Se esses acidentes se repetem no espaço de poucas semanas, a situação parece insustentável.
Não vou fazer uma discussão sobre a relação predatória entre que motoristas e ciclistas. Os posts nos Blogs do Ciro e do Max e a excelente discussão que segue no espaço dos leitores realmente resumem tudo o que se pode dizer sobre o assunto.
Ou melhor: quase tudo.
Uma coisa que me incomoda nessa discussão é que a "ficha cai" apenas quando há a morte de uma triatleta ou um ciclista.
Entretanto, indo direto ao ponto: por quê não ficamos igualmente chocados quando esse tipo de barbárie atinge os ciclistas mais pobres que não são atletas?
Bem, as últimas estatísticas dizem o seguinte: em 2001, os acidentes de trânsito com ciclistas vitimaram 1.000 pessoas. Em 2009, foram 1.600 mortes.
Cadê a indignação com essas estatísticas estarrecedoras?
Ahhh, sei...não são triatletas, é isso?
Nós repetimos o problema da classe média mais elitizada nesse pais: as questões só se tornam visíveis pra nós quando batem a nossa porta ou a do nosso vizinho.
Grande parte das mortes não são de pessoas com o perfil sócio-econômico como o nosso ou dos camaradas que brigam por mais ciclovias em Moema.
Esses são educados, tem recursos e são formadores de opinião capazes de brigar por seus projetos no gabinete do Prefeito ou do secretario de transportes.
Já a grande maioria dos ciclistas que "estão por ai" são pessoas totalmente expostas e desprotegidas que, não tendo renda para se deslocarem entre a casa e o trabalho com algum tipo de automóvel ou pelo sistema público de transporte, utilizam a bicicleta como veículo.
O nível de vulnerabilidade dessa população no trânsito é assustador.
Uma pesquisa feita em Pelotas, no Rio Grande do Sul, nos diz o seguinte: 2/3 das pessoas que utilizavam bicicleta (cerca de 18 mil pessoas) o faziam para ir ao trabalho, sendo que 80% delas a usavam a noite e 70,0% em dias de chuva - o que reforça a probabilidade de acidentes, pois em relação aos equipamentos de segurança exigidos pelo Código de Trânsito Brasileiro, somente 0,3 das bikes tinham todos os equipamentos e 55% tinham apenas um equipamento. Em 90% dessas bicicletas não havia espelho retrovisor.
E freios? 15% circulavam sem nenhum.
Bem, e estamos falando de Pelotas, que não é uma cidade mal situada no ranking das cidades com melhor Índice de Desenvolvimento Humano. É possível imaginar a situação nas grandes áreas metropolitanas e nos chamados "municípios dormitórios".
Hoje no Ironbrothers nosso amigo Curado estava preocupado com o número de ciclistas que utilizam suas bicicletas alcoolizados. Ele propõe um campanha que tenha uma visão global do problema, pois retirar os abomináveis motoristas bêbados do trânsito é parte do solução - parte fundamental, mas apenas parte.
Com esse texto, não estou querendo aqui dizer que a morte de um ciclista ou triatleta não é chocante e muito menos que não devemos protestar até perder a voz cada vez que uma vida humana se perde.
A morte de qualquer um ou de mil é uma perda inestimável. Não se trata de números, que fique bem claro.
O que estou querendo chamar a atenção é que essa coisa intolerável acontece todo dia!!!!
TODO DIA!!!!
7 comentários:
O indice de acidentes realmente eh altissimo!
As estatisticas demonstram numeros assustaores aqui na regiao de Jundiai, entre Anhanguera e Bandeirantes...
Trabalhadores que utilizam a bicicleta como meio de transporte... Em direcao as empresas dos conhecidos distritos industriais!
Acredito que a manifestacao... A demonstracao da insatisfacao perante a situacao atual seja extremamente valida!
Eh natural que as pessoas sintam a necessidade de expor as ideias quando ocorre algo mais proximo da sua realidade!
