No momento em que a WTC suprime a disputa entre profissionais em algumas etapas do Ironman e organizadores americanos cancelam prêmios para a categoria na distância olímpica, a Triathlon Magazine Canadá levanta a seguinte lebre Do Wee Need Pro Athletes?.
Bem, se lá fora a questão para os pro não tem resposta pronta, aqui as pessoas engatam o câmbio automático e trocam de marcha sem pensar.
Em uma dessas discussões em fóruns sobre a demora em que algumas provas sofriam para completar a lista de inscrição, não foram poucos os que levantaram que o fato tinha explicação na presença de poucos profissionais.
Será?
Não conheço ninguém que deixou de reclamar do preço da inscrição olhando para a elite que estaria no evento; acho raro alguém comprar acessórios ou equipamentos simplesmente porque viu um pró usando; não tenho amigos que procuraram um profissional porque "aquele" ou "aquela" pro frequenta o consultório.
E quantas vezes os pro dão entrevistas falando que a prova "foi maravilhosa" quando atletas amadores relatam casos de atropelamento?
De onde vem essa alienação em relação a evento como um todo?
Talvez por isso, a aceitação de uma pessoa da elite está muito mais associada a forma como ela interage socialmente do que por ser atleta que disputa os prêmios nas provas oficiais.
Mas faz falta uma maior interação?
Faz.
Um dia uma amiga, nova e muito talentosa, estava em falando da angústia de escolher um quadro - pensei imediatamente que ela poderia falar com uma profissional que sempre está presente nas redes e coisa e tal.
Só que ai me dei conta que esses canais são construídos pelo convívio e ela não tinha ainda o seu círculo de amizade no triathlon.
Ou seja, os atletas de elite são vistos como pessoas acessíveis apenas para quem dá sorte de frequentar esses circuitos ou pertencer a certas panelas.
Não é a toa que as vezes a pessoa se arrisca escrever para a Chrissie Wellington do que para algum brasileiro que largou na elite no IM de Florianópolis.
E vou dizer: os gringos respondem.
É provável que muitos sejam pessoas tímidas. Outros, preferem um grupo de discussão mais reservado e há ainda aqueles dispõem de pouco tempo para terem uma interação mais frequente por serem donos de assessorias e atletas competitivos ao mesmo tempo.
Mas a competência de se comunicar é importante para alguém que almeja a construção de uma imagem.
E se comunicar não é só uma questão de empatia natural - isso se aprende.
O risco é as pessoas lerem mais blogs como o meu por não encontrarem relatos de prós contando a experiência que só eles possuem.
Pior: há o risco da elite perder a importância.
E isso de alguma forma já acontece - pelo menos do ponto de vista econômico.
Um dos argumentos que contariam a favor de uma elite seria a exposição que esses proporcionam para as empresas de material esportivo.
Mas o roda já girou e as empresas já arrumaram formas de aparecer sem meter a mão no bolso.
Não que sejam lá grande coisa. Vender equipamentos a preço de custo e dar pares de tênis avulsos como cota de patrocínio é como se você fosse professor e ganhasse giz como salário.
As empresas usam a raspa do tacho dos produtos de prateleira e distribuem entre os amadores - cedem produtos como a tênis, uniforme, suplemento, capacetes e um mundo de coisas com cara de amostra grátis que nada, nada....não é nada mesmo.
E a Internet é um prato cheio para isso e várias pessoas perceberam essa oportunidade - e, vale dizer, alguns conseguem fazer coisas com muita competência.
Já tomei aula dada por amadores em porta de loja sobre estratégia de marketing nas redes que não tem nada de "amadora". Fazem relatórios com estatísticas de "likes" contabilizadas diariamente para certos grupos de apoiadores, o que lhes franqueiam suplementos ou mensalidades gratuitas em academias.
Já outros são da categoria "amador celebridade" que vive, basicamente, de tietagem.
É o caso típico daquela figura do Instagram cujo número fotos e de seguidoras é inversamente proporcional ao número de provas realizadas e tem uma linha de comentários que se resume a coisas do tipo "Sua linda!".
Um dia, uma amiga vendo as manifestações sobre politica na Internet olhou para mim e disse "Você viu quantos jovens? As Paquitas cresceram....""
Cresceram e algumas delas foram fazer triatlhon.
Preenchem a Internet com alguns flashs da sua rotina de treinos, como fotos de toquinha no vestiário da academia, selfies no elevador com hastgs #nãodesistadoseusonho e caretas estranhas em cima do rolo ou de frente para o espelho.
