domingo, 7 de dezembro de 2014

Challenge Family 2014- Parte II

A decisão de encarar o Challenge começou a tomar corpo por uma dica da Ana Lidia e da Aline Miranda ainda Fortaleza, já que havia a possibilidade de fazer inscrições no pacote da IM.

Óbvio que, na hora, eu disse "nem pensar".

Mas fazendo conta daqui, fazendo conta dali, uma prova cheia de amigos e aquele ajuntamento de gente bacana em Jurerê....

Bom, como todo mundo está cansado de saber que a  minha palavra não vale nada mesmo, três dias antes da largada eu já estava em Florianópolis sem avisar quase ninguém e, estranhamente, sem me preocupar se estaria apto para fazer a prova.

Digo "estranhamente" porque nem me veio a cabeça questionar se seria possível encarar um Meio-Iron três semanas após o IM de Fortaleza sem esquecer que, cinco meses antes, eu já tinha feito outro em Florianópolis.

Convivemos com muitas convenções e uma das mais famosas diz que provas longas pedem um período razoável de recuperação ou que mais de um Iron por ano é coisa para poucos.

"Poucos" não no sentido elitizado do termo, mas de que é coisa para gente doida mesmo.

Bem, vamos por partes.....

A Prova

No dia da largada me sentia relativamente bem, pois meu mal estar com provas de triathlon acaba exatamente quando coloco o pé na areia.

Como o meu corpo reagiria era um mistério, mas ainda assim me sentia em condições para fazer aquilo que queria fazer.

Pouco antes da largada ficamos sabendo que a natação teria o percurso encurtado de mil e novecentos para mil metros por questões de segurança.

Não vou deixar de dizer que fiquei um pouco frustrado.

Quando entramos na água o mar estava com uma arrebentação forte e realmente muito mexido - tudo o que eu não precisava depois de Fortaleza.

Só lembro de ter pensado "Não acredito que isso vai acontecer de novo..."

Naquele instante, até chegarmos a primeira  bóia, achava que a organização tinha agido corretamente. Para quem tem problemas com a água, aquela natação estava vários pontos acima do tom ideal.

Depois, entretanto, da primeira para a segunda bóia, e de lá para a praia, as coisas foram muito rápidas e mudei de idéia.

Talvez o melhor fosse uma natação com duas voltas.

Em quinze minutos eu já tinha duas opiniões completamente opostas.

Dá para notar que eu não sou exatamente uma "rocha" em termos de convicções.

Quando se pensa em todos que estão ali, a decisão não é realmente fácil.

Há pessoas que escolhem provas a dedo porque estão aptas para um nível de dificuldade. Quando se deparam com outro cenário, dito pelo acaso, acho que existe uma questão psicológica que é relevante, sobretudo para quem vai fazer a estréia na distância.

Por outro lado, há uma banda de atletas que advoga que "ema, ema, ema...cada um com os seus pobrema". Uma pessoa que escolheu um desafio desses tem que estar pronto para situações adversas, pois não consta do regulamento que o mar devesse estar flat ou o pedal, sem vento.

Essa avaliação, sinceramente? Não sei fazer.

Existem coisas para as quais não consigo ter uma opinião.

Fechei a natação para 17:44 e demorei na T1 porque a minha roupa de borracha, que tinha jurado arrumar quando fiz o Dash em 2013, ainda está do mesmo jeito e não sai fácil.

Também não sou um "rocha" em termos de promessas.

Se o Dash se vendia como a prova mais rápida, fez bem o Challenge em não ter usado o mesmo apelo esse ano, pois o pedal foi incrivelmente duro nos momentos em que o vento estava contra.

Foi sem dúvida uma surpresa, embora eu não esteja aqui reclamando, seja porque com o vento dava para alcançar coisa de 50 km/hora, seja porque pedir pedal sem vento é o mesmo que querer nadar sem água.

Mesmo contra o vento, não consigo deixar de pedalar com cadência baixa (66 rpms foi a média da prova), mas estou melhorando devagarinho. Fiz os primeiros 45k de forma mais cautelosa, deixando para fazer força na segunda perna. O resultado foi um pedal para 2:38.

Not so bad, not so good.

Nos primeiros quilômetros da meia-maratona me senti feliz em observar que não estava apenas "seguindo" como em Fortaleza, mas efetivamente correndo. Foi a parte em que mais me diverti também, pois o traçado permitia uma interação constante com todo mundo e não o achei mentalmente cansativo.

Até o 14 quilômetro consegui um pace médio de 5:00/Km, mas na última volta senti que faltava perna e o ritmo caiu coisa de 5:45/Km.

Fechei a meia para 1:50, tempo bem melhor que as minhas expectativas.

Já a prova, em 4:54. Fiz uma avaliação positiva.

Depois do IM de Fortaleza descansei uma semana, depois retomei a planilha feita para ela. A única diferença foi que resolvi fazer rolo ao invés dos longos de bike, já que não valia a tirar a bike da mala para fazer apenas um treino.

Já que o tempo não poderia ser comparado com o do ano passado, tendo como parâmetro a colocação na categoria fiquei muito feliz -  a décima primeira entre 60 pessoas.





Obviamente, não sai de lá pensando que seria possível fazer uma ultramaratona no outro final de semana.

Mas se eu pensasse de forma tradicional, será que teria participado da prova?

Qual são os nossos limites?

A pergunta é genérica e típica de manual de marketing mequetrefe voltado para aspectos motivacionais do esporte - e só estou usando porque às vezes fico derrapando para escolher um frase diferente e nada me vem nada na cabeça.

Bom, mas se a pergunta é manjada, por outro lado cabe evitar o arco das respostas prontas, tal como a popularíssima "depende de cada um".

Existem certas discussões no esporte que poderiam ser bastante enriquecedoras se tivéssemos apenas uma regra: " Proibido dizer 'depende de cada um'".

Vamos falar da média.

Estou me referindo a triatletas esforçados para a qual a loteria genética não deu um número premiado. Gente com uma história relativamente curta se comparada aos veteranos, sem portfólio com recorde e um currículo que não rende apoio nem para ganhar pacote de maltodextrina de dez reais.

Enfim, it's me.

Se feita uma enquete no meio, acho que oito em dez reprovariam a inscrição.

Entretanto, qual o fundamento dessa reprovação?

Não tem todo triatleta certo orgulho de se jogar de cabeça na mais recente inovação em termos de equipamentos, acessórios e suplementos?

Mas por quê cáspita somos tão ligados a concepções defuntas?

No caso da nutrição, a força da tradição se coloca de forma ainda mais evidente.

Só que vou abrir um capitulo aqui para não embolar muito.

A nutrição

O paradigma "High Carbo" é tão incrustado na cultura do triathlon que já me julgo um sujeito totalmente marginalizado pelo sistema.

O que não é de todo ruim, já que a marginalidade põe no meu bolso um alibi para os que me apontam o dedo dizendo que sou da tal "esquerda caviar".

As provas de longa distância transformam todo ecossistema no seu entorno e tudo que nele cresce e se consome é feito de carboidrato.

Tal como uma larva perceberia o universo se não notasse que errou a maça e entrou em uma batata.

Descobri que ir ao jantar de massas e perguntar se há alguma chance de encontrar torresmo ou pururuca no cardápio tem um efeito divertido - as pessoas dão um passo para trás, arregalam os olhos e ficam esperando que sua cabeça comece a rodar em cima do pescoço.

Já coloquei aqui no Blog que aderi a dieta Low-Carb, cujo nível de conhecimento das pessoas varia nos extremos: quem conhece, conhece muito; quem não conhece, trata o assunto a distância ou certo desdém, como se fosse vodu ou magia negra.

Para quem é adepto dessa dieta, há várias estratégias para provas de longa distância. Uma das mais conhecidas opta pelo consumo sem dó de carboidratos antes e durante o esforço - Training Low Race High.

Essa era a minha primeira opção, já que as provas de 70.3 são realizada com níveis de intensidade relativamente maiores  que as provas com a distância Ironman. E, sendo assim, o consumo de carboidratos pode se impor de forma relativamente maior.

Entretanto, conversando com o Wagner Araújo na Expo sobre o assunto, lá pelas tantas ele brincou dizendo "E aí, vai fazer a prova sem carbo?".

Falou brincando, pois ele mesmo acha mais eficiente estratégias de "supercompensação" ou o chamado "carbo loading".

Mas comigo as pessoas não podem brincar.

Seria possível ser ainda mais radical que em relação a Fortaleza?

Por puro empirismo e considerando que a distância era menor, levei em frente a idéia e montei um roteiro para uma aposta comigo mesmo - realizar a distância sem consumir calorias.

Mas, primeiro, tinha que ter certeza que não me faltariam reservas de carboidratos. Sendo assim, agreguei uma tigela média e um suco de açai no sábado.

Dada a escassez de opções e a falta de uma cozinha no apartamento, fiz uma refeição na noite anterior a prova impensável para o triatleta moldado no mundo da batata e do macarrão - rolinhos de presunto e queijo e um pote de torresmo, aqueles bem esculhambados vendidos em supermercado.


Imagino que vendo a foto você também esteja visualizando minha cabeça girando furiosamente em cima do pescoço. ;-)


Mas essa decisão seguia um raciocínio simples: pressupondo que meu metabolismo esteja relativamente adaptado e as reservar de carboidratos sejam suficientes para uma prova até seis horas em ritmo confortável, para que muito mais que isso?


Eu apenas precisaria estar atento as demandas do meu corpo por energia.

Vale dizer que tenho uma certa vantagem nesse aspecto, pois entre alguns anos de treinos longos e provas, guardo a memória as quebras por bonking, isto é, aquela em que a gente dá de cara com o famigerado "muro" por conta da depleção de carboidrato.

Entender a natureza da nossa percepção é muito importantes, mas ela não é inata e depende de uma reflexão sobre a experiência.

Por exemplo, não raro muitos perceberem a queda de rendimento em uma prova como um problema de suplementação quando, na verdade, o que se dá pode ser um "cansaço" do sistema neuromuscular (por isso recomenda-se andar durante a maratona) ou, mais simples, a pura falta de condicionamento físico para prosseguir com o ritmo inicial.

Em síntese: as vezes falta perna e não comida, só que não conseguimos distinguir um do outro.

Mas não consegui passar a prova sem a ingestão de nenhuma caloria e tomei meia garrafa de powered no pedal, pois fiquei sem uma caramanhola e foi o que consegui apanhar em um posto de hidratação quando senti sede - mas regra é regra e cabe contar tudo como realmente aconteceu.

Finalizada a prova, minha recuperação foi ótima e não perdi mais peso ou massa muscular do que sempre perco nesse tipo de evento.

Só que depois fiquei dando tratos a bola de como nossos parâmetro de nutrição são discutíveis.

Quando vai cair a ficha dos técnicos e dos nutricionistas que a questão fundamental é o manejo do metabolismo no médio e longo prazo? Que uma contabilidade detalhada de reposição de calorias é uma questão secundária? Que o foco não pode ser apenas perder peso visando a relação VO2/Peso?

Quando vamos nos voltar para a chamada "eficiência energética" e estudar como aperfeiçoa-la, abandonando os  hábitos que sustentam uma cultura de suplementação, cara e inócua, cujos únicos efeitos efetivamente comprovados são os baldes do xixi mais caros do mundo, tal a quantidade de nutrientes que nosso corpo, incapaz de aproveitá-los, expele pela urina?

