Ontem foi o dia do Revezamento Bertioga-Maresias. Fiz os 75k sozinho.....
Quer dizer, "sozinho" ninguém faz nada. Poucos são capazes de correr uma distância dessas realmente sozinhos.
Não fosse o apoio do Daniel na bike, do Sandro e da Selma, esposa do Joel, eu estaria aqui escrevendo como quebrei no quilômetro x ou y.
Fica melhor dizer mesmo Survivor, tal como a organização da prova chama a categoria.
Combinamos eu, Tori, Macá e Sandro nos encontrar aqui em SP às 19:30, jantarmos, chegarmos lá em uma hora e acordarmos cedo para a prova. O Macá também foi para tirar fotos para o site dele.
Obviamente, nada disso aconteceu. Saímos as 22:30, fomos por Mogi, o GPS nos pregou aquela peça e rodamos Bertioga por horas! Bem, o resultado é que fui dormir as 2:30 da manhã!
Básico!
Mas, sem crise. Ao longo do tempo umas das coisas que aprendi é que, embora o planejamento seja necessário, se você encara os detalhes com muita obstinação, o stress é inevitável porque o mundo não vai se dobrar a sua vontade. Você acaba perdendo o foco do que realmente interessa e se atrapalha antes da prova começar.
Na largada, encontrei o Joel e saimos juntos. Ele pretendia fazer o que fosse possível - quiça terminar a prova. O Daniel nos alcançou de bike e percorremos as praias batendo papo, rindo e contemplado o entorno.
A estratégia era correr 15 minutos e andar outros 5. Até o final.
Confesso que foi duro parar de correr ainda no inicio da prova para caminhar - uma senhora vê dois marmanjos andando e dá uma dica super simpática: "Vocês aceitam um dica de uma velhinha? tentem correr mais um pouquinho porque lá na frentes vocês vão ter que andar mesmo!"
O Daniel ainda ouviu em um PC uma mulher comentando "Onde já se viu, não estão aguentando agora...imagina lá na frente?" (rs)
Mas segui a regra. Fomos passando as praias. Batendo papo, colocando o pé na água sem medo e olhando o grupo de corredores solo se dispersar. O tempo estava excelente. A chuva ameaçou cedinho, mas não veio. O sol também não saiu e a umidade, forte no inicio, melhorou bastante ao longo do dia.
O Daniel nos fornecia tudo que pediamos e não descuidamos da nossa alimentação - a cada 55 minutos, eu tomava um GU, bebia água e seguia. Levei BCAA e Ornitagim conforme a orientação do Mário, o nutricionista que montou a estratégia da prova. Passei para o Joel também - depois, pensei eu, poderia recompor o estoque com o carro de apoio.
Entretanto, nesse meio tempo, um certa desconexão com o carro de apoio aconteceu. Começou a faltar água e o carro se adiantou nos PC´s, ficando mais longe da nossa posição. O Daniel poderia dar conta tranquilamente do abastecimento de duas pessoas, mas sua "autonomia de voo" era limitada. E ao passarmos por vários PC´s sem encontrar ninguém, o Joel começou a ficar preocupado com a Selma (ou melhor, como a Selma poderia ficar preocupada com ele...).
Como disse, eu já esperava que as coisas não acontecessem a contento do ponto de vista do planejamento. Mas também não cabe exagerar!
Levamos a situação até onde era possível, mas quando o Daniel ficou preocupado, ligou para o carro, que estava muito longe - dois postos a frente da nossa posição!!!!!
Decidiu então ele mesmo ir buscar água dando um gás na bike, nos deixando por um tempo sozinhos.
Eu continei correndo sem muita preocupação em função da confiança no biker. Uma coisa que o Daniel sabe é se virar (o cara ai do lado). E ele não pergunta como fazer isso. Ele resolve problemas, não cria outros. Em pouco tempo estávamos novamente escoltados por ele e devidamente abastecidos.
A dinâmica da corrida voltou ao normal. Mas comecei a perceber que estava correndo mais focado. Não sei se me falta a paciência dos verdadeiros ultramaratonistas, ca
pazes de segurar o ritmo de forma metódita a fim de distribuir o esforço de forma compatível com percursos muito longos.
Sem abrir mão da estratégia 15 x 5, eu me deixava levar pelo ritmo que meu corpo ditava. E me sentia realmente forte. Quando entramos em um trilha, pegamos um single track e, querendo sair da lá rapidamente para não andar e atrapalhar quem vinha atrás acelerei, trazendo o Joel junto.
Foi como correr como criança! Difícil explicar o prazer ali, desviando de galhos e pulando pequenas poças. Para mim, foi a parte mais marcante do dia. Quando sai de lá, cumprimentei o Joel porque estava realmente feliz pela sensação quase infantil de ter encarado a brincadeira de correr no mato....