A princípio, tirando o inchaço do merchandise de rede social, esses dois tipos não fazem mal a ninguém.
Só que também não trazem benefício nenhum.
Caso você precise ver uma foto para se motivar a correr no Ibirapuera, vá lá.
Mas se tem a necessidade de discutir se compra um medidor de potência ou um quadro específico, não é ali que você vai achar informação sobre o assunto.
Outra questão que emparelha os profissionais contra o muro é que os amadores têm mudado o foco do pódio para a valorização dos novos estilos de vida.
Em razão da falência das entidades em coibirem o vácuo e o doping, muitos triatletas estão desembarcando do "sonho de Kona" e elegendo novas referências.
Hoje veganos estão mais interessados em triatletas veganos do que o primeiro colocado no Ironman ou os cinco classificados para o campeonato mundial da faixa-etária. Outros ficam de olho em atletas diabéticos ou que apresentam intolerância ao glúten porque se identificam com esses grupos.
Ao cuidarem melhor de si, esses atletas estão descobrindo um novo padrão de alimentação e construindo uma nova cultura do bem-estar, com benefícios generalizados para todos, mesmo para aqueles que não apresentam qualquer tipo de deficiência.
Por tratar-se de um movimento recente, a interação é mais intensa e muito bacana, pois o entusiasmo leva ao desejo por mais mais interlocução. Além de estarem interessados nos treinos, sugerem livros, discutem textos e indicam sites especializados.
No exterior essa tendência já é nítida entre triatletas e ultramaratonistas, seguidos por milhares de pessoas e patrocinados por uma indústria de pequenos empreendimentos com foco em produtos e serviços para esse segmento.
No Brasil vale citar a percepção e o esforço pioneiro do projeto "Triathlon sem Glúten", do Wladimir Azevedo.
Diferentemente de triatletas que falam sobre nutrição para fazer propaganda disfarçada de produtos e lojas de suplementos, o Wlad explora de forma transparente um nicho com uma mensagem clara - ser celíaco não significa que sua vida acabou e está ele ai, um Ironman, para mostrar isso.
São essas pessoas que levam mais gente ao esporte, que catalisam a empatia de um público mais amplo e contribuem para o crescimento do triathlon.
Ao que surge, não tenho resposta para a pergunta do título do texto - mas sei que há coisas novas por ai e a gente precisa estar atento para se reinventar.
sábado, 14 de março de 2015
quarta-feira, 4 de março de 2015
Duas palavras sobre os Preços das Bikes
Existem certas discussões em que apenas passo os olhos para não ter que tomar antiácido depois.
São aquelas com dois pontos ligando nada a lugar nenhum: começa com um raciocínio falso de tiro curto e fecha com um arrazoado que tenta dizer o que já foi dito antes, só que de outro jeito.
No amontado de posts que se reverberam mutuamente, todos têm a impressão de estarem assentados sobre uma verdade consolidada e bem conhecida - mas na verdade é só um monte de gente falando a mesma coisa.
Tema encardido como preço de bike é assim.
Só que piora quando o assunto gira em torno das facilidades que o governo dá para as pessoas terem carros e as dificuldades que ele cria para terem bicicletas.
A palavra impostos entra nesse escaninho, já que se pressupõe que no cômputo geral o preço da bicicleta é uma conta alta e que culpado mesmo é o governo - sei lá qual, mas "o governo".
Coloco duas questões para você.
Os impostos que incidem sobre a produção e venda de bicicletas é realmente maior que o incentivo dado para a compra de automóveis?
Isso, um.
Dois,
O preço da bicicleta é a variável mais importante para que as pessoas possam adquirir a sua?
Os impostos
É muito comum as pessoas comentarem sobre impostos mimetizando o que veem na imprensa. É de lá que vou pegar o seguinte trecho,
"A falta de incentivo fica claro na comparação do IPI: a alíquota do tributo federal é de 3,5% para os carros populares, contra 10% para as bicicletas produzidas fora da Zona Franca de Manaus (ZFM, onde a há isenção, mas que produz apenas 21% do total do pais).
Com isso, o Brasil tem uma das bicicletas mais caras do mundo".
O Brasil é o terceiro produtor mundial de bicicletas e com um parque de 60 milhões de unidades - contra coisa de 40 milhões de veículos.