Para Concluir

Um dos motivos pela qual gosto do Brett Sutton é que ele não dá a menor trela para convenções - já disse não acredita em polimento e deixa todo mundo de queixo caído quando põe o pessoal para fazer provas de forte intensidade uma semana antes de uma prova foco.

Ele é um dos caras que põe o pé na porta sem medo de se expor.

Mas o exercício de se expor é uma atividade para a qual não estamos acostumados e inventamos pretextos para que "cada um fica no seu canto".

As vezes, ouve-se a justificativa de que a opção pelo silêncio tem respaldo no receio de ser "massacrado".

Não acho que é bem isso.

Isso é desculpa na qual as pessoas, mesmo sem querer, exageram sobre a sua própria importância.

Não é um pouco estranho que discussões provocativas fiquem a cargo blogueiros, atletas ou outras pessoas curiosas que estão atuando no meio, mas têm outro campo profissional?

No filme "A Vila" uma comunidade vive completamente reclusa em uma floresta, presa por criaturas apavorantes que ninguém ousa desafiar chamadas de "Aquelas de quem não falamos".

No fundo, um lenda criada pelos habitantes mais antigos do vilarejo para internalizar em cada indivíduo as regras que todos devem seguir dentro de uma ordem supostamente desejável.

As vezes tenho a sensação que nos aprisionamos em convenções inquestionáveis, tal como os habitantes dessa Vila, e temos pavor de ir além das paredes intangíveis em que ficamos trancafiados em nome de um conceito nebuloso de "segurança".

Esse conceito reflete o cuidado necessário com a preservação física e mental dos triatletas ou é uma acomodação a-critica, que justifica uma certa má vontade para a busca de novos conhecimentos ou inapetência quando falamos em capacidade de desafio?

De certo, há uma fronteira tênue segurança e falta de ousadia.

E não sei de que lado estamos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Challenge Family 2014 - Parte I

Ninguém vai discordar que uma prova nos moldes do Challenge Family é mais que bem vinda -  não fosse apenas por um calendário com mais opções,  agregar uma corrida de 5k para mulheres e o Triathlon Kids no dia anterior a prova cai muito bem.

E o arsenal de boas idéias não parava ai: da implementação de uma largada em ondas, passando por um simpósio com palestras interessantes até uma mochila no kit pareciam indicar que a organização iria dar uma repaginada nas provas de longa distância no Brasil.

Só que parece que a organização colocou salto alto no evento principal.

E errou feio.

Uma vez escrevi que as entidades que organizam os eventos no Brasil são pequenas empresas familiares de fundo de quintal e refletem muito a personalidade do dono. Já aquelas que detêm o direito sobre o uso de marcas internacionais, tem uma receita de bolo já testada - é só seguir o manual.

As duas funcionam de forma diferente.

As primeiras, como as organizadas pela Cia de Eventos e a NA Sports, se apóiam no mesmo ritual - você chega no Troféu Brasil, Internacional de Santos, no Long Distance de Caiobá ou Pirassununga e já sabe o que tem que fazer.

Aliás, tem a impressão que já nasceu sabendo.

Nas provas organizadas pela Latin Sports, como o Ironmam ou o 70.3, são as instruções são detalhadas no envelope que todos recebem no balcão de retirada do kit e ali são dadas todas as informações por pessoas inegavelmente bem treinadas. Em qualquer lugar do mundo você vai encontrar a mesma lógica.

É aquele jeitão meio MacDonald´s de organizar provas de triathlon.

Entretanto, essas provas também tem problemas crônicos que frustram as expectativas dos triatletas - preço, vácuo e traçados que não respeitam a distância prevista no regulamento são apenas alguns deles.

A vantagem de quem chega mais tarde na festa é saber de cor e salteado a cartilha dos erros e acertos dos outros.

Só que o Challenge deu uma contribuição de 500 páginas para a primeira parte da cartilha.

Vou tentar me manter afastado das impressões negativas que podem ser resultado de um caso isolado, tal como o fato das camisas no meu kit e de Finisher terem o mesmo número, mas de tamanhos diferentes - erros assim, se isolados, são bastante compreensíveis.

O problema, de fato, foi que a soma de equívocos se deu em torno de questões em que ninguém erra mais, como a distribuição de garrafas descartáveis no pedal ao invés das habituais caramanholas, erros de programação que geraram uma longa fila para entrega da bikes ou a proibição de wetsuit strippers na primeira transição.

Mas nada supera a falta de água nos postos de hidratação tal como se viu - e muito pior que o Ironman de Fortaleza, já que ela não ocorreu de forma isolada.

Sem ter a pretensão de falar sobre os erros todos, exaustivamente mapeados em posts muito bem feitos do Facebook, só vou tentar passar dar uma rasante sobre o assunto.

Se alguém me pedisse para resumir os problemas principais, eu citaria apenas alguns - porque destes derivou todo o resto.

Primeiro, a organização embaralhou os conceitos dos concorrentes e fez um boneco remendado com o pano que sobrou do Dash ano passado.

Tinhamos três sacolas com cores diferentes, tal como o Ironman, mas sem nenhuma indicação do que ia aonde. Descobriu-se depois que não era necessário usar nenhuma, tal como em Pirassununga, pois poderia deixar tudo em uma caixinha - aquela do Internacional de Santos.

Ou seja, ela nos confundiu porque misturou todas as nossas referências.

Outra exemplo foi o revezamento.

Eu sou ranheta com esse negócio: há conceito mais anti-triatlético que revezamento?

Havia duas dinâmicas na prova, que ficaram muito evidentes no pedal.

Não bastassem os próprios triatletas que se acham ciclistas de contra-relógio porque agora estão se vestindo como tal, os ciclistas do revezamento vieram voando pelos lados, por cima, por baixo e até na contramão em uma disputa totalmente insana em meio a cones que não estavam sempre alinhados.

Já outros triatletas, muitos deles iniciantes, tinham dificuldade em apanhar as garrafinhas de água nos postos de hidratação com a mão esquerda.

Isso só não gera mais acidentes porque fica debitado na conta de quem é precavido tomar cuidado para evitar as quedas.

Bem, falando nisso, outro ponto importante diz respeito a coibição do vácuo por meio de duas medidas: largada em ondas e maior rigor nas punições.

A largada em ondas funcionou, mas também não funcionou.

O Santiago Ascenço disse que foi ótimo para os pro e isso é uma marca positiva.

Já entre os amadores, tenho a sensação que não deu certo.

Se no Ironman o tempo de natação seleciona os integrantes dos pelotes, com as largadas em onda parece que acontece a mesma coisa, com a diferença que os agrupamentos são de pessoas da mesma faixa etária.

Não tenho dados para falar sobre a eficiência da fiscalização, já que não vi até agora estatísticas ou a divulgação de nomes de atletas punidos.

Mas fizeram um lambança monumental: os atletas punidos por situação de vácuo tiveram seus tênis retirados da zona de transição e levados para o penalty box.

Ninguém vai aqui defender os vaqueiros, certo? Acho até que, se era para fazer maldade, poderiam fazer direito: dá um nó cego no cadarço e joga em algum fio da rede elétrica.

Só que o problema foi o seguinte:  ninguém avisou a tigrada que ia ser assim.

Dá para imaginar um monte de pitbull tendo chilique e correndo de um lado para outro com bermudas de laicra e sapatilha? ;-)

E, nesse sentido, a gente pode falar sobre de outro grande erro da organização: informação.

O site do evento era um deserto para quem queria se informar e auto (in)explicativo - alguém entendeu porque, no lugar das faixas etárias, colocaram categorias do tipo "30 A", "40A" etc?

O folder não trazia informações básicas, como o horário das largadas dos grupos etários e ainda fornecia orientações erradas. Uma delas dizia que as sacolas deveriam ser deixadas junto com a bike no sábado - e não foi isso que se viu.

O Congresso Técnico foi ruim de lascar.

Embora ninguém queira um Silvio Santos falando, uma certa dinâmica de auditório é desejável para manter o foco de uma platéia ansiosa.

Em um salão com centenas de triatletas confusos por conta de informações contraditórias, a apresentação se orientava por um power point feito para uma sala de dez pessoas.

Acho que nem o Hubble mirando naquela tela ajudava.

Informações desnecessárias, tal como como foi o treinamento dos fiscais até descrição exaustiva da altimetria do pedal com um mapa de GPS chapado deu sono; já a ordem de largada de faixas etárias, sobre a qual não havia informação alguma, era mostrada em letras minúsculas e ilegíveis.

E o texto parecia mal decorado e o palestrante titubeou em vários momentos: ora usava-se "deve-se, ora "pode-se" para uma mesma situação.

Agora, em resumo, como foi o evento então?

Olha, foi show!

Antes de achar que está lendo o texto de um sujeito que sofre de transtornos mentais, me dá uma chance para me explicar o "foi show".

Primeiro, porque o Challenge Women e o Triathlon Kids não podem passar em branco.

Agradar as pessoas que nos acompanham nesses eventos longos é uma experiência de retribuição que, como tal, nos agrega uma alegria incomum.

Olhe as fotos das pessoas e você vai entender.

Segundo, precisa ser muito craque para estragar uma prova de triathlon em Jurerê.

Nem a diretoria do Vasco e do Palmeiras, juntas e combinadas com a CBF, conseguiriam esse feito.

Como colocou o Rafael Pina no relato dele, a muvuca com todo aquele pessoal assistindo e o fato de participar de uma prova entre amigos traz sentimentos gratificantes impossíveis de serem colocados no papel.

Isso traz um ensinamento que toda entidade que se presta a organizar uma prova de triathlon já deveria saber: triatleta adora mimos e firulas, mas essencial mesmo continua sendo o básico.

Não é difícil.

Põe dois chinelos no gol, marca a área no chão e dá uma bola pra jogar....

O resto deixa com a gente.



quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Uma rampa para Ulisses

Desde de Ulisses de James Joyce,  caiu a ficha que a vida do homem moderno é de uma mediocridade incomparável na maior parte do tempo - diferente antigos, nossa vida imaginária segue um roteiro bem menos emocionante do que o enfrentamento de deuses ou seres mitológicos: trabalhar, lidar com a burocracia, levar os filhos na escola, passar no banco ou ficar tomando chá de cadeira no médico não dá lá experiências muito eletrizantes.

Para alguns, a procura de um desafio preenche esse vazio e é muito comum o esporte ter um espaço nessa busca - embora, diga-se, poucos realmente desejam aventuras com riscos.

Recentemente vi um pequeno documentário sobre uma maratona, cuja parte final é na Serra do Rio do Rastro.

Pessoas correndo em uma Serra asfaltada dão caldo para uma experiência a ser compartilhada?

Bem, depende de quem corre ou põe a carne no pastel.

Corredores subindo uma ladeira em meio a chuva e ao vento com cenas ora variando entre quadros em branco e preto, ora coloridos, e muitas pitadas de slow motion para captar as expressões de sofrimento ou dar um tom cool as passadinhas curtas e esforçadas dos "guerreiros".

O problema é que as cenas, somente elas, não preenchem infindáveis trinta minutos e o pacote precisa das histórias dos corredores.

