domingo, 8 de julho de 2012

São as pessoas, estúpido

Um texto recente sobre o triathlon gerou uma verdadeira "pancadaria digital" na blogosfera internacional e chegou aqui pela indicação do Renato Fabri no Ironbrothers. Poderia ter sido uma discussão que ficasse por ali.


Mas depois que a Ana Oliva comentou a pobreza de perspectivas que se seguiu ao debate sobre o assunto, o Max fez referência no Blog dele como um análise que merecia uma reflexão e o Augusto Coelho, lendo o Blog do Max, reforçou o apelo pela leitura do texto, eu achei que eu também tinha que entrar na discussão.

Afinal, todo mundo sabe que tenho uma certa aptidão para entrar em temas polêmicos - mesmo correndo o risco de me perder em um raciocínio meio tortuoso, e levar você junto (rs), vou me arriscar nesse tiroteio também.

Mas qual o problema de um texto em que um sujeito não pergunta, não coloca em dúvida, mas afirma: Triathlon é um esporte estúpido

Não é muito original. "É a economia, estúpido", foi uma frase cunhada por James Carville, assessor do então candidato de Bill Clinton, para explicar porque Bush pai, a despeito da ter "vencido" a Guerra Fria e a Guerra do Golfo, perdia a eleição presidencial em 1992.

Obviamente "estúpido" é um termo que não agrada ninguém e, naturalmente, frente a esse título nada simpático, a maioria dos triatletas já foram disparando criticas e palavrões contra o texto.


Esquecendo a ranhetice do rapaz e os insultos gratuitos, o texto é um desafio e mereceria mais argumentos que os grunidos que eu vi no blog dele feito pelos triatletas de lá.

No Brasil, a coisa foi do "o sujeito é um babaca e ponto" até posições meio ambíguas tipo "o cara é um babaca, mas tem algumas coisas que ele fala que são verdades".

Eu não acho que as pessoas precisam concordar ou discordar inteiramente com esses argumentos do texto, mas não dá para ficar dizendo que ele fala algumas verdades e ninguém põe o guiso no gato para dizer quais são.

E arrisco dizer que o que irrita não é apenas o que ele diz ou a forma como ele diz.

O problema é que a provocação é uma grosseria carregada de bons argumentos.

Dai eu não sei se a raiva é pelo título do texto ou pelo fato da gente não sabe rebater todas as bolas que ele chuta.

E por quê nosso amigo Charlies Broadway implica tanto com o triathlon?

Porque nos Estado Unidos, mostra ele, o triathlon cresceu barbaridade e a demografia desse crescimento é mais substantiva entre os mais velhos (acima de 35 anos) e entre os que tem mais renda - ou seja, o triathlon se tornou o esporte da elite americana, composta de executivos da indústria e do sistema financeiro, gerentes intermediários das grandes empresas e profissionais que trabalham na área de marketing ou na mídia.

E vai ele argumentar que, para minha completa estupefação, o triathlon lá é mais elitizado que a prática do golfe.

Eu raramente vi um esporte tão aristocrático quanto o golfe na vida.

Bem, e por quê o triathlon entrou na mira dos "bem nascidos"?

Como nos "estêites" o triathlon se confunde com o Ironman, ele argumenta que mais e mais pessoas que já gozam de destaque econômico procuram essa prova como meio para agregar uma certa distinção social, já que não estamos falando apenas de um "esporte", pois o nosso querido e amado "Ironman"é mais que isso.

O "Ironman" é uma "grife", assim como são o Challenge Roth ou o Rev3.

E pelo direito de participar dessa festa, mais importante que o mérito esportivo é a grana para comprar ticket de entrada para esse mundo de glamour e status, pois o que explicaria tamanha diferença entre a inscrições para a prestigiada Maratona de Boston (cerca de U$ 160,00) e Iron do Hawai (U$ 500,00)?

Afinal, ninguém vai cobrar direito de propriedade pelo uso do nome "Maratona". Você não paga direito autoral quando canta "atirei o pau no gato" e também não vai pagar por correr 42. 195 metros.