Sendo tão caras, como se vê tanta bicicleta na mão de pessoas pobres que não têm transporte público ou carro?
O pessoal da foto ao lado tem cara de rico?
Ou são os meus olhos?
Os dados da Pesquisa de Origem e Destino do Metrô diz seguinte: no município de São Paulo, 60% das viagens de bike na cidade são realizadas por pessoas que ganham até três salários mínimos.
Há outras coisas que me deixam intrigado.
Que contabilidade é essa que pula IPI para os preço final sem falar sobre lucro de quem produz, transporta e comercializa as bicicletas?
Imposto e....pá: a bike mais cara do mundo!
É fácil ganhar leitores falando mal de impostos.
Imposto e banheiro químico é coisa que não se discute.
Mas vejamos se pelo menos nisso o material que temos em mãos é coerente.
Chama a atenção o motivo pela qual a comparação se faz com os carros populares e deixa-se de lado outras categorias cujas alíquotas são bastante superiores, variando entre 9% e 13%.
Pensei, "Provavelmente porque os populares compõe a maior parte da frota no pais".
Todavia, pesquisando, vi que os carros populares não são tão "populares" quanto se imagina e correspondem a apenas 26% das vendas.
Por que cáspite a matéria relativiza a importância das bikes da Zona Franca de Manaus por representar 21% da produção nacional e destaca os carros populares se esses abocanham nada muito superior?
E você mesmo pode ter notado que existem outras coisas estranhas.
Onde foram parar outros tributos que proprietários de automóveis pagam, como o IPVA, taxa de licenciamento e DPVAT?
Tô sendo muito chato?
Talvez essa comparação tenha a mão boba do jornalista, alguns lapsos e, noves fora, não há de haver dúvidas que o núcleo da reportagem esteja certo. Não importa a comparação com os carros populares, o IPI é ainda assim alto.
O que aconteceria se mudássemos as alíquotas do nosso malvado preferido?
Pouco.
Na média, os tributos que incidem na formação dos preço das bicicletas tem a seguintes distribuição:
ICMS: 18,0%
IPI: 10,0%
Contribuição Financeira sobre Contribuição Social: 8,6%
Contribuição do PIS/PASEP - Importação: 1,6%
IPI pra cá, IPI pra lá, ninguém parou para verificar que esse imposto representa cerca de 1/4 dos tributos.
Para o leitor que ainda não me deixou falando sozinho, cabe ainda se perguntar os motivos pelas quais os empresários não se mandam todos para para Manaus, onde a produção é subsidiada.
Porque contabilidade criativa não é apenas coisa do governo.
No Brasil, as alíquotas para a venda de componentes são mais baixas que as de bicicletas montadas.
O que fazem as empresas?
Elas comercializam as ditas cujas prontas, só que informam a receita que estão vendendo partes.
Ou seja - o sujeito te cobra o que ele sonegou.
Isso corresponde a 40% da produção de bikes fora da Zona Franca.
Tá com dó dos empresários? Leva para casa....
Bikes e Importação
Adoro esses quadros, pois você olha e está tudo lá: os impostos de importação têm alíquotas de 35% para a compra de bikes.
Só que antes de fazer carnaval, um alerta: isso não significa nada.
Falta outro dado nesse quadro: 97% das bicicletas no pais não pagam imposto de importação porque são produzidas aqui.
Bike importada só aparece assunto relevante em rede social porque triatleta e ciclista fazem muito barulho em torno do assunto.
E por que o imposto de importação é o que é?
Ao contrário do que os consumidores mimados pensam, o objetivo não é impedir que o sujeito compre uma bike do estêites porque o governo gosta de fazer maldades gratuitamente.
A governo busca a preferência do Mercosul frente a China nesse mercado (disparado, o maior produtor mundial de magrelas) ao mesmo tempo que tenta frear a entrada de componentes da indústria desse pais no Brasil (ver o caso das resoluções antidumping no caso das pedivelas em 2013 e pneus para bikes em 2014).
Vale lembrar que o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de bicicletas e tem certas ambições nessa área.
Como quem opera a política está de olho em uma escala que envolve, por baixo, 60 milhões de bicicletas, é ingenuidade achar que a política dessa área vai mudar porque queremos fazer o IM de Fortaleza como uma bike nova ou comprar pneus específicos para triathlon.
Deixa eu te dizer porque eu esqueci - bikes de competição, essas que nós usamos, representam apenas 1% do total de bicicletas no país.