Na fala de alguns, a Serra ganha o status de personagem e vira “Montanha”  e cada passo para o topo representa um embate, uma conquista e a celebração de uma história pessoal que carrega uma lição de vida.

Na teoria....

Porque o que sai mesmo é uma farofa filosófica de coisas que não dão liga.

Um a um, vão se enfileirando clichês sobre "conhecer os seus limites", "humildade", "superação nos treinos", "metas e objetivos" e muito blá-blá-blá com pitadas de emoção escolhidas a dedo.

Um corredor  fala do extenso currículo de maratonas, ultramaratonas e, ao se referir aos amigos que conheceu ao longo dos anos, cai no choro.

Já no pórtico de chegada, outro fica aos prantos e diz que trocou o vício da drogas pelo vício da adrenalina, da serotonina e da corrida.

Mas esse é mais engraçado.

Arremata dizendo ter participado para se divertir - tanto que, temendo quebrar se acompanhasse o ritmo dos outros, preferiu largar atrás de todos os corredores.

O vídeo foca ele, humilde de tudo, fazendo exatamente isso.

Tá com pena?

O dito cujo chegou em terceiro entre 300.

Ele diz e repete com cara de espanto "Não acredito, não acredito...não acredito".

Pois é, nem eu.

Ao fim do documentário, não é apenas o roteiro salpicado que incomoda.

Queria saber por onde andam os motivos banais.

Ou isso por acaso não faz parte da nossa natureza?

Gostaria de ouvir respostas do tipo "Tô aqui para perder a barriga", "Curti a camisa e tem que fazer a prova para pegar uma", "Moro perto e não estava fazendo nada mesmo", "Aposta com os amigos, agora agora tô me F*&%$#@".....

"Por Nada..."

"Sei lá...."

Agora, claro, isso não vem da maioria dos corredores.

Não bastasse aquela subida do capeta, ainda são fustigados com perguntas sobre o que aquela experiência representa, quais ensinamentos se tiram de tanto sacrifício, o que significa romper os limites, o que alimenta a motivação....

Eu fico olhando e....sei, não.

A gente precisa de tanta coisa assim para correr?

É muita viagem achar que uma rampa gera uma Odisséia.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ironman Fortaleza 2014

Uma coisa que vem tirando a graça dos relatos sobre as provas em Blogs é a velocidade com que as informações circulam por todos os poros das redes sociais.

Não tinham batido 24 horas e eu já tinha lido um quadro fiel e completíssimo sobre o Ironman de Fortaleza por WhatsApp - produzido, inclusive, por quem não esteve lá.

O que muda é como cada pessoa seleciona os fatos ou dá importância para os detalhes.

Por exemplo, uma curva meio encalacrada dentro do perímetro ou um carro que estava cruzado na área onde só deveria trafegar atletas foram fatos destacados com lente de aumento por algumas pessoas; para outros, valeu o que aconteceu no restante dos 180km, em que a segregação entre carros, pedestres e bikes funcionou bem e o percurso era pouco técnico a ponto de exigir qualquer destreza no pedal.

Mas isso não é normal?

É e não é.

Em provas que exigem muito física e mentalmente, os detalhes desencadeiam reações estressantes e essas ficam grifadas na nossa mente.

Isso faz parte da forma como registramos nossas experiências.

Você pega dezenas de caramanholas nos postos de hidratação, mas aquela que estava com a tampa meio aberta e espirrava água para todo lado não sai da sua mente  - e não raro esse fato leva você a qualificar todo o resto com um sensível mal humor.

Mas isso também tem explicação em um certo viés do nosso olhar, criado por promessas irrealistas.

Acho que a franquia Ironman nos mima um pouco e promete o que ela mesma não tem como garantir - uma experiência de "superação" totalmente controlada, com vaga no estacionamento, escada rolante, segurança e ar condicionado.

E a gente fica com aquela expectativa de sala VIP em aeroporto internacional.

Fio, o mundo não é assim.

No perímetro urbano não há como controlar todos os fatores que estão dentro ou no entorno desse ambiente.

Quem é mais sacudido às vezes parece que não é e se deixa levar por estresse típico de meninos de apartamento, que acreditam que uma prova de Ironman é como passeio no shopping.

Uma coisa é a organização prometer e, outra, você acreditar.

Acho que a nossa critica melhora a qualidade da prova, mas vai uma distância grande entre questões mais estruturais e detalhes que ganham uma dimensão fora do comum.

Mas reconheço que esse exercício de distanciamento não é trivial.

Vou ou não vou?

É de conhecimento geral que entre o números de inscritos e o de concluintes, houve algumas centenas de desistências.

E eu quase engrossei essa estatística.

Faltando duas semanas para a largada tive uma virose que me jogou na cama por três dias. Não bastasse isso, inexplicavelmente, senti uma pequena contratatura na musculatura das panturrilhas descendo a escada que me deixou praticamente sem nenhuma atividade durante o polimento.

Apenas na última semana fiz rolo durante 45 minutos e nadei 1.500 metros - mas não conseguia religar meu corpo e me sentia exausto na maior parte do tempo.

E, como de costume, ainda sentia a tensão pré-prova, que para mim é coisa séria - eu fico realmente mal até a hora da largada.

Uma situação de estresse totalmente desproporcional.

Inconscientemente, parece que você vai, literalmente, em direção a uma batalha de vida ou morte. A solução passaria por um diálogo interno de auto-convencimento em que se vai desanuviando a seriedade da coisa toda.

Mas quem disse que eu sou bom nesses tais "diálogos internos"?

Acho mais fácil falar sobre o assunto em blog ou no site do MundoTri do que colocar as coisas em prática na minha própria vida.

Reconheço que aplicar conceitos abstratos para falar da experiência dos outros é moleza.

Bem, tudo se resolveria de uma forma bastante confortável simplesmente desistindo - o que me tiraria um peso gigantesco das costas.

Ai fala daqui como Kleber Corrêa, falando dali com o Edú "Três Meios", acabei decidindo me esforçar mais e não abandonar um projeto para a qual eu tinha feito um esforço danado nos treinos.

Procurei o André Pinto, amigo, fisioterapeuta e triatleta da BR, que abriu duas sessões na agenda dele na semana da viagem - acupuntura, massagem e bandagem me deixaram confiante de que não me faltaria condição física para fazer a prova.

No dia da partida, estava eu no aeroporto rumo à Fortaleza.

Cadê a Expo?

Devidamente instalado, a primeira providência era procurar a Expo para a montagem das bikes e compra de algumas coisas para a prova.

Ai toca para o Marina.

Sabe quando você entra em um prédio esperando encontrar um apartamento de três quartos, suite, sala de estar, sala de som, salão de jogos e uma varanda enorme com churrasqueira?

Mas o que tem mesmo é sala, quarto e cozinha - e o banheiro é externo?

Eu me senti mais ou menos dessa forma quando cheguei na Expo - tanto que fiquei rodando um pouco para me certificar de que estava no lugar certo.

Havia apenas uma oficina na principal loja do evento e bem esprimida em poucos metros quadrados.

Dada a demanda, obviamente já não havia gel, cilindros de CO2 e muita gente que compraria suplementos na feira teve que se virar fora dela. Outras coisas tinham um preço exorbitante, como caramanholas sendo vendidas por coisa de 70 reais.

Há aqueles que encaram a Expo como um pequeno templo de consumo caro e desnecessário, um alçapão para vendedores oportunistas e um interminável desfiles de egos ou aqueles tipos que enchem a pança com suplementos.

Só que isso isso é preconceito, viu?

A Expo é a primeira infra-estrutura da prova e das mais importantes, sobretudo em provas que tem caráter internacional.

Não sei qual aritmética comercial a Latin Sports faz para negociar espaço, mas se a conta não fecha entre a organização, lojistas e prestadores de serviços, ao cabo de tudo prejudicados serão os atletas.

Outra coisa são nossas referência simbólicas, pois às vezes nos falta certa sensibilidade para nos colocarmos no lugar do outro.

Não fosse assim, o que explicaria a escolha de uma jaqueta preta, impermeável e com forro, vendida como peça de Finisher?

Como perguntou Camila, de Maceió,  "de que serve essa jaqueta aqui no Nordeste?"

Também não sei.

O Ironman de Fortaleza merece mais.

A Prova

Natação


"Somente os peixes mortos vão a favor da corrente"

Você só precisa ler sobre um relato para entender o que foi a natação - e não importa se ele for feito pela elite ou por amadores.

Foi um samba de uma nota só pra todo mundo.

Acostumados com o padrão de natação em lagos, como Pirassununga ou Brasília, ou praia tranquilas ("Praia Mansa" em Caiobá ou mesmo Jurerê), encarar a natação de Fortaleza é uma dificuldade que valoriza muito o resultado da prova.

O inicio foi dentro d'agua e relativamente confuso, pois vários atletas foram entrando na água e avançando em relação as bóias na direção do pessoal que estava nos stand-up paddle.

Só que do alto-falante, veio o pedido para que recuássemos e, quando muitos faziam isso, a largada foi dada.

Foi até relativamente bom, porque aumentou a dispersão dos atletas e nadamos sem aquele UFC costumeiro.

Quando saímos da áreas da pequena baia, a natação se tornou realmente desafiadora em razão das marolas.

E ai de você se achava que era possível nadar com aquela técnica bonita, deslizando o corpo naquele mar. Nunca foi tão evidente para mim a necessidade de braçadas continuas, sem deslize e um baita esforço para alinhar o corpo quando a força lateral das ondas me jogava para o lado.

É um tipo de natação totalmente diferente. Não foram poucas as vezes que achei que estava dando braçadas no vácuo.

Como respiro para a direita e a correnteza era lateral, nem preciso dizer que a questão não era se iria ou não iria engolir água, mas a quantidade de goladas incrivelmente salgadas que ia colocar para dentro.

Nos primeiros 1.700 metros da ida a sinalização era relativamente boa e em nenhum momento perdi de vista as bóias ou a escuna que demarcava o primeiro retorno. Sentia também que nadava no meio dos outros triatletas com um desempenho parecido com o meu. Fiz os 2.300 metros em 43 minutos.

Só que, amigo, na volta....

Todo mundo sabia que o retorno seria mais duro e um amigo de Fortaleza já tinha me indicado que nadaríamos contra o sol. Mas eu não tinha idéia do tamanho do enrosco!

Imagine algo como um aquelas cenas de filmes policiais em que o sujeito está em um quarto escuro, meio desnorteado e, do nada, alguém puxa o capuz, joga uma luz diretamente nos seus olhos e grita "Porra, agora nada 1.600 metros....".

Desse jeito.

Sem conseguir me situar, de um segundo para outro, me vi completamente sozinho. Não sei explicar em que momento perdi a conexão com todo mundo que nadava no meu entorno ou mais a frente.

A idéia de que você se perdeu no mar é cruel do ponto de vista psicológico, pois a sensação é a de que está fazendo uma bobagem monumental e não sabe qual.

E não havia ninguém que servisse de ponto de referência - não havia nada!!!

Vez em quando eu conseguia ver um braço distante saindo da água e tentava seguir aquela braçada.

Mas as marolas não deixavam e o mar parecia uma bandeja de prata refletindo o sol.

Tomei muita bifa das ondas na cabeça, principalmente no ouvido esquerdo e meu nariz começou a arder - coisa que só posso explicar pela salinidade. A camisa também pegou o meu pescoço e senti o corte a cada braçada.

