domingo, 19 de agosto de 2012

O Déjà Vú do 70.3 de Penha vem ai...

Uma coisa boa de se manter um diário no formato de Blog é que você aos poucos vai acumulando informação e tecendo a sua própria linha do tempo.

Nessa perspectiva, fui consultar as minhas perspetivas de Penha do ano passado. O que escrevi foi

"Depois do Iron, eu e o Rodrigo fizemos alguns planos. Pensei em Cozumel, mas na cabeça do coach eu deveria aproveitar o segundo semestres para consolidar minha velocidade e participar de provas de triathlon olmpico ou meio-ironman. Começamos os treinos com foco em intensidade na corrida e um pouco mais de atenção à natação - eu não nado mal, mas me falta um pouco de agressividade na água..."

Esse ano também pensei em Cozumel, até porque o Caio e o Luizinho vão pra lá, mas me faltou coragem de encarar mais uma viagem ao exterior e optei por uma solução caseira.

E as questões na natação continuam as mesmas. Na corrida, também.

Até o cara que vai me pegar no aeroporto é o mesmo. Levo minha bike para o time do Max montar como sempre...

O Hotel é idêntico ao do ano passado.

E Penha também não deve ter muda nada...

Enfim, alguém não entendeu o título do post? :-))))

Não, há coisas diferentes, sim...

Diferente de 2011, esse ano não me lesionei e ainda fiquei um tanto mais magro.

Esse ano também fiz mais treinos fora do rolo no final de semana e insisti mais no Riacho.

Ano passado minha ambição era apenas tentar completar a prova. Esse ano, se puder ousar querer tirar apenas cinco minutos em relação ao ano passado e fazer um 70.3 em menos de cinco horas - plano que tracei com o Rodrigo quando ele veio a São Paulo e a gente conversou a respeito.

E ele fez uma programação de treinamento que consegui seguir quase a risca - não fossem algumas poucas vezes em que me senti cansado.

O Rodrigo introduziu natação durante todos os dias e todas as outras modalidades a noite. Mas meus dias criticos eram as terças, com um treino de rolo de quase duas horas, as quarta-feiras, com uma corrida de 17k e quinta pela manhã com um treino que incluia dois "tiros"de 500 metros na piscina.

No final de semana, as quatro horas de bike no Riacho, sendo a última em Time Trial foram um desafio a parte - porque você soma o desgaste mental do endurance com o desgaste fisico de ter que fazer força quando você tá cansado de fazer tanta força.

Claro, tudo isso entremeado por treinos mais curtos de natação ou corrida leve - que foi o que me salvou mentalmente.

Falo assim porque não tive lesões ou dores musculares. Não me senti "cansado" fisicamente.

Pra mim toda a dificuldade é mental. Quando eu bato os olhos na planilha e vejo que o exercício pede esforço "FORTE" ou "Máximo" eu fico de bode.

Prefiro correr duas horas e dar dois tiros de 500 metros na piscina - coisa que dura só uns 17 minutos.

E isso pra mim é coisa tão pouco comentada....

Já escrevi alguma vezes, mas vale sempre insistir: a gente fala pelos cotovelos sobre pisada, tênis, bike, rolo, capacete, suplementos....

Mas pra mim isso faz tão pouca diferença...

Eu sou daqueles que acreditam que qualquer um que tenha condicionamento pra tanto, pode fazer um pedal de cinco horas no Iron com uma bike de alumínio; pode correr em 2:00 ou 1:30 a meia maratona do 70.3 que o tênis não vai fazer a mínima diferença.

O que faz a porcaria da diferença é você conseguir o que os caras chamam de "mental fitness" - em outras palavras, é a capacidade de você tem de lidar com a dor para cumprir as metas colocadas para os seus treinos de forma a que se possa realmente evoluir.

Vencer a barreira da dor é uma coisa muito discutida no triathlon tal como em todo esporte de endurance.

Mas como "coragem" não é vendida em prateleira de loja, as revistas não podem anunciar e faturar em cima. Consequentemente, isso merece apenas um tiquinho de atenção de todo mundo.