E aqui se coloca o seguinte:
Vamos dar subsídios para um segmento em um pais onde o sujeito ganhando 5,5 mil reais mensais está bolo dos 10% mais ricos? Segmento que, por sua vez, concentra 42% de toda a renda?
Para comprar bicicleta que podem custar 10 mil Obamas?
E, sabe o que eu acho divertido: o fulano pede isenção para comprar bicicleta desse porte e mete o pau no Bolsa-Familia porque chama o programa de "assistencialista".
Assistencialismo para rico, pode?
Em resumo, não vou ser eu aqui que vou dizer o quê é o quê no preço da bike.
Tem gente que vai dizer que é 80%, enquanto outros um tanto mais cuidadosos chegam a 45%.
Há muitos modelos diferentes, os tributos não são homogêneos, as alíquotas de impostos variam no tempo, variam nos estados e existem encalacrados que só com muita mandrakaria você vai conseguir chegar a uma conclusão.
Mas dizer que a bike no Brasil é a mais cara do mundo e jogar a culpa nos impostos usando números dessa forma é uma ginástica que acredita quem quer.
A reportagem completa você pode ler aqui e o estudo em que ela se baseia, lá.
Redução de Impostos ou mais Crédito?
Ninguém discute muito que preços baixos são capazes de incentivar a demanda de bicicletas - ou de qualquer outra coisa.
Só que existem categorias de produtos que, mesmo tendo preços reduzidos, não são baratos frente a renda das famílias.
Bicicletas são considerados bens duráveis, para as quais dois preços são importantes - o preço das meninas e o preço do dinheiro que você irá utilizar para o financiamento.
Como a taxa de juros ao consumidor no Brasil gira em torno de 102% para financiamentos de 12 meses, isso significa que ao financiar sua bicicleta nesse período você estará pagando por duas.
Nesse quadro, qualquer política de incentivo baseada na redução de tributos vai servir apenas para enxugar gelo.
Por isso, muito mais inteligente, seria insistir em linhas de financiamento com juros reduzidos ou mesmo zero.
Mas você já viu alguém discutindo o assunto por esse ângulo no Facebook?
A coisa é sempre imposto, incentivo, imposto, incentivo....
No final, sabe a conclusão a qual eu chego?
Que tá triste.
As pessoas não são nada tímidas para se expressar em voz alta o que elas elaboram mentalmente, exacerbando a confiança no senso comum e mais ainda no que julgam conhecer.
Dá medo pensar que no Brasil a opinião pública, pedindo mudanças, ou pedindo para que tudo permaneça como está, seja tão arredia a aprofundar-se em qualquer coisa.
Se a gente mal consegue discutir preço de bicicleta além do senso comum, alguém é capaz de pensar nas barbeiragens que fazemos em relação a outros assuntos, certamente muito mais importantes.
Ando para lá de desanimado, juro.
E o problema não são as discordâncias, pois é bem provável que eu também erre ou alguém tenha informações melhores ou mais exatas que as minhas.
E se for assim, qualquer um pode se servir desse espaço para corrigir o que foi dito, sem problemas.
O desânimo vem do fato de que parece que não adianta, sabe? As pessoas preferem o silêncio em relação aos fatos que lhes tiram da sua zona de conforto.
Não tenho dúvida que amanhã ao abrir a página do Facebook vou dar de cara com alguém escrevendo pela milésima vez sobre sobre governo, sobre impostos, sobre IPI e as "bikes mais caras do mundo".
Parece um inferno que não acaba.
São aquelas com dois pontos ligando nada a lugar nenhum: começa com um raciocínio falso de tiro curto e fecha com um arrazoado que tenta dizer o que já foi dito antes, só que de outro jeito.
No amontado de posts que se reverberam mutuamente, todos têm a impressão de estarem assentados sobre uma verdade consolidada e bem conhecida - mas na verdade é só um monte de gente falando a mesma coisa.
Tema encardido como preço de bike é assim.
Só que piora quando o assunto gira em torno das facilidades que o governo dá para as pessoas terem carros e as dificuldades que ele cria para terem bicicletas.
A palavra impostos entra nesse escaninho, já que se pressupõe que no cômputo geral o preço da bicicleta é uma conta alta e que culpado mesmo é o governo - sei lá qual, mas "o governo".
Coloco duas questões para você.
Os impostos que incidem sobre a produção e venda de bicicletas é realmente maior que o incentivo dado para a compra de automóveis?