Foi nesse momento que eu pensei que tinha que sair daquela situação.  Quando passei pela praia onde tinhamos treinado nos dias anteriores me situei, pois sabia que logo em seguida viria o hotel do Marina.

Quando vi o pessoal sentado nas pranchas entendi que eles não conseguiriam ficar de pé para servir como referência - mas pelo menos tinha eu, finalmente, uma referência dentro da água.

Nadei quase trezentos metros a mais e meu retorno levou 54 minutos para ser feito.

O tempo da natação foi o pior que já fiz na vida: 1:40.

Depois, conferindo as imagens do GPS, vi que não tinha errado tanto.

Na verdade, fui mais lento do que torto.

E, nesse sentido, não posso dar muitas desculpas, pois mesmo tendo em vista todos os problemas, outros atletas com a mesma história (ou piores), conseguiram sair da água bem antes de mim.

Achei demais todo mundo fora da zona de conforto naquele mar desafiador - e, pelo menos na minha opinião, as pessoas se saíram muito melhor do que elas julgam, ainda que houvesse um comprometimento do tempo ou mesmo do resultado final.

Ficar feliz com 1:40, não fiquei.  Por outro lado, foi o meu melhor na prova inteira, porque eu recuperei o controle para sair de uma situação em que poucas vezes me vi em provas de Ironman.

Ter comprado a briga com aquele mar me deu uma estranha satisfação.

Bike

Para quem for fazer o IM de Fortaleza no próximo ano, vale programar um treino de reconhecimento do percurso e testar os ajustes da bike - porque na área no entorno da Expo não tem espaço.

Poucos lugares são como Florianópolis, dada a disponibilidade de estradas e vias sem trânsito em Jurerê.

Fui para prova na base da fé mesmo - mas, fazendo jus ao trabalho do pessoal da Expo, estava tudo redondinho.

Um pouco cansado pela natação difícil, sai para pedalar e tracejei a orla de forma bastante cuidadosa até conseguir sair dos trechos mais estreitos do perímetro urbano - que, aliás, antes que alguém reclame, em nada difere do que se vê, por exemplo, no 70.3 de Miami.

Apesar de tudo que foi falado sobre o vento e o calor, o pedal foi duro, mas não impraticável.

O problema de se pedalar ora com vento contra, ora a favor, é administrar a alternância de ritmo.

Outra questão, que se coloca é lidar com a forte possibilidade de desidratação.

A alternância de ritmo eu já havia treinado bastante, porque o Rodrigo tinha programado treinos dessa forma e, na Ciclovia do Pinheiros, o vento dificulta e facilita.

Fui bastante conservador e resisti a tentação de fazer força contra o vento.

De certa forma estava presente na minha mente a quebra no final da primeira perna do IM de Florianópolis e seria uma estupidez sem tamanho querer compensar o tempo ruim da natação com um pedal forte.

No quesito hidratação, achei que seria bom, tal como na corrida, pegar algo em todos os postos. Mas faltou água em alguns deles e, em outros, estavam enchendo as caramanholas com a água de gelo derretido.

Pra mim, o pior erro da organização.

Como não aconteceu de forma generalizada, foi possível contornar essa situação.

Tive um outro problema que foi uma dor nos pés. Eu esticava as pontas, doía; comprimia, doía; pedalava de pé, doía; sentado, doía.

Se não fizesse nada, doía.

Parei por dois ou três minutos e percebi que bastava desclipar para a situação melhorar bastante e fui fazendo isso em alguns momentos.

Depois de muito vai e vem, sobe e desce, vai pra cá, vai para lá e direita e esquerda no restinho de pedal que faltava, cheguei na transição me sentindo bem e satisfeito por 5:57.

A Corrida

Uma das piores experiências que tenho em provas de triathlon, acho que inigualável, é dar conta dos primeiro quilômetro da maratona de um Ironman.

O desconforto físico e pensar em correr 42k, que se traduz, no meu caso, entre quatro e cinco horas, pode ser mentalmente devastador.

É daqueles momentos em que você pensa que é realmente muita coisa para se dar conta em apenas um dia.

Mas treinamos para isso e aos poucos vamos encontrando um ritmo.

Simplificando bastante, existem duas categorias de atletas na maratona de um Ironman: aqueles que conseguem correr e aqueles que seguem.

Isso não significa que a ordem de chegada  privilegie um ou outro, já que o riscos são diretamente proporcionais ao esforço e cada pessoas assume os seus; mas é bonito ver a moçada fazendo o tracejado da maratona correndo forte.

Eu sou do grupo que vai tocando e as coisas foram relativamente bem até o 10 quilômetro, quando comecei a sentir dores e fui obrigado a andar alguns minutos - tinha planejado caminhar apenas nos postos de hidratação, mas "planejamento" em provas de Ironman é para poucos.

Outra coisa difícil de administrar foi beber e sair correndo com o estômago cheio - e quando começava a melhorar, repetia o mesmo ritual já no posto adiante. No meu caso, correr com uma sensação de sede infinita e desconforto da ingestão de líquidos é uma das coisas mais difíceis em um Ironman.

Estava quente, mas a sombra que os prédios projetavam na orla e o vento aliviaram bastante o temido calor - longe, portanto, da necessidade de se molhar o tênis em razão da temperatura do asfalto, como foi comentado em certos círculos antes da prova.

Do ponto de vista do desempenho, a marcação do pace de nada significava, já que variava muito o tempo que passávamos em cada posto de hidratação e, além disso, eu já tinha abandonado qualquer pretensão e só queria fechar aquela prova duríssima.

Minha última volta foi um esforço mental difícil. A tentação de andar foi gigantesca e não há receita pronta para evitá-la. Fora o incentivo dos amigos para não entregar os pontos, eu andava no posto de hidratação e, recurso super manjado, marcava um ponto no chão a partir de onde voltaria a correr.

Funcionou na maioria das vezes.

A noite já entrará e era possível ver as luzes dos navios enquanto corríamos no belíssimo Pier da Praia de Iracema pela última vez.

Fechei a maratona para 4:40 e a prova em 12:29.

Para quem tiver interesse, seguem os dados do Garmin aqui.



Train Low Race High

Em termos de suplementação, levei nas caramanholas água com SUUM, tomava duas cápsulas de sal a cada hora e gatorade dos postos de hidratação, mais esporadicamente.

E apenas um gel durante o Iron todo.

Não tive problemas com o estômago ou falta de energia.

Mas também não senti que isso melhorou ou atrapalhou meu desempenho.

Apenas na semana em que fiquei doente e na posterior, mudei um pouco a rotina da dieta Low-Carb porque tive receio que uma restrição muito forte pudesse ter implicações negativas para me curar virose e sair daquela letargia que parecia crônica.

Reintroduzi frutas e mel com panquecas aqui em São Paulo. Já em Fortaleza, saíram esses alimentos e entrou batata doce.

Abri mão dos almoços e jantares carregados de massas nos dias que antecederam ao evento. No dia da prova, optei apenas por um pequeno pedaço de bolo de cenoura no café da manhã.

E não senti falta de mais nada.

Isso significa abandonar totalmente dos carboidratos em favor das gorduras?

Não se abre mão dos carboidratos sob risco se expor ao chamado "bonking", isto é,  uma depleção fatal que se traduz em uma quebra feia. Além dos mais, há benefícios no consumo de carbos para uma recuperação mais acelerada e a preservação da musculatura afetada durante o exercício.

Há ainda os que defendem chamada abordagem "Train Low Race High".

Tal como corredores que fazem treinos em grande altitude para se adaptarem a restrição de oxigênio e depois competirem ao nível do mar, essa estratégia nutricional indica que atletas adaptados que têm usualmente baixa ingestão de carboidratos poderão fazer uso vantajoso desse recurso nos dias de competição, quando então são fartamente oferecidos.

De qualquer maneira, as dietas cetogênicas diminuem significativamente a dependência de carboidratos. Caso sejam comprovados, há ganhos que poderiam ser significativos, sobretudo no caso de triatletas que apresentam problemas de digestão em situações de esforço e estresse.

Concluindo

Opinião pessoal, acho que o IM Fortaleza foi prejudicado por um alarmismo típico de rede social bastante desproporcional ao que de fato aconteceu na prova.

Um marketing meio que pelas avessas que levou dezenas de pessoas a não fazerem a inscrição ou desistissem mesmo depois de terem feito.

Sobre isso, que me desculpem, mas não vi em Fortaleza mais vento, calor e umidade do que presenciei no IM do Texas. Alguém é capaz de associar o que aconteceu lá com o que foi visto no Campeonato Mundial de 70.3 em Las Vegas em 2012? O primeiro (e, se não me engano, primeiro e último) Ironman na China?

Desde de logo, não estava fácil, mas exagerou-se na dose.

Sem a mínima pretensão de ser imparcial, achei o IM de Fortaleza uma das provas mais incríveis que já fiz.

Isso não significa que ela tenha sido perfeita, porque isso não existe em lugar nenhum do mundo.

Significa que com ela reencontramos a credibilidade, pois a ampla maioria dos triatletas que estavam lá resolveram bancar seu resultado pedalando com a cara no vento.

Significa que ela nos devolveu o gosto pelo desafio, o respeito pela distância e embalou um bonito sentimento de conquista pessoal.

Significa que o Brasil é grande e precisamos todos nos conhecermos melhor. Meu sonho é um pouco o que vi nos EUA, em que você vai para a prova e se depara com uma paisagem repleta de pessoas usando camisas de eventos realizados em todo o pais.

Confesso que no dia seis de novembro segui para o meu sétimo Ironman cheio de dúvidas.

E no dia nove a única certeza é que eu não queria estar em outro lugar.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Devagar também é pressa


Quando você vai acumulando provas de Ironman na sua vida, dificilmente projeta um resultado que não seja um tempo menor ou um lugar melhor na categoria.

Quase ninguém cogita apenas terminar mais um. Parece que uma vez que deixamos para trás nosso batismo de fogo e nos mostramos capazes de dar conta da distância, nosso objetivo dai para frente é seguir subindo uma escada.

Porque, de certa forma, avaliamos que uma vez que tiramos o brevê do primeiro Ironman, estamos aptos para qualquer outro.

Podemos incrementar uma coisa aqui, outra ali para dar conta da especificidade de uma prova, mas de maneira geral, pode mandar que a gente mata a bola no peito e põe na rede sem deixar ela cair.

A partir da minha segunda participação no IM do Texas, essa visão de boleiro ficou totalmente zicada.

Para muitos que estão melhorando sua performance ao longo do tempo, pode ser frustrante, mas há certas provas que nos jogam para um nível de dificuldade que pensávamos ter superado a muito tempo.

No fundo, todos nós temos a tendência de super estimarmos nossas potencialidades e sermos mais otimistas do que a realidade permite - a única diferença é que existem pessoas discretas e outras com facebook. ;-)

E, entre os mais calejados, isso pode ser ainda mais acentuado, pois a experiência de várias provas e o acúmulo de anos de treinos nos dão ainda mais confiança.

Consequentemente, não vemos as cascas de banana que se espalham pelo caminho de uma prova complexa, tal como será o Ironman Fortaleza.

E eu não sei muito bem como tirá-las da frente, pois no meu caso a dita "experiência" parece um catálogo de erros em que sempre cabe mais um.

