Inegavelmente, o personagem mais importante do Ironman 2014 foi o vácuo, suplantando de longe o feito do Igor Amorelli, primeiro brasileiro a vencer a prova na categoria masculina.
A repercussão de vídeos e fotos em perfis na Internet deu-se de forma viral e todos fomos arrastados para o centro de uma discussão com os punhos levantados. Se o estopim da crise teve início entre as participantes da elite feminina, em um curto espaço de tempo alcançaram também a elite masculina e em um rastro de pólvora bateu na porta dos amadores.
Dentro desse último grupo, a questão gerou um tremendo mal estar, não apenas em relação aos que alcançaram as vagas para Kona, mas também entre aqueles que conseguiram bons resultados de forma geral. Em alguns casos, atletas de assessorias se viram na obrigação de se explicar, já que pessoas com o mesmo uniforme foram identificadas por um jogo de equipe.
Nesse clima tenso, vários amigos passaram a indicar sites de empresas que fotografaram o evento para atestar idoneidade e alguns (poucos) enviaram arquivos com dados de seus medidores de potência para o Max.
Enfim, instalou-se algo como um sistema de caça as bruxas que deixa a inquisição no chinelo.
Uma crise de confiança que nos levou a questionar profundamente um problema cuja grita é geral faz tempo: o sistema de fiscalização do IM Brasil é ineficaz porque não pune ou é seletivo no momento de distribuir penalidades.
De pouco adianta dizer que há um recorde de atletas penalizados se alguns réus confessos andam por ai distribuindo tapas e beijos nas redes sociais e nada acontece.
Entretanto, vou me arriscar onde está todo mundo vendo o que parece o óbvio.
No meu entender, muito se fala do vácuo, mas pouco se entende da dinâmica do ciclismo dentro do IM de Florinópolis.
E sem a compreensão dessa dinâmica, as imagens captadas por fotos e vídeos curtos jogam mais poeira nos olhos do que clareza sobre o que de fato acontece lá dentro.
No fundo, o vácuo é inerente as situações de prova de um Ironman e em algum momento todos vamos estar dentro dele, querendo-se ou não.
Para não falar dos outros, vou falar de mim mesmo.
Passei por várias situações no IM de 2014 e que estão sendo retratadas nas redes.
Entrei em agrupamentos transitórios que se formam em função da geografia ou do desenho do percurso, principalmente nas áreas adjacentes aos túneis, zonas neutras, afunilamento dos cones e retorno - mas as fotos não tem legendas.
Outra situação em que me vi inserido foram os grandes agrupamentos involuntários que parecem um "buraco negro" tamanho a força como te engolem. As pessoas não se conhecem e, quando você vai para a ponta querendo fugir, sua atitude é interpretada como a de um novo puxador de ritmo. No momento em que você cede, o grupo te coloca para dentro automaticamente como que lhe retribuindo um favor.
Eu apareço em um video dentro de um deles - e ninguém saberia se eu não falasse em razão da baixa qualidade das imagens.
Como estávamos contra o vento, eu não tinha meios de sair como fiz da primeira vez que os encontrei. O pelotão me bloqueava. Só consegui me ver livre depois de um tombo provocado pela ação de uma moto que levava um fiscal.
Também tive que lidar com agrupamento menores. Você está pedalando, ultrapassa um grupo de três ou quatro ciclistas. Esses pegam o seu ritmo, vem atrás e te ultrapassam novamente - só que não abrem. Você deixa que eles se afastem diminuindo um pouco, mas volta a alcancá-los e tudo acontece novamente da mesma forma.
Esses grupos são os que mais me estressam. É um desgaste daqueles.
Agora, alguém vai dizer que eu "fiquei na roda" e que me beneficiei do vácuo?
No caso dos atletas competitivos que estão na busca por posições, essas situações os colocam no fio da navalha. Como a regra que diz que o ciclista ao ser ultrapassado deve recuar não funciona, vários lutam com se estivessem em um disputa. Conheço amigos que são contra o vácuo, mas são pegos pela fiscalização em situações desse tipo.
Obviamente, não estou naturalizando um posicionamento que depende de escolhas pessoais e muito menos dando atestado de idoneidade para os que deliberadamente se valem do vácuo para fazer o seu resultado.
Existem também grupos que agem por combinação, escolta preparada por técnico(a)s e há uma turma grande de caráter duvidoso que depois da prova admite que pegou vácuo, mas o fez porque o da frente estava fazendo o mesmo.
Só que isso nós já sabemos.
Estou dizendo outra coisa: é pouco olhar todas as fotos e vídeos, mesmo que elas captem situações reais de vácuo no momento em que são feitos.
O que conta é a dinâmica de uma prova de 180k, não o ato isolado retirado do contexto.
Vácuo faz parte do IM de Florianópolis e o problema não são os três minutos em que você fica dentro dele, mas o quanto ele favorece seu resultado final.
É o todo que dá sentido e permite interpretar as partes.
E estamos fazendo o inverso.
Nesse sentido, dentro dessa loucura talvez a única coisa que tenha feito sentido foi a proposta feita pelo Max. Se é possível de ser implementada ou não, isso é outro assunto, mas nos deixaria menos vulneráveis a uma fiscalização caolha e olhares discriminatórios.
Do meu ponto de vista, é isso: podemos continuar com grunhidos, comentários ofensivos em redes e achar que esse post é oportunista porque o autor disse que pegou vácuo e agora se bandeou para o outro lado.
Ou podemos lidar com a verdade de uma forma decente e parar de jogar o lixo no quintal do vizinho.