quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O crime não compensa. Mas o doping....

Uma das coisas que acho uma tortura no Facebook é merchandise de triatleta amador.

Não coloco tudo no mesmo saco - conforme já escrevi por essas bandas, creio existem triatletas que vinculam sua imagem a um certo estilo de vida e isso lhes agregam apoios e patrocínios.

São veganos, diabéticos ou celíacos.

É uma lógica associada ao bem-estar que se valida comercialmente por um vínculo coerente entre patrocinado e patrocinador.

Mas em geral a realidade é bem outra.

Com raras exceções, as empresas oferecem um mercado de pulgas com caixas de tênis, uniformes ou amostras de suplementos com data de vencimento perto do prazo.

Profissionais que não conseguem nenhum outro apelo que não seja "somos profissionais" ficam emparelhados por um amplo espectro de triatletas amadores que disputam os parcos recursos que os tais "apoiadores" estão dispostos a oferecer.

E o que ganham esses amadores?

Como não consigo ver benefício econômico em brindes, a única explicação que encontro é a diferenciação por status - o desejo por um lugar no imaginário dos triatletas.

A invenção dos hashtags abriu uma avenida para quem adora aparecer e, em que pese de gosto bastante duvidoso, é um puleiro danado para quem quer estar em todo lugar ao mesmo tempo.

Mas há coisas que na minha profunda miopia não sou capaz de ver.

Dopados cantam em uníssono em relação às mesmas assessorias, nutricionistas, médicos e lojas de manipulação. E os casos que hora e meia são divulgados não esvaziam esses lugares que, ao contrário, antes parecem cada vez mais cheios com clientes que adoram um selfie com o dono do recinto.

Isso foge a  qualquer expectativa racional descrita em um manual de marketing, mesmo desses que se vendem em livraria de aeroporto.

Outra coisa: qual a lógica de marcas serem promotoras de atletas amadores associados ao doping?

Recentemente, um atleta que está suspenso por uso de EPO no 70.3 de Brasília fazia promoção da Specialized e suplementos, com as hashtags #imspecialized  #specialized # specializedbr  e outras piruetas verbais um tanto cínicas como #foco, #determinação, #objetivo etc etc etc.

Muito do que se fala sobre o tema é visto como uma repreensão moralista por alguns e há pessoas que sabem o que dizem alegando que tornar o assunto caso de policia deve ser melhor discutido. Olhando friamente, certamente o doping como crime contra a saúde ou corrupção esportiva é horrível, mas não está no mesmo patamar que outras infrações bem mais graves.

Agora, é feio um sujeito tomar uma suspensão por uso de EPO e passar assobiando em redes sociais como se o assunto não fosse com ele. Recursos escassos que deveriam estar nas mãos de quem precisa e faz do triathlon um meio de vida estão voando por ai com atletas que foram pegos em clara ação antidesportiva.

Quando a Nike rompeu o contrato de patrocínio com Lance Armstrong,  apontou claramente que não tolerava o uso de drogas ilegais para melhorar o desempenho em competições esportivas e se disse enganada pelo ciclista. Fizeram mesmo a Oakley e a Trek.

É impossível dizer se foram realmente enganados ou optaram pelo cinismo.

Mas a Specialized e todos os demais envolvidos com o atleta não têm essa opção.








quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O Elefante no Ponto Cego

Esses dias o Ulisses Franceschi postou o seguinte comentário no Facebook,

Era uma vez um esporte onde existiam algumas verdades:
- Quem não sair no primeiro pelotão da natação não ganha mundial.
- A bike é só uma preparação para a corrida.
- Para ganhar Kona tem que ser um atleta pequeno.
- O segredo é sair da água no primeiro grupo, fazer o jogo com esse grupo no ciclismo e correr bem.
- Medidores de potência são fundamentais na bike para se correr bem.
Aí, veio um cara e pulverizou tudo. O nome dele: Sebastian Kienle.
Fim.

Várias pessoas curtiram e comentaram esse post - e fiquei com a pulga atrás da orelha com o tamanho do elefante que se esconde no ponto cego do texto, mas nós não notamos.

Outro dia um amigo postou uma foto de um triatleta que ganhou uma prova na sua categoria e lá aparecia o rapaz com capacete vazado e roda comum.

Daí a pergunta inevitável: quem disse que precisamos de capacete aero e rodas aerodinâmicas para ganharmos uma prova?

Vou fazer uso de um argumento do Daniel Kahneman com uma leve adaptação para tentar fazer com que se visualize o elefante.

Pense em Ana.

Ana reside e trabalho aqui no Estado de São Paulo e tem uma personalidade que pode ser descrita como simpática, embora com pouca desenvoltura para contatos sociais, e que necessita de ordem e estrutura em tudo que faz. Além disso, tem uma grande paixão pela leitura desde criança, o que pode estar associado ao fato de que seu pai tenha sido professor.

Se ao acaso encontrássemos Ana na rua você diria que existe maior probabilidade de estarmos diante de uma bibliotecária ou uma recepcionista?

Sua mente está dizendo que se trata de uma bibliotecária, mas resiste a responder assim porque eu não teria motivos para fazer uma pergunta cuja resposta parece tão óbvia.

Mas, como diz aquele comentarista de ciclismo, piriri-pororó, é provável que você crave em bibliotecária.

Entretanto, deixe-me expor dois dados.

Em São Paulo existem cerca de quatro mil bibliotecárias.

E mais de 154 mil recepcionistas.

(verdade, eu fiz esse levantamento)

Mudou de idéia?

Os mais atentos certamente já devem estar vendo a tromba do elefante.

É muito comum fazermos julgamentos ignorando dados em troca de esteriótipos.

Não se trata de um problema decorrente da sua habilidade no trato com os números – quando testes como esses são aplicados a estudantes de estatística, eles caem no mesmo viés.

Os argumentos por esteriótipos insistem em histórias simples e bem contadas, tais como aquelas ilustradas com fotos de um triatleta segurando um troféu, um capacete vazado e que diz nunca ter usado um medidor de potência.

Mas, supondo-se que todos os outros triatletas que venceram nas suas respectivas categorias dispusessem desses equipamentos, não é de se supor que capacetes aerodinâmicos e powermeters podem ser de eficácia maior porque estão associadas a um número maior de vencedores?

Por que achamos que 1% dos casos têm maior poder explicativo do que aquilo que acontece em 99% das ocasiões?

Se Sebastian Kienle é de fato uma exceção, ele não invalida as verdades citadas no post, antes as reafirma ainda mais.

Mas, também é possível que o alemão não seja de fato uma exceção e o Ulisses esteja correto.

E ai reside o problema mais grave: não temos como saber.

Pois alguém já sentou e colocou na ponta do lápis se Kona é realmente para atletas pequenos? Se medidores de potência são realmente importantes para uma boa corrida? Se uma boa performance no pedal pressupõe sair da água com o grupo da frente?

Temos idéia do montante de "verdades" cuja comprovação é apenas resultado de esteriótipos? Ou de argumentos de autoridade, tal qual aqueles que começam uma sentenças do tipo “Mas o Brett Sutton....” e para a qual não se pode afirmar absolutamente nada fora dos estudos de caso?

E se boa parte das idéias tidas como sólidas no triathlon é apenas o resultado ampliado das nossas intuições coletivas? Das nossas especulações de Facebook? 

E nossos técnicos? Não são suscetíveis eles também a esses viéses tanto quanto qualquer outro?

E o mais importante: o elefante apareceu para você?