Mas acho que me deixei levar e o Joel, fazendo uma avaliação do condicionamento e do ritmo da prova, resolveu diminuir. Eu não sabia o que viria pela frente e achei que ele se recuperaria - encontramos a Selma em um dos PC´s e ela nos passou um Gu com sódio.
Ele se recuperou, mas em parte. Quando estávamos na estrada, me desejou boa sorte e me deixou.
O que aconteceu foi que meu ritmo foi aumentando. Quando percebia que puxava demais, eu procurava diminuir e manter o Joel do meu lado. Até aquele ponto, ele era o pêndulo da dupla, marcando o pace ideal para nós dois.
Só que não conseguia me segurar e novamente aumentava a velocidade.
Refleti depois sobre isso e, se interpreto bem as coisas, na verdade eu estava querendo entrar em "velocidade de cruzeiro". Eu aliviava, mas depois, meio que involuntariamente, aumentava o ritmo procurando alcançá-la. É realmente difícil explicar isso....
Você encontra um tal equilibrio no pace que parece que você corre e descansa ao mesmo tempo.
Bom, mas o Joel!
Eu não sabia se ele iria parar definitivamente, então pedi ao Daniel para dar suporte para nós dois. Ele retornou, mas não encontrou mais com ele. Como a Selma já tinha passado por nós, fiquei um pouco mais preocupado. Mas havia muita gente por lá e, como não era um problema de saúde ou contusão, pensei que ele poderia caminhar até o próximo PC e dai tomar a decisão de continuar ou não.
O Daniel retornou e ficou ao meu lado. Fomos seguindo. Quando corria, fazia 10 km/hora e andava forte. Passei por um corredor que estava sozinho e o cumprimentei. Era o Alberto!!!!
Um ultramaratonista que me foi apresentado pelo Xampa quando esse descobriu que eu iria partir para essa aventura.
Foi por meio de todos os e-mails que troquei com o Alberto que minhas dúvidas e inseguranças foram embora. Conversamos virtualmente sobre tênis, roupas, suplementação, ritmo, ansiedade....enfim. O Alberto foi de uma generosidade enorme e tenho uma divida de gratidão com ele que dificilmente vou conseguir retribuir.
E naquele ponto, com pouco mais de 30 km, eu estava realmente consistente. E feliz. Correr na praia com o horizonte aberto é uma experiência extraordinária. Como comentou o Alberto, somente as Ultras são capazes de gerar tanta felicidade. É verdade. Já fiz o Iron e provas de 70.3 várias vezes, mas somente na Ultra o prazer era superior ao esforço.
Mas acho que o Alberto ficou um pouco preocupado, porque o final da prova era duro e eu poderia quebrar. Mas, ao invés dele jogar na retranca, colocando minha capacidade em jogo, ele me incentivou a correr conforme a minha passada natural. Segundo ele, eu chegasse cansado na parte final, ainda assim eu poderia ser raçudo o suficiente para me dar bem!
Aquelas palavras me deixaram mais confiante e me despedi do Alberto. Talvez o encontrasse mais a frente, porque nós iriamos correr o dia inteiro e tudo poderia acontecer.
E continei correndo. Era absolutamente fiel a estratégia de correr e andar. Aproveitava para me alimentar com batata, Gu e até Club Social com um tantinho de maionese - claro, a bagaça tinha que ser do Daniel, né? Acho que na mochila dele só faltou mesmo bacon e leite moça....;-))))
Nesse espaço de tempo em que andava, também descansava a musculatura e recuperava capacidade aeróbica - como resultado, desenvolvia ótimo ritmo no plano e fiz todas as ladeiras correndo - como eu não tinha feito treinos em subidas, fiquei preocupado com os paredões do percurso.
O joelho incomodava ou doia conforme mudava o piso. Mas tudo sob controle.
Até o quilômetro 65, eu estava absolutamente confiante que o resultado seria muito acima das minhas expectativas, com possibilidade de fazer a prova sub 8 horas! Algumas dificuldades? Sim, natural.
Mas acho que fiz as escolhas corretas antes da prova em termos de vestuário e acessórios.
O tênis Newton Trainer é muito leve e ótimo para correr no asfalto. Na praia, foi uma grata surpresa, pois não sentia o pé encharcado e a água escorria com muita facilidade.
Mas não a areia.
Ai entra a meia que comprei na North Face. Com ela meu pé ficou protegido de tal forma que não tive uma bolha sequer!
O único probleminha do Newton é que ele não tinha estabilidade o suficiente para correr nos estradões com pedras grandes e piso irregular. Existe um modelo para corrida para trilhas, mas o tênis é tão e difícil de trazer para cá que abortei a idéia. Tudo bem que, quando você está fazendo provas de endurance, os detalhes podem se transformar em pesadelos - ainda que, depois, você reflita melhor e note que esses pesadelos decorrem mais de um estado psicológico momentâneo do que de um problema de fato.
