domingo, 26 de janeiro de 2014

Porque não me ufano...

Acho que ninguém vai esquecer essas semanas pela de intensa discussão sobre os roubos de bike na USP.

Como é de praxe, o rebuliço foi parar nas redes sociais e teve repercussão na mídia, alcançando os jornais e a televisão em horário nobre.

Ficamos "ali" com os rolezinhos em termos de "assunto da semana".

Mas confesso que fiquei desanimado com o que andei lendo nessas redes.

Porque a gente pedala em grupo, corre junto, nada no mesmo lugar e ficamos todos enfurnados nas mesmas comunidades de discussão do Facebook.

Tudo bacana quando a conversa é triathlon. 

Saiu disso, a gente nota nitidamente que pouca coisa nos une além do esporte.

Quero acreditar que uma parte das pessoas que vão na USP esta preocupada com a questão da segurança, mas sempre dou de cara com uma outra turma, que não é pequena, que coloca a bike em primeiro lugar.

A vida das pessoas? Bem, espera-se que não seja necessário matar ninguém, mas danos colaterais nem sempre são possíveis de evitar...

Do contrário, o que explica a contratação de PMs que fazem bicos para escolta armada dentro da cidade universitária? É possível imaginar um tiroteio na bolinha? Como alguém em sã consciência ameaça a própria vida e a dos outros dentro de um campo universitário?

Acho irônico que, em casos extremos, assaltantes e assaltados sejam grupos idênticos no que há de pior na insensibilidade humana.

Quando ladrões matam pessoas porque estão querendo um relógio é muito comum ouvir "que seres são esses, que se brutalizaram a ponto de matar por coisa tão insignificante????".

Mas o sujeito que coloca uma área em risco por conta da bike é diferente em quê? 

Quando li  "se um policial matasse um sujeito que roubou a minha bike, acho que eu seria agradecido" e ninguém em um fórum de mais de 700 pessoas deu um pio, parei para pensar.

Afinal, que mensagem estamos passando para as pessoas?

Eu não vou na USP para engrossar esse caldo de cultura reacionário de malufista enrustido que vota em cabo da Rota ou vibra quando a policia vem fazer seu show na Cracolândia com gente doente.

Eu tenho cá minhas dificuldades para entender a selvageria que vem da classe média paulistana que adora o discurso "bandido bom é bandido morto".

Primeiro, porque eu não sei em que isso diminui a violência. As pessoas deveriam claramente dizer que não estão interessadas em justiça, mas na busca de uma vingança pessoal.

Segundo, pela raiz cínica nesse discurso.

Se estamos realmente preocupados com a bandidagem, que tal começarmos a discutir se nessa categoria estão incluídos triatletas e ciclistas que andam na bolinha e trazem equipamento de fora sem recolher imposto de importação?

Ou contrabando não conta? 


6 comentários:

Luis Fernando Oliveira disse...

Bola cantada essa, Vagner. Até entendo (sem concordar) com o raciocínio (se é que é): "já que ninguém vai fazer nada, eu cuido do meu".

Vamos combinar que o promotor que pagou o resgate pela sua bike não ajudou nada os argumentos em sentido contrário à milícia.

Não tem jeito. Só com policiamento ostensivo E público a coisa entra no eixo. Mas isso é anátema na USP. Eu encontraria outro local pra pedalar, cara. Se quiser, aqui no norte de SC tem uma porção de estrada vicinal com pouco transito . Fique a vontade.

Emiltri disse...

O professor explica melhor ainda o meu comentário sobre "protesto coxinha".... Curto e grosso. Valeu Vagnão.

Rafael Pina disse...

Cara, concordo. O que dizer daquele episódio onde o dono da bike matou estrangulado o ladrão ? Se fosse o oposto seria o fim do mundo, mas ali pra defender a honra da bicicleta foi assistido ao vivo e aplaudido.

Claudia disse...

Vagner, é isso mesmo. Assustador. "Tem de matar, mesmo" "Ah, depois vem aqueles vermelhos dos direitos humanos e ainda vão querer te prender porque voce matou um verme daqueles" "Se for eu, jogo o carro em cima, derrubo e ainda dou ré para passar por cima"... Essas são as pérolas que li por aí. Gente educada, esclarecida. Muitos tementes a Deus, que postam mensagens edificantes. Difícil de engolir. Dá pra continuar amiga até a página 4. Se der.

Joel dos Santos Leitão disse...

Vagner,
Esse post (vide link abaixo) do blog Geledés foi postado depois do seu texto. Segundo ele, "Sonegação dos ricos é 25 vezes maior que corrupção nos países em desenvolvimento". Claro que isso se aplica também aos empresários, e não apenas aos países ricos.
Mas essa parte da população mencionada por você acha que prender garotos pelados no poste com a corrente da bike (que ironia, não?!), ou mesmo imputar penas aos condenados do mensalão (que não existiu) maiores que as do crime de homicídio, são a forma de garantir a democracia e a 'justiça'. Como mencionei a você e à Claudia, que me antecedeu no comentário, estamos lidando com a barbárie. É triste a conclusão, mas também difícil de contestar.
Link mencionado: http://www.geledes.org.br/em-debate/colunistas/23586-sonegacao-dos-ricos-e-25-vezes-maior-que-corrupcao-nos-paises-em-desenvolvimento
Abraços,
Joel

. disse...

Isso vem daquela crença egocêntrica alienada de que "eles" não são como "nós". "Nós", que somos "cidadãos de bem"; "nós" que batemos no peito pra falar de respeito mas subornamos guarda ou paramos em fila dupla na porta da escola burguesa dos pimpolhos; "nós" que gostamos do discurso bonito da inclusão e da solidariedade e da responsabilidade ambiental mas que voamos na avenida com nossos SUVs imensos carregando 1 pessoa, "nós" que "gostamos de tudo certinho" mas não pagamos direito a empregada e achamos que até estamos fazendo um favor, gerando emprego.
O bandido, o traste, o verme, é o filho do outro, o meu? deus me livre, meu menino é bom, estudioso, de família, bem criado. (insira aqui um discurso ASQUEROSO sobre meritocracia)

O post já tem mais de mês mas cheguei aqui por meio de uma postagem do Ulisses Eliano no facebook e concordo completamente com ele. Vida com valor é a nossa e a dos nossos, o discurso do amor ao próximo só vale se o próximo frequentar o mesmo clube fino que eu.

Um abraço!

D.