Meu antigo técnico dizia que quando se termina um Ironman é bom a gente não treinar e muito menos falar em triathlon por um tempo.
As vezes esse "por um tempo" toma largura maior porque não há muita coisa no presente que não tenha sido descrita em outros textos que estão nesse blog, pois a vida no triatlhon é relativamente cíclica.
Escrever só vale a pena quando há algo diferente que pode ser contado.
Ou preciso pensar em reinventar esse espaço. Não sei....
De qualquer forma, parei agora para escrever dois posts: o primeiro para descrever um pouco como foram os últimos meses e, o segundo, como está a preparação para o próximo Ironman.
Depois de Florianópolis, retomei aos treinos de forma muito lenta e irregular - e sem vontade nenhuma. Acho que pela primeira vez pensei em desistir, pois a isso se somava uma reflexão difícil, encardida, sobre o destino que dou ao meu tempo.
Noves fora nada, me perguntei o seguinte: fazemos o que fazemos por busca de realização pessoal ou é apenas a incapacidade de parar, porque já andamos tanto que só nos resta continuar seguindo em frente?
Se você acha que estou questionando o "amor ao triathlon", tal como católicos e evangélicos experimentam em algum momento o desvio da sua fé, certamente não sou uma boa leitura.
Porque, assim como não existe geração, também não acredito em "motivação espontânea".
E, muito aqui entre nós, desconfio que são justamente os mais românticos, aqueles que afirmam de pé junto seu amor todo santo dia, os primeiros a ficarem pelo caminho quando é necessário prender a respiração, aguentar e seguir em frente.
E como enfrentar a dura rotina do triathlon sem nenhuma força interior para transpor os obstáculos do dia a dia e cheio de dúvidas?
Reconheço que existem muitos que se atiram nos treinos com prazer e há aqueles que conseguem combiná-los com uma convivência social sadia e gratificante. Para outros, ainda, correr significa um "descanso da loucura", parafraseando uma linda frase de Guimarães Rosa ("Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura").
Mas o meu perfil é um pouco mais para aqueles solitários, compulsivos e com leve tendência psicopata que pensam o seguinte: se é para treinar, então vamos treinar "duela a quien duela"
Que, no caso, sou eu mesmo.
Os treinos nos últimos meses envolveram uma batalha física e mental entrelaçada e dura como nunca. E eu perdia quase todo dia.
Não foram poucos os momentos em que simplesmente não queria estar ali e desejava que o tempo passasse logo - podiam ser os tiros curtos de esteira, um Time Trial ou um vai e vem em piscinas de 25 metros.
E nem era o caso de dar como desculpa uma planilha apinhada de treinos pesados.
Pelo contrário, a programação para o segundo semestre não era nada complicada - uma hora por dia, esforço de fraco a moderado, sendo que apenas em três dias da semana os treinos eram em dois períodos.
Mas não estava dando.
Eu, que sou vespertino, não tinha ânimo para sair da cama pela manhã. Ao longo do dia, estava letárgico e sem energia. Depois do trabalho, me sentia exausto para ir para treinar. Só em pensar em pegar o carro e dirigir no final de semana para pedalar me deixava desolado.
Por outro lado, a alimentação degringolou. Eu estava perdendo o jogo para uma cadeia de hábitos errados. Quando treinava pela manhã, achava que tinha licença moral para comer porcaria ou evitar o treino a noite, afinal era uma compensação mais que merecida porque naquele dia tinha feito pelo menos uma parte da planilha.
Como estava no período pós IM e no inverno, a explicação lógica residia naquelas relações de causa e efeito que estão a mão para qualquer justificativa - perder o controle da alimentação depois do Iron é "normal" e o frio acaba reforçando a necessidade de calorias adicionais.
Então, vamos encarar isso como uma fase.
Só que a fase não passava.
Bem, o Rodrigo me cobrou porque não escrevi para ele. Mas sabe quando você não abre o guarda-chuva na rua porque acha que só tem uns pingos e dá para chegar em casa sem se molhar muito?
Coisa assim.
Foi então que ele estabeleceu uma pequena meta - apenas cumprir os horários e os treinos da planilha uma única semana.
That's it.
Ele é esperto. Plagiando o Antonio Prata, o diagnóstico dele era o seguinte: o problema não estava no carburador, mas no motor de arranque.
Então vamos era dar um tranco e deixar que a questão hormonal passe a agir como um auto-reforço para o carro começar a andar novamente.
Enquanto isso....
Em um dia da semana no mês de agosto, o Xampa combinou uma pizza aqui em São Paulo com um grupo de amigos e fomos lá colocar o papo em dia.
Ai o Xampa começa a falar da dieta Low-Carb, sobre a qual eu já tinha lido, mas apenas superficialmente. Lembrava de um artigo décadas atrás, na Triathlete Magazine, acho eu, depois esqueci completamente.
Recordei a conversa dias depois porque alguma coisa tinha despertado minha curiosidade. Resolvi pedir para mais informações. Ele me enviou vídeos, blogs e livros - coisa dos amigos que são realmente grandes amigos.
Pedi também algumas dicas para o Rodrigo, que me enviou um conceito minimalista do que ele pensa: a figura com um prato com duas cores, metade com vegetais, metade de proteína.
E um copo de água. ;-)
Pessoas diferentes, estilos diferentes.....
Na verdade, existem vários tipos e modalidades de dieta Low-Carb ou, como quiserem, dietas cetogênicas. Sem a pretensão de explicar um tema para a qual não tenho competência e que você mesmo pode encontrar pesquisando na Internet, vou fazer uso de uma pequena introdução tão somente para que você entenda esse post, não mais que isso.