Claro, tem gente bacana fazendo Maratona - aquele livro de meninos ricos, competitivos e "sensíveis" que decidem realizar uma disputa pessoal em torno do recorde de um outro corredor mais velho, é bem um exemplo que alguém poderia usar para mostrar que "não é bem assim"...

Claro, "não é bem assim"....

Eles são "iguais" ao Solonei Rocha, que ganhou a Maratona de São Paulo esses dias.

Igualzinho...

Ex-lixeiro e operário da indústria de couro, o Solonei tem um mulher simpaticíssima que esses dias deu uma entrevista na maior rede de televisão desse pais falando que iria pegar o prêmio da prova para comprar um faqueiro.

Faqueiro....

Nosso amigo comenta que o triatlho (ou o Ironman) tem outra barreira, que é o fato de ser um esporte extremamente caro - pelos equipamentos, pelos acessórios e pelos suplementos que se adquire para uma coisa que deveria ser, em hipótese, coisa bem mais simples como nadar, pedalar e correr.

Mas quando se combinam as três coisas essa brincadeira vira um esporte caro do capeta!

Ele argumenta que alguém pode comprar uma bike no Wal Mart para fazer uma prova, mas certamente vai ser ridicularizado por aquelas figurinhas que vão fazer cara de nojo quando passarem do seu lado.

Por isso, ciclista não gosta muito de triatletas.

Aliás, deixa eu contar uma histórinha? Abre parênteses aqui.


Vou te dizer, viu, mas acho que eu já me identifiquei um pouco com o que ele diz lá no passado.

Quando eu ainda não fazia triathlon e andava de bike na Bandeirantes com o Daniel, as vezes via um alguém trocando o câmera no acostamento. Diminuíamos para perguntar o famoso: "Tudo bem ai?".

Não raro o sujeito olhava para trás com uma ar "blasé" e nem se dava ao trabalho de responder, voltando sua atenção para a roda como se fossemos invisíveis.

Eu perguntava para o Daniel.

- Rapaz, o que foi aquilo?

- Um "ser triatlético" - classe de pessoas intratáveis, intragáveis e imprestáveis.

- Hãããããããnnnnn....

Claro que você vai me dizer que isso é "estereótipo" que os ciclistas tem da gente, não é?

Não deixa de ser verdade. Mas deixa eu entender uma coisa.

Tá cheio de triatleta fazendo esteriótipo de "politico", "funcionário público", "pagodeiro", "nordestino", "carioca", "paulista" e tantos outros...

Abre o Facebook e a cada três posts, um é estereotipo.

E "estereótipo" de triatleta? Não pode?

Ué? ;-))))

Fechando o parênteses....

Agora, ele tá muito errado? Ou tá "meio" errado?

Ou está totalmente meio errado? (rs)

Quando nêgo fala que tem "poser" a dar com pau aqui no Brasil fazendo triathlon a gente de certa forma não está concordando com o perfil que o gringo traçou no Blog dele?

Só não entendo o seguinte: por quê concordamos todos em criticar os "triatletas de boutique", mas ficamos bravos quando alguém de fora, que não é triatleta, externa a mesma opinião?

Obviamente, dizer que triathletas são pessoas idiotas e narcisistas é uma coisa que mexe com os instintos assassinos da nossa classe - que só é unida no Facebook.

Porquê na hora de fazer a inscrição para o Iron ou para o Troféu Brasil, corre cada um pra um lado...

E não sou eu que estou falando! Todo mundo diz o mesmo...

No fundo, no fundo, esse texto é resultado da percepção do abismo econômico que separa os pobres e os ricos entre os americanos no contexto da crise que se abateu por lá - e que vai se alongando durante a administração Obama.

Para o americano, a crise econômica tem lá seus responsáveis, mas quem paga o pato é a classe média e os mais pobres - a desigualdade para eles é chocante e gera esses textos azedos.

Entre nós, todavia, a desigualdade é uma velha conhecida já vai décadas e mais décadas.

Mas nós temos pontos em comum e pontos diferenciados em relação ao caso americano.