Isso atrapalhou um tanto o ritmo. Mas não creio que valeria a pena comprar um tênis para correr trechos específicos, pois a maior parte do percurso é na praia e no asfalto (esse assunto Alberto também já tinha me adiantado!).
Bom, mas retomando: foi a parti do quilômetro 65 que abandonei a estratégia de correr e andar.
Explico: a musculatura da perna ficou mais pesada e eu perdi minha passada natural. Cada vez que eu andava e tentava retomar a corrida, era como se tivesse que embalar uma jamanta!
Ainda assim estava tão confiante que não sentia necessidade fazer algumas coisas que algumas pessoas me sugeriram muito fortemente, como trocar o tênis, meia, camisa....
E faltavam apenas 4 quilômetro para o final...Mas ai...
Mas ai tem a Serra de Maresias!
E ai a coisa foi para o brejo.
Não, não quebrei. Também não senti dor muscular. O joelho? Não. Cansaço? Passou longe!
Tentei correr e consegui fazer 1/3 do percurso assim. Passada curta, leve e usando a força com o pé inteiro no chão (aliás, lembro agora, dica do Maluf quando eu passei ele em uma dos barrancos pelo caminho). Você não força a parte cardiovascular e divide o esforço em vários pedacinhos (Ironguides puro!)
Mas, de repente, perdi a passada! Simples assim....
Eu não consegui executar o movimento e comecei a caminhar - as vezes, caminhar pode ser mais eficiente que correr - claro, você pode pensar assim.
Só que não foi o meu caso.
Eu caminhava como se estivesse quebrado, embora estivesse tudo em cima. Totalmente descordenado e sem foco.
Ai senti um pouco de enjôo e andar na subida me deixava exausto!
Aquile trecho tirou o meu ritmo e esfriou a musculatura. Quando fui descer, alguém tentou me incentivar dizendo "Agora você descansa!!!"
Foi pior!!!! Desci com freio de mão puxado com medo de me machucar. Por várias vezes caminhei, sentindo a coxa e o joelho. A descida cobrou um preço tão alto quanto a subida.
Meu estado de ânimo se alterou completamente. Por quê raios alguém promove uma corrida e põe no percurso um lugar onde não é possível correr? Faltando oxigênio no cérebro, minhas questões mais elaboradas se resumiam a esse tipo de indagação (ou indignação!)
Meu mal humor estava no limite! Ao encontra um sujeito sentado no caminho, ele tentou me incentivar e disse "falta apenas 1 km". Eu disse, estressado e de forma estúpida, "Até parece que isso é pouco". Ele respondeu de forma muito simples "É verdade! Para quem correu já correu tanto...eu também andei nesse trecho...".
Bom, eu que agradeci cada copo de água e cada palavra de incentivo, dei uma de besta quadrada justamente com o cara que tinha ganhado a prova e estava lá sentado esperando alguém....
Terminei a descida e entrei na praia novamente. Tudo o que eu queria era algo plano para correr. Fui para perto das ondas. Mas ali a areia era tão fofa e irregular, que o meu pé esquerdo afundava mais que o direito e eu tinha que correr mancando de lado...
Para quem gosta de cruzar a linha de chegada fazendo pose, essa prova não é das melhores.
Fechei a prova em 8:50:59. 48 entre as 93 pessoas que chegaram na categoria solo (133 inscritos).
Ao passar pelo portal, entretanto, fiquei consternado. Não havia área de dispersão com frutas, gatorade ou mesmo um lugar para você sentar ou esticar as pernas. Massagem, então....
Por último, gostaria de dizer obrigado. Sem medo de ser piegas, lá vamos nós!
Meu desejo seria apertar a mão e dar um abraço em cada pessoa, como fiz com o Thiago e o Alberto lá em baixo. Palavras de incentivo ou ensinamentos do Mr. George Volpão, da generosidade do Xampa, do incentivo do Caio, do Colluci, do Edú, Edú Carvalho (consegui Edú!!!), da Cintia, da Guga, da Bombom, do Fernando, da Yeda, da Selma, do Joel, do Mário (nutricionista) e de todo mundo que deixou um recado no Blog quando eu estava narrando, semana a semana, como eram os treinos! Artur, Canela Fina, Kiko e um montão de gente bacana!
Ao Vinicius Santana, do Ironguides, o que vou dizer? Depois do Long Distance de Caiobá em abril, do Iron 2010 em maio e do 70.3 de Penha em agosto, ainda me deixa em condições de correr uma Ultra em outubro. Tudo isso sem me machucar, sem "over" isso, ou "over" aquilo...
E para as pessoas que se dirigiram a mim em qualquer momento da prova e disseram, "Parabéns Solo". Eu não sei o nome delas, não sei onde moram, não sei quem são. E isso me dá uma sensação de impotência, mas ainda assim gostaria de deixar claro que não foram palavras ao vento e que cada cumprimento realmente calou fundo!