Mas o que é mais evidente para mim é que qualquer coisa que possa lhe dar minutos de desempenho carrega em si a possibilidade de tirar horas do seu resultado final.

Por exemplo,  é preciso muita conta para saber quantos minutos um capacete aero pode economizar no cômputo geral, mas nem precisa pensar muito para saber o tamanho do rombo que ele vai deixar na sua prova se ele não te ajudar a regular a temperatura do corpo. 

Outra coisa é o ritmo. Para a maioria, a prova será muito lenta e sofrida, sendo que será necessário se conformar com um pace próximo ou mesmo acima de 6:30 min/Km.

Pode parecer pouco, mas uma cadência de corrida mais lenta e constante traz resultado melhor do que fazer a prova com ritmo de voo de galinha, com longos períodos andando e tentativas frustradas de retomar a corrida.

Quando as condições do clima são muito duras, a melhor estratégia é fazer a prova de forma muito contida, programar paradas bem pensadas e tentar minimizar os efeitos negativos do calor.

Nesse sentido, seu desempenho será tanto melhor quanto menor forem as pausas por quebra ao longo do dia.

E seja qual for o resultado, não se puna.

Existem certas coisas para as quais não existe preparação. Em 2013 no IM do Texas a sensação térmica  de 42 ºC bateu forte na maratona e tirou a possibilidade de centenas de triatletas, treinados ou não, terem sua chance na corrida.

Não havia sequer Plano B.

Tudo que tinhamos era uma multidão nos empurrando com um incansável "keep going".

É difícil aceitar. Passada a prova, muitos ainda ficarão se torturando, pensando no que fizeram de errado, mas na verdade não havia nada de errado porque nada poderia ser feito.

Caso você consiga moderar seus impulsos, adequar seu esforço em meio a expectativas realistas e aceitar o que o melhor possível também é medida de desempenho, certamente já terá dado um passo gigantesco para ter sucesso na prova.

Boa sorte a todos!!!!

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O "Pré-Sal" dentro de você....

Em todas as descrições que já fiz em relação aos treinos para um Ironman, esse apresenta duas novidades: leva em consideração que já realizei um IM esse ano, em Florianópolis e estou lidando com um mudança de padrão alimentar radical.

Os treinos seguem o roteiro de uma preparação para o IM, que pode ser dividido em quatro períodos.

O primeiro é basicamente um período de treinos livres que se iniciam entre 30 a sessenta dias depois do Ironman. Não há uma programação e o atleta escolhe os seus treinos.

O segundo período tem como objetivo concatenar a volta as atividades, mas de forma ainda leve. Há um longo de bike e treinos uma ou duas vezes por dia. A idéia é começar a religar o seu corpo.

O terceiro é o certamente o principal deles. Os treinos durante a semana são relativamente curtos (não confundir com "leves"), e os longos começam com uma natação de 3k na sexta-feira, de quatro a cinco horas de pedal no sábado ou um longo de corrida de 2:45 no domingo.

O quarto período, bem mais curto é o polimento. Fisicamente, não é "molezinha", mas  o duro mesmo é a parte psicológica. Como escrevi em outros posts, você se sente cansado durante a fase três e parece que não vai ter força para fazer a prova, só que quando chega o polimento a sensação é que você não deveria ter parado de treinar, que poderia ter feito mais e, de quebra, ainda está gordo.

Uma merda.... :-(

Convenhamos, não é um bicho papão quando se olha o quadro todo. Mas quem vê um pouco de longe, tira a média de um triatleta pelo pico de treinos que ele faz para um Ironman nessa última fase -  e a gente vive um pouco dessa fama de "homens de ferro" o ano todo.  ;-)

Embora muitos tenham conhecimento sobre esse período de preparação, vale dizer que o que mais impressiona não é tanto o volume no dia a dia, mas a capacidade de dar sequência a treinos curtos e longos com um fôlego só  - você faz um pedal de 150 km no sábado, corre coisa de 29 km no domingo e, segunda-feira....descansa? Não. Segunda-feira você pula na água as seis horas da matina, dá uma corrida leve a noite e na terça já começam treinos curtos e mais puxados na esteira, no rolo e na piscina até o próximo final de semana.

Eu já conheço essa rotina, mas a transição para a dieta Low-Carb me trouxe situações novas em que a experiência não ajuda tanto - e as vezes não há muito para quem apelar.

Se é possível dizer há uma tsunami de informações sobre a dieta para quem deseja, por exemplo, perder peso e mudar seus hábitos alimentares, no caso da prática esportiva ainda estamos longe do acúmulo de conhecimento nesse mesmo patamar - há apenas alguns poucos livros e blogs com depoimentos pessoais.

A gente vai tateando no escuro.

O grande interesse que essa dieta desperta para quem faz provas de longa distância tem a ver com o acesso aos estoques de energia que estão disponíveis no seu corpo.

Se fiz a lição de casa direito, as moléculas gordura carregam mais energia que os carboidratos em uma relação próxima a 2:1 (9 Kcal/g de energia contra 4 Kcal/g) e representam um reservatório de energia bem maior - os estoques de gordura disponíveis em nosso corpo podem prover 40.000 mil calorias contra 2.000 dos carboidratos.

Mais: segundo alguns autores, a cetose pode oferecer ao atleta desempenho físico melhor em dois aspectos: aumento da capacidade aeróbica e resistência muscular, o que seria particularmente importante em provas de endurance.

Entretanto, qual o caminho para acessar o "Pré-Sal" dessa fabulosa reserva energética?

Não conheço resposta diferente daquela dada pelo empirismo: adaptação.

As nuances se referem apenas a forma como essa adaptação pode ser provocada.

Alguns autores defendem uma combinação de estratégias de condicionamento fisiológico e alimentação sem que você seja obrigado a seguir uma dieta Low-Carb, como treinos em jejum ou exercícios fortes seguidos de atividade física moderada com algumas horas de intervalo sob condição de baixos estoques de carboidratos.

Para os que seguem a dieta, o acesso a essas reservas se dá em algumas etapas.

Nos primeiros dias há uma adaptação do seu corpo. É possível sentir dores de cabeça, fraqueza e um pouco de tontura. O efeitos são passageiros e duram, talvez, de dois a três dias.

Já do ponto da prática esportiva, a adaptação é mais demorada e a fase inicial desse processo é dura de lascar. Minha primeira semana de treinos foi a mais difícil entre todas que sou capaz de lembrar.

Aós quatro semanas após o inicio da dieta, minha condição já melhorou e me pus a testar algumas coisas  - consegui fazer dois longos de 5 horas de bike apenas com água e capsulas de sal e dois longos de 2:45 na mesma condição. Os dois treinos foram realizados com variação de ritmo constante (fácil+moderado/forte+forte).

Mas vale dizer que não dou pirueta sem rede de segurança - tinha um estoque de gel comigo e fique atento a todos os sinais do meu corpo.

Após esse esforço, ingeri uma bebida com carboidratos e proteínas na proporção 4 x 1 (aquela, você sabe) e uma colher de mel, pois é necessário recompor os estoques de glicogênio depletados após a atividade física. Essa recomposição não altera o estado de cetose (agradeço o esclarecimento ao Estevão Borges Jorge, do Grupo Running/Endurance Paleo Low Carb).

Até o momento, perdi medidas e não houve perda de massa muscular maior que aquele que experimentei em outros anos. Também não tive queda do sistema imunológico, cujo gatilho é uma herpes perto do lábio.

Mas, com tudo isso, é bem possível que eu faça a prova pagando o preço de uma adaptação que ainda não está completa. Algumas pessoas apontam que esse processo pode levar mais de três meses.

Mas o quê fazer durante a prova de Ironman tal como será Fortaleza?

Ainda estou coletando algumas informações para traçar a minha estratégia, que ficará para o próximo post.

É possível adiantar dois pontos: o primeiro, que está fora de questão a supressão completa dos carboidratos. Os treinos que fiz sem eles fazem parte do processo de adaptação - na prova a idéia é outra.

O segundo ponto é um pensamento do Peter Attia que não me sai da cabeça: mais importante do que você vai escolher para ingerir durante a prova é dieta antes dela, pois é nesse período que se constrói a chamada "eficiência enérgica" e o balanço de carboidratos e gordura ideal para você.

Se interpreto corretamente,  a necessidade de carboidratos não é uma aritmética abstrata entre o que é consumido e o que é gasto em calorias durante o tempo que dura o esforço físico em um Ironman - se isso estiver correto, as contas que fazemos na ponta do lápis na mesa da nutricionista são "chutes" podem superestimar nossa necessidade de carboidratos.

Confere produção?

Caminhando para os "finalmente", gostaria de guardar dois pontos.

O primeiro, é que esse relato não tem pretensão de ser uma cartilha para pessoas que pretendem fazer uma experiência desse gênero em provas de triathlon ou Ironman. O manejo de informações de saúde não devem ser objeto de publicidade, promoção pessoal e, portanto, consulte um profissional da área de nutrição que seja da sua confiança, seu técnico ou um médico antes de mexer uma agulha.

Bom, mas abre um parênteses aqui.

Os adeptos das dietas cetogênicas são céticos em relação ao trabalho de grande parte dos nutricionistas, muitos dos quais apenas repetem fórmulas derivadas de hábitos consagrados. Realmente, é frustrante quando se nota que muitos nutricionistas precisam de uma maior atualização em relação a temas novos, e não sabem rebater argumentos de pessoas que descobrem coisas sozinhas em sites especializados na Internet.

Eu sempre achei que valeria mais ser orientado por especialistas que estudaram quatro anos do que por pessoas que estudam o assunto por interesse próprio - mesmo aquelas com senso critico e inteligência aguçada.

Mas depois que descobri que o Rodrigo Constantino é realmente economista, escreve o que escreve e fala o que fala, achei que isso era uma bobagem....;-)

Falando sério...

Há camadas de complexidade sobre esse assunto e dificuldades adicionais quando não há familiaridade com os conceitos. Descobri textos que discutem a dinâmica da bioquímica humana nesse regime, mas são quase ininteligíveis para leigos ou exigem muita pesquisa para uma compreensão.

Nesse ponto é que se põe a nu os limites do autodidatismo.

Fecha o parênteses.

O segundo é que relatos pessoais tem a cara do dono e, por vezes, esse torce as palavras para que a situação pareça mais favorável do que ela realmente é. Por quê? Porque consciente ou inconscientemente ele deseja que a dieta dê certo e carrega o samba enredo apenas com as coisas positivas.

Vale sempre ser critico e desconfiado.

Afinal, isso aqui, não esqueçamos, é um Blog.



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Ponto de retorno....


Meu antigo técnico dizia que quando se termina um Ironman é bom a gente não treinar e muito menos falar em triathlon por um tempo.

As vezes esse "por um tempo" toma largura maior porque não há muita coisa no presente que não tenha sido descrita em outros textos que estão nesse blog, pois a vida no triatlhon é relativamente cíclica.

Escrever só vale a pena quando há algo diferente que pode ser contado.

Ou preciso pensar em reinventar esse espaço. Não sei....

De qualquer forma,  parei agora para escrever dois posts: o primeiro para descrever um pouco como foram os últimos meses e, o segundo, como está a preparação para o próximo Ironman.