O objetivo básico das dietas Low-Carb é a normalizar os níveis de insulina por meio da redução do consumo de carboidratos (massas, pães, açucares e até frutas adocicadas).
Grosseiramente falando, quando você ingere alimentos de alto índice glicêmico há um aumento da glicose no sangue e, consequentemente, liberação de insulina para que seu corpo possa utilizá-la nos músculos, nos órgãos ou armazená-la na forma de gordura. Mas com a queda da glicose, gerada justamente pela ação da insulina, você sentirá fome e todo o ciclo se inicia novamente.
Quando há um limite na ingestão de carboidratos, o corpo troca a matriz energética e começa a metabolizar gordura. Consequentemente, os níveis glicose no sangue ficam mais estabilizados e desaparecem os picos de insulina que transformam seu desejo por comida em um montanha russa.
Mas isso não significa o sacrifício adicional de evitar bolos, doces de leite, brigadeiros, tortas entre outros?
Na verdade, não.
Ao cabo de tudo, você enfim descobre que aquela vontade de atacar a geladeira de madrugada, se entupir de sorvete ou avançar no chocolate atrás da vitrine não estava vinculada a necessidade do seu paladar - era apenas um impulso decorrente de um ciclo hormonal descompensado.
O rompimento dos picos de insulina desata os mecanismos associam o prazer de um doce com o vicio por mais doces.
No meu caso, não foi fácil dar o chute inicial. Como a maioria das pessoas que pode estar lendo esse blog, eu fui condicionado que "gordura é ruim" e me privei de experimentá-la durante toda a vida, já que desde de fiotinho pratico esportes e isso continua até hoje.
Depois de superado o medo de comer bacon pela manhã, não há como descrever a experiência libertadora das paranóias que me tiravam o prazer de comer e manter o peso. Mais interessante ainda foi a sensação de saciedade e bem-estar, como se eu entregasse ao meu corpo algo que ele sempre precisasse e sempre ignorei.
No início, é normal algumas adaptações e muitos exageros - me senti um pouco mais tranquilo depois de ver uma palestra do Fabio Mollica no Camp da minha assessoria, em Guaratinguetá.
Para ter uma ação mais efetiva do ponto de vista da redução do meu peso para o IM de Fortaleza, optei por uma abordagem High Fat.
Existem outras.
Existem outras.
Futuramente, pretendo ajustá-la tal como o Rodrigo a entende, isto é, menos de gordura animal e lacticínios em troca de frutas e alimentos de maior valor nutritivo - embora jamais pretenda abrir a guarda para voltar ao antigo modus operandi da alimentação High Carb.
Mas o mais importante é que minha vontade de treinar e a minha disposição mental voltaram rapidamente, tanto nos treinos regulares como nos longos nos finais de semana. Lembro indo para o Riacho e um pingos batendo no parabrisa - bem, em nenhum momento senti vontade de dar meia volta.
Esse ponto de retorno pode estar vinculado ao estratégia do coach ou tem explicação na dieta?
As duas coisas?
Ou tudo não passou de coincidência?
Eu conto uma história, mas nem sempre quem passou por tudo tem o melhor ângulo.
Mas o importante é entender que esse tipo de experiências não é "só uma fase".
Pensar assim pressupõe um mecanismo de regulação que estabiliza automaticamente nosso humor.
Seguindo esse raciocínio, o remédio é esperar o tempo passar.
Isso pode ser um equívoco.
Você percebe melhor as coisas observando aqueles que convivem com distúrbios crônicos de motivação associados a problemas orgânicos. A convivência com esse quadro dá a eles uma vantagem valiosa, pois desenvolvem uma percepção aguçada das nuances da sua disposição física, mental e emocional.
Para a maioria de nós, entretanto, as questões são um tanto obscuras e nos falta um "gatilho" que nos ponha em alerta em relação ao nosso balanço bioquímico. Um pouco desnorteados, achamos que a falta de motivação é uma questão de...."motivação".
Ou, para os românticos, da falta de "amor". ;-)
Logo faço um outro post sobre os treinos e o que estou pensando em fazer no IM de Fortaleza.
6 comentários:
Conta, por favor, principalmente como você vai fazer a alimentação no IM, que eu fiquei interessado.
Vagner,
naquele dia, eu cheguei ao hotel achando que tinha falado demais. Tinha vontade de voltar no tempo e me controlar.
Mas, teria sido o maior erro.
Fico feliz que vc esteja gostando e esteja ja adaptado.
Abs !!!!!
Foi a melhor coisa que fizeste a ele.
E aí mestre !
cara, me reconheci naquela parte de se atirar aos treinos com prazer, mas também pelo descanso da loucura e igualmnte com alguma convivência social sadia :-).
Manda bala em fortaleza ? Vai detonar. Tenho uma suspeita que essa prova vai ser surpreendentemente dura e quem sobreviver estará muito bem. Leve moedas do obama :-).
Abraço !
Bessa, nos meus quase 20 anos de triathlon tenho visto muitos amigos desistirem definitivamente ou afastarem-se do esporte por longos períodos por não encontrarem mais a mesma "motivação".
Realmente motivação constante é difícil de se manter, mas acredito que muitos perdem a motivação por fixarem-se em objetivos errados.
Todo ano traço alguns objetivos para a temporada com meu técnico. Isso me obriga a criar alguns ciclos e novos focos de tempos em tempos e assim a motivação se renova.
Siga em frente (sempre)!
Abração
Boa noite
Conheci seu blog hoje, atraves de um grupo do face. Adorei seu modo de escrever e já estou aprendendo muito.
Abraços
Fernanda
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