Nossa experiência nos mostra as duas faces da moeda: por um lado, há sim pessoas que procuram o Ironman a fim de ostentar seu status econômico, social e até esportivo - porque o Ironman é algo socialmente diferenciado.

Mas, por outro lado, ao mesmo tempo há pessoas que se viram como podem para dribar as dificuldades ao longo de um ano (ou dois) para participar de um.

Há pessoas que são um nojo; e há pessoas que, como diz o meu amigo Mardem Mota "não sabem o que fazer para te ajudar".

E isso gera um choque com a nossa experiência mais próxima, pois ao lado dos "posers", sabemos que aqueles que nos cercam não são esnobes e muito menos narcisistas.

No Brasil, tem um povo de "bens nascidos" que fazem triathlon que pode ser emparelhado com essa elite mundial em termos de poder de compra. Não tem restrições de orçamento e, como diz a Ana Lídia, são aqueles que podem usam equipamentos de entrada que lá fora é de uso quase exclusivo de profissionais. São presas fáceis das campanhas de marketing e freqüentam as lojas que tem valet próprio nos Jardins em São Paulo.

Mas aqui o triathlon se alargou muito nos últimos anos - e se alargou porque se tornou o esporte de uma classe média que tem ascendido com o crescimento econômico dos últimos anos.

A diferença é que se trata de uma classe que não tem vida fácil.


São pessoas que valorizam o trabalho por de terem dado duro para estudar e ainda lutam para se situar profissionalmente. Entendem o valor da solidariedade, pois só emergiram por meio do apoio familiar. Não são deslumbrados pelo consumo vazio porque o orçamento do dia a dia não é infinito, principalmente quando são chefes de família jovens e com filhos.

Podem ser da área de marketing ou "personal trainners", mas estudaram a noite e trabalharam para financiar a faculdade.


Nesse sentido, a popularização do triathlon no Brasil foi feita, sim, por meio de pessoas que estão dentro de um grande processo de mobilidade social, mas que sabem quem são e não esqueceram de onde vieram.

Existe uma nobreza nesse esforço que pouca gente se dá conta.

E essa classe de pessoas povoou o triathlon no Brasil, "rachando" um espaço que antes só era freqüentado exclusivamente por uma elite.


E querem participar da festa com a sua cara, com usa própria identidade.

Claro, é possível que alguém diga que esse quadro seja generoso demais com os triatletas. Que isso seja mais uma esperança minha do que um fato. Que essa classe média também tem seus defeitos.

Pode-se argumentar também que o importante são as atitudes, sendo que os mais ricos não são necessariamente pessoas fechadas no seu mundo e podem ter valores até mais progressitas que uma boa da classe média - que no Brasil tem uma características ruim também, como uma certa repulsa a qualquer política de igualdade.

Basta ver a dificuldade para fazer parte dessa classe entender a importância da "bolsa familia", um programa de referência sem paralelo no mundo, mas que aqui é rotulado unicamente como "assistencialismo".

Tudo isso é verdade. Dividir o mundo entre "bons" e "maus"nunca é uma boa leitura das coisas.

E essas colocações são verdadeiras. Nas últimas eleições presidenciais uma socialite mineira justificou seu voto dizendo que assim o fazia porque não conseguia imaginar um governo melhor que aquele que levava o filho da sua empregada à faculdade.

Ou quem assistiu o filme "Um sonho possível" pode ver como algumas pessoas da elite mais conservadora americana podem tirar o pescoço do mar do privilégios proporcionados pelo dinheiro para compartilharem suas vidas simplesmente porque tem crenças e valores altruístas que as colocam acima da sua condição social de "ricos".

De qualquer forma, hoje eu poderia contar várias histórias que não encontram semelhança alguma com aquele evento triste da Bandeirantes.

Histórias de camaradagem e amizade que tenho aqui comigo pra sempre.

E isso me faz ser um cara otimista; me faz pensar que bom que temos uns aos outros e por isso não me sinto pedalando sozinho em nenhuma estrada.