Depois de Florianópolis,  retomei aos treinos de forma muito lenta e irregular - e sem vontade nenhuma. Acho que pela primeira vez pensei em desistir, pois a isso se somava uma reflexão difícil, encardida, sobre o destino que dou ao meu tempo.

Noves fora nada, me perguntei o seguinte: fazemos o que fazemos por busca de realização pessoal ou é apenas a incapacidade de parar, porque já andamos tanto que só nos resta continuar seguindo em frente?

Se você acha que estou questionando o "amor ao triathlon", tal como católicos e evangélicos experimentam em algum momento o desvio da sua fé, certamente não sou uma boa leitura.

Porque, assim como não existe geração, também não acredito em "motivação espontânea".

E, muito aqui entre nós,  desconfio que são justamente os mais românticos, aqueles que afirmam de pé junto seu amor todo santo dia, os primeiros a ficarem pelo caminho quando é necessário prender a respiração, aguentar e seguir em frente.

E como enfrentar a dura rotina do triathlon sem nenhuma força interior para transpor os obstáculos do dia a dia e cheio de dúvidas?

Reconheço que existem muitos que se atiram nos treinos com prazer e há aqueles que conseguem combiná-los com uma convivência social sadia e gratificante. Para outros, ainda, correr significa um "descanso da loucura", parafraseando uma linda frase de Guimarães Rosa ("Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura").

Mas o meu perfil é um pouco mais para aqueles solitários, compulsivos e com leve tendência psicopata que pensam o seguinte: se é para treinar, então vamos treinar "duela a quien duela"

Que, no caso, sou eu mesmo.

Os treinos nos últimos meses envolveram uma batalha física e mental entrelaçada e dura como nunca. E eu perdia quase todo dia.

Não foram poucos os momentos em que simplesmente não queria estar ali e desejava que o tempo passasse logo - podiam ser os tiros curtos de esteira, um Time Trial ou um vai e vem em piscinas de 25 metros.

E nem era o caso de dar como desculpa uma planilha apinhada de treinos pesados.

Pelo contrário, a programação para o segundo semestre não era nada complicada - uma hora por dia, esforço de fraco a moderado, sendo que apenas em três dias da semana os treinos eram em dois períodos.

Mas não estava dando.

Eu, que sou vespertino, não tinha ânimo para sair da cama pela manhã. Ao longo do dia, estava letárgico e sem energia. Depois do trabalho, me sentia exausto para ir para treinar. Só em pensar em pegar o carro e dirigir no final de semana para pedalar me deixava desolado.

Por outro lado, a alimentação degringolou. Eu estava perdendo o jogo para uma cadeia de hábitos errados. Quando treinava pela manhã, achava que tinha licença moral para comer porcaria ou evitar o treino a noite, afinal era uma compensação mais que merecida porque naquele dia tinha feito pelo menos uma parte da planilha.

Como estava no período pós IM e no inverno, a explicação lógica residia naquelas relações de causa e efeito que estão a mão para qualquer justificativa - perder o controle da alimentação depois do Iron é "normal" e o frio acaba reforçando a necessidade de calorias adicionais.

Então, vamos encarar isso como uma fase.

Só que a fase não passava.

Bem, o Rodrigo me cobrou porque não escrevi para ele. Mas sabe quando você não abre o guarda-chuva na rua porque acha que só tem uns pingos e dá para chegar em casa sem se molhar muito?

Coisa assim.

Foi então que ele estabeleceu uma pequena meta - apenas cumprir os horários e os treinos da planilha uma única semana.

That's it.

Ele é esperto. Plagiando o Antonio Prata, o diagnóstico dele era o seguinte: o problema não estava no carburador, mas no motor de arranque.

Então vamos era dar um tranco e deixar que a questão hormonal passe a agir como um auto-reforço para o carro começar a andar novamente.

Enquanto isso....

Em um dia da semana no mês de agosto, o Xampa combinou uma pizza aqui em São Paulo com um grupo de amigos e fomos lá colocar o papo em dia.

Ai o Xampa começa a falar da dieta Low-Carb, sobre a qual eu já tinha lido, mas apenas superficialmente. Lembrava de um artigo décadas atrás, na Triathlete Magazine, acho eu, depois esqueci completamente.

Recordei a conversa dias depois porque alguma coisa tinha despertado minha curiosidade. Resolvi pedir para mais informações. Ele me enviou vídeos, blogs e livros - coisa dos amigos que são realmente grandes amigos.

Pedi também algumas dicas para o Rodrigo, que me enviou um conceito minimalista do que ele pensa: a figura com um prato com duas cores, metade com vegetais, metade de proteína.

E um copo de água. ;-)

Pessoas diferentes, estilos diferentes.....

Na verdade, existem vários tipos e modalidades de dieta Low-Carb ou, como quiserem, dietas cetogênicas. Sem a pretensão de explicar um tema para a qual não tenho competência e que você mesmo pode encontrar pesquisando na Internet, vou fazer uso de uma pequena introdução tão somente para que você entenda esse post, não mais que isso.

O objetivo básico das dietas Low-Carb é a normalizar os níveis de insulina por meio da redução do consumo de carboidratos (massas, pães, açucares e até frutas adocicadas).

Grosseiramente falando, quando você ingere alimentos de alto índice glicêmico há um aumento da glicose no sangue e, consequentemente, liberação de insulina para que seu corpo possa utilizá-la nos músculos, nos órgãos ou armazená-la na forma de gordura. Mas com a queda da glicose, gerada justamente pela ação da insulina, você sentirá fome e todo o ciclo se inicia novamente.

Quando há um limite na ingestão de carboidratos, o corpo troca a matriz energética e começa a metabolizar gordura. Consequentemente, os níveis glicose no sangue ficam mais estabilizados e desaparecem os picos de insulina que transformam seu desejo por comida em um montanha russa.

Mas isso não significa o sacrifício adicional de evitar bolos, doces de leite, brigadeiros, tortas entre outros?

Na verdade, não.

Ao cabo de tudo, você enfim descobre que aquela vontade de atacar a geladeira de madrugada, se entupir de sorvete ou avançar no chocolate atrás da vitrine não estava vinculada a necessidade do seu paladar - era apenas um impulso decorrente de um ciclo hormonal descompensado.

O rompimento dos picos de insulina desata os mecanismos associam o prazer de um doce com o vicio por mais doces.

No meu caso, não foi fácil dar o chute inicial. Como a maioria das pessoas que pode estar lendo esse blog, eu fui condicionado que "gordura é ruim" e me privei de experimentá-la durante toda a vida, já que desde de fiotinho pratico esportes e isso continua até hoje.

Depois de superado o medo de comer bacon pela manhã, não há como descrever a experiência libertadora das paranóias que me tiravam o prazer de comer e manter o peso. Mais interessante ainda foi a sensação de saciedade e bem-estar, como se eu entregasse ao meu corpo algo que ele sempre  precisasse e sempre ignorei.

No início, é normal algumas adaptações e muitos exageros  - me senti um pouco mais tranquilo depois de ver uma palestra do Fabio Mollica no Camp da minha assessoria, em Guaratinguetá.

Para ter uma ação mais efetiva do ponto de vista da redução do meu peso para o IM de Fortaleza, optei por uma abordagem High Fat.

Existem outras.

Futuramente, pretendo ajustá-la tal como o Rodrigo a entende, isto é, menos de gordura animal e lacticínios em troca de frutas e alimentos de maior valor nutritivo - embora jamais pretenda abrir a guarda para voltar ao antigo modus operandi da alimentação High Carb.

Mas o mais importante é que minha vontade de treinar e a minha disposição mental voltaram rapidamente, tanto nos treinos regulares como nos longos nos finais de semana. Lembro indo para o Riacho e um pingos batendo no parabrisa - bem, em nenhum momento senti vontade de dar meia volta.

Esse ponto de retorno pode estar vinculado ao estratégia do coach ou tem explicação na dieta?

As duas coisas?

Ou tudo não passou de coincidência?

Eu conto uma história, mas nem sempre quem passou por tudo tem o melhor ângulo.

Mas o importante é entender que esse tipo de experiências não é "só uma fase".

Pensar assim pressupõe um mecanismo de regulação que estabiliza automaticamente nosso humor.

Seguindo esse raciocínio, o remédio é esperar o tempo passar.

Isso pode ser um equívoco.

Você percebe melhor as coisas observando aqueles que convivem com distúrbios crônicos de motivação associados a problemas orgânicos. A convivência com esse quadro dá a eles uma vantagem valiosa, pois desenvolvem uma percepção aguçada das nuances da sua disposição física, mental e emocional.

Para a maioria de nós, entretanto, as questões são um tanto obscuras e nos falta um "gatilho" que nos ponha em alerta em relação ao nosso balanço bioquímico. Um pouco desnorteados, achamos que a falta de motivação é uma questão de...."motivação".

Ou, para os românticos, da falta de "amor". ;-)

Logo faço um outro post sobre os treinos e o que estou pensando em fazer no IM de Fortaleza.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

O todo não é a soma das partes - o vácuo no Ironman 2014

Inegavelmente, o personagem mais importante do Ironman 2014 foi o vácuo, suplantando de longe o feito do Igor Amorelli, primeiro brasileiro a vencer a prova na categoria masculina.

A repercussão de vídeos e fotos em perfis na Internet deu-se de forma viral e todos fomos arrastados para o centro de uma discussão com os punhos levantados. Se o estopim da crise teve início entre as participantes da elite feminina, em um curto espaço de tempo alcançaram também a elite masculina e em um rastro de pólvora bateu na porta dos amadores.

Dentro desse último grupo, a questão gerou um tremendo mal estar, não apenas em relação aos que alcançaram as vagas para Kona, mas também entre aqueles que conseguiram bons resultados de forma geral. Em alguns casos, atletas de assessorias se viram na obrigação de se explicar, já que pessoas com o mesmo uniforme foram identificadas por um jogo de equipe.

Nesse clima tenso, vários amigos passaram a indicar sites de empresas que fotografaram o evento para atestar idoneidade e alguns (poucos) enviaram arquivos com dados de seus medidores de potência para o Max.

Enfim, instalou-se algo como um sistema de caça as bruxas que deixa a inquisição no chinelo.

Uma crise de confiança que nos levou a questionar profundamente um problema cuja grita é geral faz tempo: o sistema de fiscalização do IM Brasil é ineficaz porque não pune ou é seletivo no momento de distribuir penalidades.

De pouco adianta dizer que há um recorde de atletas penalizados se alguns réus confessos andam por ai distribuindo tapas e beijos nas redes sociais e nada acontece.

Entretanto, vou me arriscar onde está todo mundo vendo o que parece o óbvio.

No meu entender, muito se fala do vácuo, mas pouco se entende da dinâmica do ciclismo dentro do IM de Florinópolis.

E sem a compreensão dessa dinâmica, as imagens captadas por fotos e vídeos curtos jogam mais poeira nos olhos do que clareza sobre o que de fato acontece lá dentro.

No fundo, o vácuo é inerente as situações de prova de um Ironman e em algum momento todos vamos estar dentro dele, querendo-se ou não.

Para não falar dos outros, vou falar de mim mesmo.

Passei por várias situações no IM de 2014 e que estão sendo retratadas nas redes.