Mas, vá lá....

É bem conhecido a filosofia de treinos do Brett Sutton, que tem como foco levar o atleta ao limite da exaustão, de forma a levá-lo a conhecer e irromper todas barreiras sobre seus limites - não importa, comentam os mais críticos com uma certa ironia...não importa o número de atletas que ele quebre nesse processo.

No Ironguides é bem conhecido um texto do Vinnie Santana em que ele comenta que a construção de uma base consistente é coisa de longo prazo, de forma que cada treino impacte no seu corpo de forma a que se forme um "calo" - uma abordagem mais agressiva, por outro lado, pode deixar cicatrizes, físicas ou mentais.

Por isso no processo de preparação para o Iron, uma das partes mais importantes da periodização é o tempo que se dedica a "aprender a durar", isto é, ao condicionar seu corpo para as rotinas desgastantes dos treinos que virão pela frente.

Mas existe um momento que mudanças de patamar exigem maiores desafios e o processo de treinamento muda de intensidade. Seja qual for sua escola de treinamento, se você quiser resultados melhores terá que abandonar a zona do desconforto e adentrar a zona da dor.

Aí manú, a coisa pega....

Na minha opinião, abstraindo-se toda e qualquer discussão sobre a habilidades naturais que certos indivíduos têm para suportar a dor, creio que a força mental para lidar com ela explica porque vários indivíduos possam, se bem treinados, cruzar o pórtico de um ironman, mas poucos podem fazê-lo abaixo de dez ou nove horas.

Talvez varias pessoas possam administrar essa dor em treinos, mas falham justamente no momento que deveriam construir seus resultados, que é o momento da prova. Isso também poderia ser uma fraqueza psicológica, ou seja, a falta de capacidade que as pessoas tem para lidar com as cobranças ou a pressão por resultados que elas mesmas se impõe.

Por vezes eu acho o assunto até mais prosaico, mas derruba muita gente a falta de jogo de cintura pela lidar com imprevistos. Não é falta de preparo mental também quando certos indivíduos se deixam levar pelo estresse quando pequenos detalhes que antecedem um evento saem do planejado? Tal como esquecimento de um gel ou o simples ritual do café da manhã não foi exatamente como tinha se pensado?

A capacidade que essas pessoas tem de se manterem focadas a despeito de toda e qualquer alteração no ambiente, de todo e qualquer improviso que seja necessário fazer, é umavantagem competitiva das boas....

Mas o meu problema nunca foram as provas.

No meu caso em particular me mata a execução de exercicios de intensidade - e justamente agora que sei que mais preciso deles. Quem me vê treinando sabe que quando se pede "vai pra morte" eu vou pra morte. Porque eu não tenho medo.

E por quê medo? Porque o medo da intensidade pode estar associado ao medo inconsciente de sofrer alguma seqüela. Algumas pessoas, por exemplo, tem receio de problemas cardíacos, enquanto outras de se exporem em um ambiente hostil, como nadar no mar.

Todos esses medos são "tratáveis".

Só que tem mais. A coisa é um pouco mais complicada que isso....

Meu problema é que isso tem um custo mental que me deixa mal.

E lidar com isso é uma coisa angustiante pra mim.

Segundo quem é bamba no assunto, existem coisas que podem ser "treinadas" para que uma pessoa consiga assimilar a dor. Mas existe um nivel de entrega e sacrificio do indivíduo que é apenas e tão somente dele.

Essa entrega nem seria uma questao de " forca mental", mas de um elemento muito subjetivo associado aos "demonios internos" que cada uma carrega consigo.

Enquanto alguns tentam apenas "não falhar", outros põe a faca nos dentes e vão atrás de resultados.

Pessoas que lidaram com traumas pessoais associadas a doenças graves, tiveram uma juventude muito complicada ou gostam da adrenalina das atividades de alto risco são providas de motivações que não são passíveis de serem "aprendidas" ou passadas de um indivíduo para outro por meio de algum manual.