Isso, um.
Dois,
O preço da bicicleta é a variável mais importante para que as pessoas possam adquirir a sua?
Os impostos
É muito comum as pessoas comentarem sobre impostos mimetizando o que veem na imprensa. É de lá que vou pegar o seguinte trecho,
"A falta de incentivo fica claro na comparação do IPI: a alíquota do tributo federal é de 3,5% para os carros populares, contra 10% para as bicicletas produzidas fora da Zona Franca de Manaus (ZFM, onde a há isenção, mas que produz apenas 21% do total do pais).
Com isso, o Brasil tem uma das bicicletas mais caras do mundo".
O Brasil é o terceiro produtor mundial de bicicletas e com um parque de 60 milhões de unidades - contra coisa de 40 milhões de veículos.
Uma imagem das "Bicicletas mais caras do mundo" |
Sendo tão caras, como se vê tanta bicicleta na mão de pessoas pobres que não têm transporte público ou carro?
O pessoal da foto ao lado tem cara de rico?
Ou são os meus olhos?
Os dados da Pesquisa de Origem e Destino do Metrô diz seguinte: no município de São Paulo, 60% das viagens de bike na cidade são realizadas por pessoas que ganham até três salários mínimos.
Há outras coisas que me deixam intrigado.
Que contabilidade é essa que pula IPI para os preço final sem falar sobre lucro de quem produz, transporta e comercializa as bicicletas?
Imposto e....pá: a bike mais cara do mundo!
É fácil ganhar leitores falando mal de impostos.
Imposto e banheiro químico é coisa que não se discute.
Mas vejamos se pelo menos nisso o material que temos em mãos é coerente.
Chama a atenção o motivo pela qual a comparação se faz com os carros populares e deixa-se de lado outras categorias cujas alíquotas são bastante superiores, variando entre 9% e 13%.
Pensei, "Provavelmente porque os populares compõe a maior parte da frota no pais".
Todavia, pesquisando, vi que os carros populares não são tão "populares" quanto se imagina e correspondem a apenas 26% das vendas.
Por que cáspite a matéria relativiza a importância das bikes da Zona Franca de Manaus por representar 21% da produção nacional e destaca os carros populares se esses abocanham nada muito superior?
E você mesmo pode ter notado que existem outras coisas estranhas.
Onde foram parar outros tributos que proprietários de automóveis pagam, como o IPVA, taxa de licenciamento e DPVAT?
Tô sendo muito chato?
Talvez essa comparação tenha a mão boba do jornalista, alguns lapsos e, noves fora, não há de haver dúvidas que o núcleo da reportagem esteja certo. Não importa a comparação com os carros populares, o IPI é ainda assim alto.
O que aconteceria se mudássemos as alíquotas do nosso malvado preferido?
Pouco.
Na média, os tributos que incidem na formação dos preço das bicicletas tem a seguintes distribuição:
ICMS: 18,0%
IPI: 10,0%
Contribuição Financeira sobre Contribuição Social: 8,6%
Contribuição do PIS/PASEP - Importação: 1,6%
IPI pra cá, IPI pra lá, ninguém parou para verificar que esse imposto representa cerca de 1/4 dos tributos.
Para o leitor que ainda não me deixou falando sozinho, cabe ainda se perguntar os motivos pelas quais os empresários não se mandam todos para para Manaus, onde a produção é subsidiada.
Porque contabilidade criativa não é apenas coisa do governo.
No Brasil, as alíquotas para a venda de componentes são mais baixas que as de bicicletas montadas.
O que fazem as empresas?
Elas comercializam as ditas cujas prontas, só que informam a receita que estão vendendo partes.
Ou seja - o sujeito te cobra o que ele sonegou.
Isso corresponde a 40% da produção de bikes fora da Zona Franca.
Tá com dó dos empresários? Leva para casa....
Bikes e Importação
Adoro esses quadros, pois você olha e está tudo lá: os impostos de importação têm alíquotas de 35% para a compra de bikes.
Só que antes de fazer carnaval, um alerta: isso não significa nada.
Falta outro dado nesse quadro: 97% das bicicletas no pais não pagam imposto de importação porque são produzidas aqui.
Bike importada só aparece assunto relevante em rede social porque triatleta e ciclista fazem muito barulho em torno do assunto.
E por que o imposto de importação é o que é?