Entrei em agrupamentos transitórios que se formam em função da geografia ou do desenho do percurso, principalmente nas áreas adjacentes aos túneis, zonas neutras, afunilamento dos cones e retorno - mas as fotos não tem legendas.

Outra situação em que me vi inserido foram os grandes agrupamentos involuntários que parecem um "buraco negro" tamanho a força como te engolem. As pessoas não se conhecem e, quando você vai para a ponta querendo fugir, sua atitude é interpretada como a de um novo puxador de ritmo. No momento em que você cede, o grupo te coloca para dentro automaticamente como que lhe retribuindo um favor.

Eu apareço em um video dentro de um deles - e ninguém saberia se eu não falasse em razão da baixa qualidade das imagens.

Como estávamos contra o vento, eu não tinha meios de sair como fiz da primeira vez que os encontrei. O pelotão me bloqueava. Só consegui me ver livre depois de um tombo provocado pela ação de uma moto que levava um fiscal.

Também tive que lidar com agrupamento menores. Você está pedalando, ultrapassa um grupo de três ou quatro ciclistas. Esses pegam o seu ritmo, vem atrás e te ultrapassam novamente - só que não abrem. Você deixa que eles se afastem diminuindo um pouco, mas volta a alcancá-los e tudo acontece novamente da mesma forma.

Esses grupos são os que mais me estressam. É um desgaste daqueles.

Agora, alguém vai dizer que eu "fiquei na roda" e que me beneficiei do vácuo?

No caso dos atletas competitivos que estão na busca por posições, essas situações os colocam no fio da navalha. Como a regra que diz que o ciclista ao ser ultrapassado deve recuar não funciona, vários lutam com se estivessem em um disputa. Conheço amigos que são contra o vácuo, mas são pegos pela fiscalização em situações desse tipo.

Obviamente, não estou naturalizando um posicionamento que depende de escolhas pessoais e muito menos dando atestado de idoneidade para os que deliberadamente se valem do vácuo para fazer o seu resultado.

Existem também grupos que agem por combinação, escolta preparada por técnico(a)s e há uma turma grande de caráter duvidoso que depois da prova admite que pegou vácuo, mas o fez porque o da frente estava fazendo o mesmo.

Só que isso nós já sabemos.

Estou dizendo outra coisa: é pouco olhar todas as fotos e vídeos, mesmo que elas captem situações reais de vácuo no momento em que são feitos.

O que conta é a dinâmica de uma prova de 180k, não o ato isolado retirado do contexto.

Vácuo faz parte do IM de Florianópolis e o problema não são os três minutos em que você fica dentro dele, mas o quanto ele favorece seu resultado final.

É o todo que dá sentido e permite interpretar as partes.

E estamos fazendo o inverso.

Nesse sentido, dentro dessa loucura talvez a única coisa que tenha feito sentido foi a proposta feita pelo Max. Se é possível de ser implementada ou não, isso é outro assunto, mas nos deixaria menos vulneráveis a uma fiscalização caolha e olhares discriminatórios.

Do meu ponto de vista, é isso: podemos continuar com grunhidos, comentários ofensivos em redes e achar que esse post é oportunista porque o autor disse que pegou vácuo e agora se bandeou para o outro lado.

Ou podemos lidar com a verdade de uma forma decente e parar de jogar o lixo no quintal do vizinho.

sábado, 31 de maio de 2014

Ironman 2014


Escrever uma história na qual somos os próprios personagens aumenta bem a chance de um texto cheio de cascas de banana.

Não se trata apenas de falar sobre a distância entre o que ocorre e a nossa percepção - problema maior é o quão nossas lembranças podem ser seletivas, pois já sabemos que o eu que passou por uma experiência não é o mesmo que reflete e escreve sobre ela.

Para mim, nesse Ironman a coisa mais marcante foi a experiência da dor. Mas uma dor que não pode ser descrita como aguda, tal como um corte profundo, ou um incomodo insistente e constante.

Apenas uma dor.

Daria ibope se escrevesse que se trata de uma dor redentora, aquela que antecede a uma grande realização pessoal e purifica nossa alma depois de um grande esforço e uma brutal demonstração de força de vontade.

Mas não foi assim que aconteceu comigo. Não me orgulho disso.

Gostaria de terminar um Iron rindo, vibrando de punhos fechados ou exausto chorando por outras emoções.

Acho que muitos de nós convivemos com uma "angústia de realização" que suplanta o orgulho de superar a dor - quando o esforço cessa, a primeira sensação não é de alívio físico, mas uma inquietação: "poderia ter sido melhor".

Minha prova em 2014 tinha uma meta - alcançar o pórtico à luz do dia.

Nas semanas que antecederam a prova, especificamente no período de polimento, minha ânsia de antecipar mentalmente as dificuldades me fez sofrer por antecipação - coisa que ninguém comenta sobre as ambiguidades do processo de "mentalização".

Eu estava com medo de uma natação problemática. De longe, nadar é o que me deixa mais desconfortável dada a necessidade de combinar esforço, respiração e uma certa paciência para seguir lentamente entre as bóias e a praia. Sei que não vou ficar no mar, mas nos momentos mais críticos padeço do  esforço cego e da sensação de afogamento em razão da respiração descoordenada.

Nos dias que antecederam a prova, entretanto, trocando figurinhas com a Ana Oliva, ganhei dicas que tiveram um ótimo encaixe mental: se situe no seu grupo, não estresse com a pancadaria e foque nos seus movimentos.

Na largada, alinhei meus pensamentos, não deixei que o confronto com outros nadadores me irritasse e parei de pensar o quão longe estavam as bóias. Eu simplesmente aceitei as coisas como elas eram e pensei apenas no que estava fazendo.

Outra coisa importante foi ter nadado com o chamado "nado manco" ou "braçada esticada" com a respiração dois por um, tal como o Vinnie Santana tinha exposto em um video do MundoTri.

Conversando com o Rodrigo sobre o assunto dois meses antes da prova, ele achava que estávamos  em cima da hora para uma mudança de técnica - mas eu já tinha feito uns ensaios na piscina e, quando entrei no mar, foi um ato totalmente involuntário.

Percebi que tinha conseguido conciliar uma técnica de natação e uma estratégia mental que me levava para frente de forma consistente. A respiração pausada e o foco nos movimentos evitavam que me sentisse afogado e ansioso com a passagem do tempo.

Sai da água para 1:08 - dez minutos mais rápido que meu último IM. Depois fiquei sabendo que nadamos mais de 3.800 metros e achei o resultado ainda melhor.

Para a etapa do pedal, esperava um ótimo desempenho tirando por média os treinos de base na Ciclovia do Rio Pinheiros e no Riacho Grande. Vindo de um tempo de 5:22 no IM do Texas no ano passado, minha expectativa era um pedal dez minutos mais rápido.

Pedalei com cadência baixa como gosto e me senti forte nos primeiros 90k, fazendo algo próximo a 36km/hora. Apostava em uma primeira volta mais rápida para evitar máximo possível o vento naquela área próxima aos túneis.

No retorno da segunda perna, entretanto, o jogo mudou e as peças no tabuleiro foram rearranjadas bruscamente - as rajadas entraram forte e, creio eu, um pouco mais cedo do que o esperado.

Eu tinha feito a aposta a errada e meu corpo sentiu as consequências imediatamente.

Do ponto de vista mental, também foi uma lástima. Ao invés de me concentrar em cada pedalada, comecei a fazer uma espécie de "mentalização negativa", sofrendo por antecipar os trechos duros pelos quais ainda teria que passar.

A média caía e comecei a pedalar sem ritmo.

Quebrei.

Agora, escrevendo, não dá para não achar  graça das coisas que passam pela cabeça naqueles momentos. Você começa pensando "Hoje eu vou para Kona", uma hora depois "Nunca mais faço inscrição para essa porra de prova" e, 45 minutos mais tarde, "Fura agora pneu desgraçado, fura!" ;-)

E ai entramos na história dos pelotões. Vou apenas dar meu depoimento e deixar esse assunto para outra oportunidade se tiver algo novo para dizer. Já falei sobre o assunto em várias situações e a repetição continua dos mesmos argumentos fica com cara de sermão.

E também não vou citar nomes, pois as pessoas que montaram esse circo estão expondo de forma pública suas visceras umas às outras. 

Primeiro, vi três pelotões grandes,  fortes e organizados. Várias pessoas encaixadas dentro deles que juntas abriam vantagem com uma velocidade surreal, principalmente quando os apanhava no contra-fluxo vindo em direção oposta a minha. Era um povo que estava fazendo outra prova.

Infelizmente, muitos conhecidos e conhecidas.

Em seguida, havia pelotões de atletas mais fracos e oportunistas que foram se agrupando aleatoriamente. Eram bastante desorganizados, inconstantes e colocavam outros triatletas para dentro por gravidade. 

Fui engolido por um deles e tive que fazer força para sair, mas quando fui beber água em um retorno chegaram novamente - até que, um pouco adiante, a moto que levava o fiscal parou bem na frente enquanto outra vinha em linha reta contra o pelote.

Presencie um strike memorável e, caso estivesse lá dentro, não teria conseguido parar e sair ileso.

E, finalmente, menos visíveis e comentados, foram os pequenos agrupamentos com quatro ou cinco pessoas que entravam nos trechos mais estreitos marcados pelos cones e pedalavam juntos o tempo todo.

Eram menos eficientes que os grandes e fortes, mas mais eficazes se comparados com esses que acabei de descrever. Em teoria, funcionam bem para triatletas medianos no pedal façam tempos muito bons. Agrupavam amigos e pessoas de uma mesma assessoria - o que não significa, vamos deixar bem claro, que todos que estavam com o mesmo uniforme estavam com jogo de equipe.

Os pelotes atrapalham quem está com a cara do vento em pelo menos duas situações: quando somos obrigados a diminuir o ritmo para passarem ou, ao contrário, quando fazemos um esforço maior que o programado para deixá-los para trás.

Só que os pelotes explicam muito pouca coisa do meu desempenho.

A verdade é que estava perdendo o jogo para mim mesmo.

Percebi que não chegaria antes do anoitecer. Tive que repensar a prova que queria fazer e, mais importante, a prova que tinha condições de fazer.

Naquela condição, um tempo abaixo de onze horas seria uma vitória e tanto, embora estivesse desconfiado que correr depois uma maratona seria quase impossível. Os dois Irons do Texas me vieram a mente como um pesadelo porque neles me faltou força para correr. 

No retorno de Canasvieiras o vento arrefeceu e consegui recolocar um pouco a casa em ordem. Fechei para 5:28 e uma cadência média de 62 rpms/minuto.

Na transição me sentei por dois minutos, não senti nenhum sinal de esgotamento e minhas pernas estavam soltas. Comi dois pedaços de bolo com refrigerante e estava na prova novamente.

Fiz os primeiros 21k quilômetros na parte mais difícil da corrida me sentindo forte e com um pace excelente, pouco abaixo de 5 minutos para cada quilômetro.

Gostei demais do novo percurso da maratona. Não sei se é impressão minha, mas ficou menos travado e as subidas e descidas longas são ótimas para um bom ritmo.

Mas a partir do quilômetro 30 comecei a perceber as dificuldades e, faltando apenas seis para terminar, me vi encrencado.

