale dizer, alguns conseguem fazer coisas com muita competência.

Já tomei aula dada por amadores em porta de loja sobre estratégia de marketing nas redes que não tem nada de "amadora". Fazem relatórios com estatísticas de "likes" contabilizadas diariamente para certos grupos de apoiadores, o que lhes franqueiam suplementos ou mensalidades gratuitas em academias.

Já outros são da categoria "amador celebridade" que vive, basicamente, de tietagem.

É o caso típico daquela figura do Instagram cujo número fotos e de seguidoras é inversamente proporcional ao número de provas realizadas e tem uma linha de comentários que se resume a coisas do tipo "Sua linda!".

Um dia, uma amiga vendo as manifestações sobre politica na Internet olhou para mim e disse "Você viu quantos jovens? As Paquitas cresceram....""

Cresceram e algumas delas foram fazer triatlhon.

Preenchem a Internet com alguns flashs da sua rotina de treinos,  como fotos de toquinha no vestiário da academia, selfies no elevador com hastgs #nãodesistadoseusonho e caretas estranhas em cima do rolo ou de frente para o espelho.

A princípio, tirando o inchaço do merchandise de rede social, esses dois tipos não fazem mal a ninguém.

Só que também não trazem benefício nenhum.

Caso você precise ver uma foto para se motivar a correr no Ibirapuera, vá lá.

Mas se tem a necessidade de discutir se compra um medidor de potência ou um quadro específico, não é ali que você vai achar informação sobre o assunto.

Outra questão que emparelha os profissionais contra o muro é que os amadores têm mudado o foco do pódio para a valorização dos novos estilos de vida.

Em razão da falência das entidades em coibirem o vácuo e o doping, muitos triatletas estão desembarcando do "sonho de Kona" e elegendo novas referências.

Hoje veganos estão mais interessados em triatletas veganos do que o primeiro colocado no Ironman ou os cinco classificados para o campeonato mundial da faixa-etária. Outros ficam de olho em atletas diabéticos ou que apresentam intolerância ao glúten porque se identificam com esses grupos.

Ao cuidarem melhor de si, esses atletas estão descobrindo um novo padrão de alimentação e construindo uma nova cultura do bem-estar, com benefícios generalizados para todos, mesmo para aqueles que não apresentam qualquer tipo de deficiência.

Por tratar-se de um movimento recente, a interação é mais intensa e muito bacana, pois o entusiasmo leva ao desejo por mais mais interlocução. Além de estarem interessados nos treinos, sugerem livros, discutem textos e indicam sites especializados.

No exterior essa tendência já é nítida entre triatletas e ultramaratonistas, seguidos por milhares de pessoas e patrocinados por uma indústria de pequenos empreendimentos com foco em produtos e serviços para esse segmento.

No Brasil vale citar a percepção e o esforço pioneiro do projeto "Triathlon sem Glúten", do Wladimir Azevedo.

Diferentemente de triatletas que falam sobre nutrição para fazer propaganda disfarçada de produtos e lojas de suplementos, o Wlad explora de forma transparente um nicho com uma mensagem clara - ser celíaco não significa que sua vida acabou e está ele ai, um Ironman, para mostrar isso.

São essas pessoas que levam mais gente ao esporte, que catalisam a empatia de um público mais amplo e contribuem para o crescimento do triathlon.

Ao que surge, não tenho resposta para a pergunta do título do texto - mas sei que há coisas novas por ai e a gente precisa estar atento para se reinventar.




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