Porem, o Ciro eh uma pessoa que, diariamente - sim... Every single day... - Fala, que eh uma questao de estatistica. Inclusive fala isso para a minha mae e para a mae dele!
Podemos sair... A qq hora... E nao voltar!
Ah! Parabens pela prova em Santos!:-)
Bessa,
eu creio que é a proximidade das vítimas que nos torna mais ou menos sensíveis. Se não fosse assim o sofrimento seria insustentável, porque Brasil afora e mundo afora devem morrer centenas de ciclistas todos os dias. Se sofressemos por todos eles acabaríamos morrendo de desgosto.
Isso não significa que a indiferença aos que são vitimados fora desse nosso "círculo de convivência" deva ser sugerida ou praticada.
Mas no meu entender, cada "grupo" - sejam triatletas, trabalhadores, cicloturistas ou cicloativistas - toma conta do seu rebanho e promove suas causas particulares. Dessa maneira, haverá em algum lugar à frente um ponto de convergência de ideais e a formação de uma massa crítica com poder de mudança.
ab.
m
Concordo com o Max.
Também concordo com a estatistica que vc colocou.
Números NÃO mentem, apenas não acho que fazemos parte dela.
Acho que a palavra "ciclista" que é usada para indicar e abranger toda e qualquer pessoa em cima de uma bicicleta ESTA ERRADA.
Eu não sei qual outra palavra usar, mas o governo paga pessoas para pensarem sobre isso e conseguirem outra nomenclatura.
A ideia é ramificar a palavra "ciclismo", e dividi-la para pessoas que usam a bike para um fim ou para outro fim sejam separadas.
Ciclistas , somo nos que andamos equipados e sempre respeitando (sei que alguns manés não respeitam tanto assim)
Mas existe outra classe, dos que saem dos empregos e param nos bares, saem bebados atropelam os carros e morrem...
Aí na notícia e na estatistica aparece:
ciclista morre em acidente de transito.
Olá, bom post, concordo contigo que "a sociedade" dá valor a algum incidente só qdo está próximo de seu círculo.
O trabalhador que anda de bicicleta não é menos importante que o atleta ciclista que apenas treina em sua bike. Assim, como na corrida, onde os mais pobres são os mais fortes e ganham as corridas, no ciclismo tbm deve ocorrer de trabalhador por profissão se bom atleta nas horas vagas (n conheço mto esse mundo das bikes).
certamente n têm os equipamentos necessários de segurança, mas tenham certeza que n é por opção !!!
Quanto às vidas, são todas de mesmo valor. ( n para "a sociedade")
Ótimo texto Mr Vagner, como sempre... É duro ver como os casos "normais" não nos afetam muito.
Mas quero colocar um parênteses aqui. Tenho a péssima mania de querer apontar para o mundo onde ele está errado e fico mordido cada vez que passo na ciclofaixa no domingo em São Paulo e vejo mais de 70% dos ciclistas sem capacete. Hoje mesmo pela manhã vi um ciclista entre os carros, rápido, sem capacete e com um fone de ouvido monstro na orelha...
É difícil, mas existe uma certa "colaboração" por parte dos ciclistas em puxar esta estatística para cima. Infelizmente...
Olá Vagner. Acho que nunca comentei seus textos, mas os leio com frequência.
Ontem ao ler o texto do Max, pensei exatamente o que você expôs aqui. Por qual motivo nós (seres humanos - que podemos ser triatletas, surfistas, sedentários...) temos a capacidade de nos indignar ou nos emocionar com algumas situações e em outras não?
A proximidade? A possibilidade real de sermos nós as vítimas? Ok. É uma boa explicação.
Mas também me incomoda o fato de alguns acontecimentos merecerem maior repercussão e revolta, enquanto outros são simplesmente números, distantes do contexto no qual estamos inseridos.
Não quero dizer em momento nenhum que não me solidarizo com famílias e atletas envolvidos nos casos trágicos da última semana. Mas acho que consigo enxergar um pouco mais longe, assim como você.
Parabéns
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