Perdi a passada da corrida e meu joelho começou a doer como nunca tinha doido, sendo que ficava pior quando eu andava nos postos e retomava a corrida. Tentei novamente me concentrar na respiração pausada, acertar o pace de forma decente e não pensar na distância.

Mas a verdade é que eu não tinha trocados para pagar o restante da prova. Correr fraco se tornou algo para a qual eu precisava fazer um esforço tremendo e uma vontade avassaladora de parar não saia da minha cabeça.

E nesse momento lembro perfeitamente do apoio das pessoas que estavam dentro da prova fazendo, elas próprias, uma bela corrida, mas sempre doando uma palavra de incentivo todas as vezes que nos cruzávamos. Cito de cabeça o Guto e o Julio em meio a vários outros que não conseguia identificar porque não tirava os olhos do chão.

Fora da prova, não posso deixar de mencionar o Mauricio Letzow e o Orlando Castilho, que perceberam aquele momento critico e me apoiaram sempre que nos encontrávamos no percurso. Com o meu coach dentro da prova, fiquei amparado por essas duas figuras sensacionais.  Ambos agiram sem olhar a cor da minha camisa e por um estilo de camaradagem que nos lembram valores cada vez mais esquecidos.

Nesse sentido, pensando alto, não deixa de ser curioso com o IM pode ser um evento cheio de contradições. Em certos momentos você está de frente com o tipo mais cru de deslealdade e, em outros, vê gestos de companheirismo e solidariedade que calam fundo na alma da gente.

Já indo para a parte final, algumas pessoas apontavam "apenas" dois quilômetros mas, ainda assim, a vontade de parar era como uma bigorna na minha cabeça. Meu estoque de vontade não existia mais.

Nosso cérebro não tem odômetro e não faz diferença para ele se estamos a 20 quilômetros ou 20 metros do portal. Olhava as luzes que iluminavam a arquibancada ao lado pórtico e pareciam inalcansáveis como as estrelas.

Totalmente atordoado, sem expressar nenhum tipo de comemoração, fechei a maratona para quatro horas e a prova em 10:49.

Um pouco aliviado pelo resultado abaixo de onze horas, mas frustrado por ter feito uma prova tentando amenizar os danos colaterais de uma estratégia equivocada.

Mas é assim. O Ironman é uma prova cheia de armadilhas e cobra muito caro pelos erros.

As vezes fico pensando que, se há toda uma sabedoria convencional disponível para quem vai para sua estréia em um IM, dai para cima o desamparo é geral.

Não importa o número de Irons que uma pessoa tenha, a experiência da prova não se acumula facilmente - quando dizemos que "cada Iron é um Iron", implicitamente assumimos que os eventos passados fornecem um parâmetro fraco para olhar o futuro - corrigimos os erros de um IM para descobrirmos outros no próximo.

Acertamos nossa nutrição para descobrir que temos que ajustar nosso bike fit. Ajustado o bike fit, melhoramos nosso pedal para, em seguida, percebemos que isso de nada adianta se não conseguirmos correr depois de um esforço maior na bike - e quando tudo se encaixa e nos tornamos mais rápidos, temos que mudar novamente a nutrição....

Uma espiral de ajustes que lembra o dilema de resolver um quebra cabeça tridimensional chamado Cubo de Rubik - também conhecido como "cubo mágico". Você tem que montar seis faces alinhando simultâneamente todas as cores de uma vez só.

São 43 252 003 274 489 856 000 combinações possíveis. 

Mas um Ironman não é um jogo de encaixe com uma solução matemática e não há nele nenhum algoritmo que nos aponte a melhor maneira de realizá-lo.

Ele é o resultado de um balanço confuso entre perícia e acaso. Um jogo imperfeito para um cara que não tem como vencer todas as vezes e que busca apenas um dia raro, inesquecível e verdadeiro.

E o sol no horizonte.


terça-feira, 8 de abril de 2014

Long Distance Caiobá 2014

Desde de 2009 sou uma figurinha fácil no Long Distance Caiobá.

O Vinnie já dizia que é o melhor evento do gênero para o check-list final do Ironman e, sendo uma prova relativamente menos desgastante, encurta a recuperação e possibilita o retorno mais rápidos aos treinos.

Dadas todas as mudanças que ocorreram no calendário do triahlon de longa distância esse ano e a realização do 70.3 de Brasília no mesmo dia,  confesso que fiquei um pouco curioso sobre o que aconteceria com o Long Distance Caiobá.

De imediato, o esperado: a prova ficou menor, com cerca de 1/3 dos inscritos na prova da Latin Sports.

Mas quando cheguei na cidade, fui encontrando triatletas que fazem parte um time de peso - Cristiano Santos, Marcelo Penna, Phillphe Gondré, Joachin Doedin, Fernando Cesário e tantos outros, muitos deles com uma parada duríssima nas suas respectivas categorias.

Nesse sentido, o Long Distance pode ter perdido em número participantes, mas em termos de competitividade a prova surpreendeu quem esperava uma fuga dos amadores de ponta para o 70.3 de Brasília.

Outra coisa interessante foi que a prova ficou ainda mais comunitária. Um amigo acostumado ao padrão Latin Sports me perguntava: não tem que deixar a bike na transição um dia antes? Não tem sacola? Não tem marcação? Não tem número na toca?

Não, não tinha nada disso. Tinha apenas uma coisa chamada "triathlon", disse brincando para ele...

Não fui ao congresso técnico e não sei como os atletas foram avisados sobre isso, mas em certos trechos da orla carros e corredores compartilharam o mesmo espaço.

Embora a via fosse apertada, os motoristas me pareceram cuidadosos e aquilo não atrapalhava a corrida.

E não notei reclamações dos atletas e nenhum tipo de estresse.

Alguém explica?

Talvez estejamos acostumados a ver as provas tais como passageiros de cruzeiros marítimos ou de assentos na primeira classe de vôos internacionais, em que você entra em um lugar controlado para se sentir totalmente seguro e ser mimado por mordomias de todo tipo. Achamos que temos direito porque pagamos e pagamos caro.

Seguimos o roteiro desenhado pelas empresas, que não se limitam a nos vender uma infra-estrutura para nadar, pedalar e correr, mas ainda se servem de toda parafernália midiática ligada ao tema "superação" para nos sentirmos dentro de uma aventura - mas talvez elas nada mais façam do que aguçar nossos instintos sanguinários de consumidores de shopping center.

E quando descobrimos que esse ambiente é uma fantasia que só existe no folder da prova, ficamos transtornados. Mas, azar: quem mexe com emoções tem que estar ciente de que os resultados podem ser explosivos.

E como na Internet amor e ódio fluem rapidamente, o estrago é feio.

Obviamente, não estou defendendo o outro extremo, como provas sem fiscalização, piso esburacado, falta de água ou condições mínimas de segurança.

Porque não acho que precisamos ficar entre escolhas extremas.

Na minha opinião, o 70.3 de Brasília de certa forma ajudou o Long Distance de Caiobá, pois redimensionou a prova de Curitiba para o número de atletas que ela realmente pode comportar.

A "pancadaria" na natação se limitou ao retorno da primeira bóia e os pelotões simplesmente sumiram - o que me frustou um pouco, já que não me deram a oportunidade de xingar ninguém. ;-)

Bom, mudando um pouco de assunto...

Em relação ao desempenho, eu não estava muito animado. Tive uma lesão no músculo posterior da coxa duas semanas antes do Internacional de Santos e passei quase um mês sem correr. Fui voltando aos poucos, sem intensidade e aumentando gradativamente o volume a fim de ganhar confiança novamente.

Mesmo curado, estava com aquelas dores musculares típicas de quem passa muito tempo fora de uma atividade e volta a fazer treinos um pouco mais pesados.

Nesse sentido, a prova seria basicamente um treino de luxo para testar o que precisava ser testado para o Iron. E, como sempre, sem polimento.

Com tudo isso mantive minhas expectativas em um patamar realista e me programei com o Rodrigo para fazer uma prova típica de um atleta maduro, consciente e dentro das minhas possibilidades, já que o mais importante é o IM em Floripa.

Isso só da boca para fora, lógico, porque chegando lá a gente esquece tudo isso e dá o que pode e o que não pode para fazer o resultado...

O coach fica doido da vida mano..... ;-)

Mas comecei muito desanimado, porque a minha natação não foi boa - na primeira das duas voltas a correnteza me afastou dos nadadores e sai mais de cem metros longe do pórtico para fazer o primeiro retorno.

Consequentemente, na segunda perna perdi a confiança e fiquei mais preocupado em não perder o rumo do que em nadar - o sol estava exatamente em cima da segunda bóia e nos cegava completamente. Resultado: nadei para 38:19 (com a transição - acho eu....)

Sai para o pedal um pouco desconfiado da minha coxa esquerda, que estava dolorida nos dias anteriores.

Mas sem essas dores, os treinos de intensidade e big gear no rolo, assim como os longos na Ciclovia do Pinheiros,  me deixavam mais confiante para exigir um pouco mais no pedal.

Fechei a bike na casa dos 2:18 e me senti feliz em cima do selim, principalmente pelo torque que os treinos me deram para pedalar contra o vento.

Na corrida, era uma incógnita. Meu objetivo ali era tentar a meia em menos de 2 horas, com um pace entre 5:00 ou 5:30.

Entretanto, quando sai para correr não senti as dores na coxa - mas não abusei. Fiz a primeira volta mais tranquilo correndo naturalmente, sem olhar para o relógio e tentando me sentir relativamente confortável.

O resultado me surpreendeu um pouco, pois fechei para 1:39.

Mas teve um lado negativo também:  minha corrida confortável refletia mais meu receio de sofrer do que as dores musculares.

Esse, por hora, é o meu sinal de alerta para o IM de Florianópolis - estou um pouco assombrado pelo medo de sofrer e não estou sabendo lidar com isso mentalmente.

Bem, ao final, o tempo total foi de 4:37.

Ano passado perdi a premiação do quinto lugar por dois segundos. Esse ano, com 25 minutos a mais de prova, consegui meu primeiro pódio.

Não acredito em justiça ou destino. Mas acho interessante essas ironias.

Foi bacana subir no pódio, principalmente pelo sorriso largo do Marcelo Penna quando me viu lá em cima e apontou pra mim, pela força que o Luciano Focá e o Clodoaldo me deram na corrida enquanto os dois davam um show a parte, e pela farra que o Allan e a turma que estava com ele fizeram quando me viram com o troféu na mão.

Voltei para São Paulo com insolação e cheio das dores. Mas valeu por tudo.

Foi uma reconciliação com uma prova que em anos anteriores envolveu uma disputa desleal na elite e mais ainda entre os amadores que se amontoaram em pelotões. Como esquecer a tensão e todo bate-boca em torno das punições?

Sem esses problemas, foi possível ver Caiobá de outro jeito.

É como se a gente tirasse a maquiagem para descobrir que a prova, mais simples, fica mais bonita - a praia mansa é um achado para se nadar, o pedal é rápido, intenso e belíssimo e a corrida é um vai e vem de amigos que se encorajam mutuamente.

E tudo isso sempre esteve lá, mas por miopia ou vaidade as coisas mais importantes sempre são as mais difíceis de serem reconhecidas.

Tal como me fez lembrar o Allan, que passando por mim com o rosto sofrido, aponta para o céu e diz sorrindo "Bessinha, olha que dia lindo".

Foi lindo....