Por isso gente, desculpa aí, viu? Mas deixa eu falar...

Por isso aqueles livrinhos de auto-ajuda muito que do tico-tico fubá são uma perda de tempo e pior ainda aquelas frases motivacionais que entopem todo dia a pagina do Facebook - em que pese a Siri Lindley, uma das melhores treinadoras da atualidade e de quem leio tudo que se publica, ser umas das maiores responsáveis por isso....

Mas a vida é assim mesmo, fazer o quê???

Elas por elas, melhor você ouvir ela do que eu...:-)))




5 comentários:

Ulisses Franceschi Eliano disse...

Cara, concordo com tudo que falou. Sofro do mesmo modo que vc cada vez que tem alta intensidade nos treinos. Mas uma coisa eu aprendi. Um dos fatores que me fez evoluir relativamente rápido no triathlon foi saber me dosar e não deixar tudo no campo de treino. Eu não faço a mínima questão de sair de um treino destruído e pensar "nossa, treinei pra caralho". Sou muito mais fazer uma semana consistente, chegar no domingo e pensar "nossa, essa semana foi animal". Fiz as séries, dentro dos limites que eu sei que algumas horas depois eu estou em pé pronto para outra rodada. Treinar em cima de um corpo detonado, para mim pelo menos, não rende. Em compensação, quando estou inscrito em uma prova, uns 20 dias antes eu já vou pensando "vou passar 4 hs sofrendo, vou passar 4 horas sofrendo". Vou preparando meu psicológico para suportar um stress que normalmente eu suporto durante poucos minutos. Por isso chego na linha de chegada das provas sem uma gota de energia, nada, ficou tudo ali...Mas afinal, prova é prova.... Existe um ditado que o Marcos Faria me falou que é verdade..."Para toda prova dura vc tem 10 cartas a serem lançadas na mesa...Vc precisa utilizar algumas destas cartas em treinos chave, mas a maioria vc tem que jogar na hora da prova". Se vc tacar 9 cartas destas nos treinos, terá apenas uma na prova. Vejo isso acontecendo com uma infinidade de triatletas que no campo de treino são melhores do que eu, mas nas provas, eu acabo ganhando.

Hugo Leonardo disse...

Obrigado pelo texto... !
Acho que algun tem a capacidade de adequar a sua zona de conforto... 
Exemplo:Alguns pacientes estão com q boca estúpida de coisas.. Ferros, agulhas... Borrachas... E simplesmente dormem..... 
Outros ... Só de entrar no consultório já Estao sofrendo...suando... 
Então acho que os grandes atletas mesmo amadores.. Se diferenciam por não sentirem sofrimento na dor...
O próprio conceito da dor é subjetivo e (na minha opinião) "imedível"... Lido com isso todos os dias... Alguns pacientes simplesmente não sentem dor... E é bastante comum...
Agora... Se essa capacidade é "construível" são outros 500..
 Curado

simplifique disse...

Vagao,
Sensacional. Muito bom tomar o cafe da manja assim.
Hj, eu pensava sobre medo enquanto corria.
foi so eu me inscrever na maratona de ctba para o corpo começar a dar sinais estranhos e a mente tb.
abs.

Nacatko, Inc disse...

Bessa, fico impressionado da sua capacidade de transportar para o papel o mesmo de uma conversa. Este é mais um daqueles textos sinceros de um atleta da vida real.

Valeu mesmo !!

E vamos nos para o DeJavu.

Abcs

Guto disse...

Caraca, sensacional, vc colocou no "papel" o que eu pensava, sentia e não sabia expressar.... vou ler e reler esse texto! Tem muita coisa boa para sair daí e me ajudar em minha jornada de iniciante no triathlon! O jogo mental é impressionante e dele pode sair muita coisa boa e muita coisa ruim! Já passei pelos 2 lados... agora se vou conseguir vencer o que já passei em uma prova, do lado negativo, só quando acontecer de novo! Mas muito legal o texto vou refletir muito em cima dele ainda.... obrigado!

Boa prova aí em Penha.

Abs