Ao contrário do que os consumidores mimados pensam, o objetivo não é impedir que o sujeito compre uma bike do estêites porque o governo gosta de fazer maldades gratuitamente.
A governo busca a preferência do Mercosul frente a China nesse mercado (disparado, o maior produtor mundial de magrelas) ao mesmo tempo que tenta frear a entrada de componentes da indústria desse pais no Brasil (ver o caso das resoluções antidumping no caso das pedivelas em 2013 e pneus para bikes em 2014).
Vale lembrar que o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de bicicletas e tem certas ambições nessa área.
Como quem opera a política está de olho em uma escala que envolve, por baixo, 60 milhões de bicicletas, é ingenuidade achar que a política dessa área vai mudar porque queremos fazer o IM de Fortaleza como uma bike nova ou comprar pneus específicos para triathlon.
Deixa eu te dizer porque eu esqueci - bikes de competição, essas que nós usamos, representam apenas 1% do total de bicicletas no país.
E aqui se coloca o seguinte:
Vamos dar subsídios para um segmento em um pais onde o sujeito ganhando 5,5 mil reais mensais está bolo dos 10% mais ricos? Segmento que, por sua vez, concentra 42% de toda a renda?
Para comprar bicicleta que podem custar 10 mil Obamas?
E, sabe o que eu acho divertido: o fulano pede isenção para comprar bicicleta desse porte e mete o pau no Bolsa-Familia porque chama o programa de "assistencialista".
Assistencialismo para rico, pode?
Em resumo, não vou ser eu aqui que vou dizer o quê é o quê no preço da bike.
Tem gente que vai dizer que é 80%, enquanto outros um tanto mais cuidadosos chegam a 45%.
Há muitos modelos diferentes, os tributos não são homogêneos, as alíquotas de impostos variam no tempo, variam nos estados e existem encalacrados que só com muita mandrakaria você vai conseguir chegar a uma conclusão.
Mas dizer que a bike no Brasil é a mais cara do mundo e jogar a culpa nos impostos usando números dessa forma é uma ginástica que acredita quem quer.
A reportagem completa você pode ler aqui e o estudo em que ela se baseia, lá.
Redução de Impostos ou mais Crédito?
Ninguém discute muito que preços baixos são capazes de incentivar a demanda de bicicletas - ou de qualquer outra coisa.
Só que existem categorias de produtos que, mesmo tendo preços reduzidos, não são baratos frente a renda das famílias.
Bicicletas são considerados bens duráveis, para as quais dois preços são importantes - o preço das meninas e o preço do dinheiro que você irá utilizar para o financiamento.
Como a taxa de juros ao consumidor no Brasil gira em torno de 102% para financiamentos de 12 meses, isso significa que ao financiar sua bicicleta nesse período você estará pagando por duas.
Nesse quadro, qualquer política de incentivo baseada na redução de tributos vai servir apenas para enxugar gelo.
Por isso, muito mais inteligente, seria insistir em linhas de financiamento com juros reduzidos ou mesmo zero.
Mas você já viu alguém discutindo o assunto por esse ângulo no Facebook?
A coisa é sempre imposto, incentivo, imposto, incentivo....
No final, sabe a conclusão a qual eu chego?
Que tá triste.
As pessoas não são nada tímidas para se expressar em voz alta o que elas elaboram mentalmente, exacerbando a confiança no senso comum e mais ainda no que julgam conhecer.
Dá medo pensar que no Brasil a opinião pública, pedindo mudanças, ou pedindo para que tudo permaneça como está, seja tão arredia a aprofundar-se em qualquer coisa.
Se a gente mal consegue discutir preço de bicicleta além do senso comum, alguém é capaz de pensar nas barbeiragens que fazemos em relação a outros assuntos, certamente muito mais importantes.
Ando para lá de desanimado, juro.
E o problema não são as discordâncias, pois é bem provável que eu também erre ou alguém tenha informações melhores ou mais exatas que as minhas.
E se for assim, qualquer um pode se servir desse espaço para corrigir o que foi dito, sem problemas.
O desânimo vem do fato de que parece que não adianta, sabe? As pessoas preferem o silêncio em relação aos fatos que lhes tiram da sua zona de conforto.
Não tenho dúvida que amanhã ao abrir a página do Facebook vou dar de cara com alguém escrevendo pela milésima vez sobre sobre governo, sobre impostos, sobre IPI e as "bikes mais caras do mundo".
Parece um inferno que não acaba.
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