quinta-feira, 8 de setembro de 2011

"Competindo comigo mesmo"

Quando fiz o título desse post, fiquei pensando que algumas pessoas poderiam imaginar um texto sobre asvirtudes de se “competir contra si” mesmo.

Depois do 70.3 do Brasil canibalizado por pelotões e com resultados contestados por profissionais e amadores, “competir contra si mesmo” parece ser uma bom mote para se escrever sobre o assunto.

Afinal, como posso saber se umpedal de 35 km/hora é uma média respeitável na minha faixa etária se pessoas com médias mais altas podem ter tirado vantagem de recursos as quais não tive acesso?

Frente a esse quadro, muita gente bate no peito e diz “tanto faz, o importante é competir comigo mesmo”.

É bonito e pode render um texto inspirador. Aliás, acho que o tema já rendeu vários.

O problema é que “competir contra si mesmo” é uma idéia excêntrica e sem sentido.

Algo como tentar sair do chão puxando os próprios cabelos.

Imagine que você está em um show, na qual você pode se sentar, mas o palco está relativamente baixo e as pessoas na sua frente atrapalham a sua visão. Você fica empolgado e sobe na cadeira para vera banda de outro ângulo.

Se alguém reclamar, o que é muito provável, há de se concordar que seria esdrúxulo responder “Subi na cadeiraporque estou competindo comigo mesmo para ver melhor o show”.

Sei, você vai discordar.

Imagino que você vá dizer “ Muito simples: posso competir contra mim mesmo, quando, por exemplo, estabeleço como meta superar meu desempenhos anterior”.

Huuuuummmmm....

Imagine um sujeito que joga xadrez sozinho. Ele tem peças pretas e brancas. Quando faz um lance com as pedras brancas, ele vira o tabuleiro e joga com as pretas. Quando move uma peça preta, ele vira novamente o tabuleiro e passa a encarar o jogo a partir das brancas.

Em algum momento, o jogo termina e as pretas vencem.

Ele perdeu ou ganhou?

Você não pode dizer ele “ganhou” e ele “perdeu”. Dizer que alguém perde e ganha ao mesmo tempo é um raciocínio desprovido de lógica.

Claro que nós ao estabelecermos metas procuramos um melhor desempenho. Eu posso ter como objetivo melhorar meu tempo no Iron em 2012.

Entretanto, “desempenho” é uma coisa, “competitividade” outra coisa bem diferente.

Então, se você continua lendo esse texto, estará se perguntando o que eu estou querendo dizer.

Pois é, também não sei. Tem algumas coisas que só descubro no fim.

Principalmente quando estou com insônia.

Agora, vou ser sincero: esse post vai ficar chato e longo, viu? To falando logo, porque se você tem algo melhor para fazer, como treinar ou assistir Criminal Minds, não pense duas vezes...

Competitividade é, de um jeito muito simples de dizer, a busca de um desempenho superior ao dos seus concorrentes.

Por definição, quem compete tem um olho no ranking.

Não é legal confundir “competivididade” com “desempenho”.

No triathlon, alguém pode melhorar seu desempenho de um ano para outro e ver sua posição no age-group despencar.

Você está menos “competitivo”.

E se seu desempenho piorar e dos outros piorar ainda mais?

Você foi mais competitivo.

A porca torce o rabo quando a gente passa dessa definição para a prática. Como ficar mais competitivo?

Em uma sala de aula, quando pergunto se uma empresa que investe em tecnologia, inovação, recursos humanos e padrões de qualidade é mais competitiva que uma outra que não faz nada disso, dez em dez alunos respondem:

SIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMMMMMM.....

Dá até eco...

Antes fosse.

Nós temos a tendência em confundir “competividade” com eficiência. Todo mundo esquece que existe outro tipo de competividade não se baseia nas receitas bonitinhas dos livros de administração - nós chamamos a competitividade desleal de “espúria”.

Portanto, nada garante que as empresas consideradas “modernas” terão desempenho superior às demais, pois disputam o mercado com empresas que fazem caixa dois, não emitem notas ou utilizam trabalho sem remuneração sendo, portanto, altamente competitivas (assim como são os triatletas que fazem uso do vácuo ou se dopam).

A questão agora é: o que torna os indivíduos ou as firmas mais competitivas. O que é “vantagem competitiva”.

“Vantagem competitiva” é uma diferenciação e tanto maior essa vantagem será quanto menor a possibilidade de ser copiada.

Simples assim.

Agora pense. Nas empresas, programas de qualidade, programa de recursos humanos, equipamentos atualizados, política de atendimento ao consumidor são elementos que dão as empresas "vantagem competitiva"?

Nove em dez professores de administração histéricos em uma sala de aula vão gritar que

SIIIIIIIMMMMMMMMMMM....

Sério? Eles acreditam nisso? Mas isso tudo é segredo para alguém?

Pode melhorar o desempenho, mas a competitividade "são outros quinhentos".

Vou volta ao exemplo do show no comecinho do post. Na medida em que outras pessoas reagem e passam a subir nas cadeiras para também verem o palco melhor, a vantagem da primeira pessoa se esvai até o ponto que todos encontram-se novamente no mesmo patamar “competitivo”.

99,9% das coisas que são repassadas com casos de “boas práticas” nos cursos de gestão estratégica de negócios tornam as firmas melhores.

Mas como esses 99,9% são ferramentas de conhecimento público, o que faz a diferença é o 0,1%.

Você ainda está ai na frente do computador? Agüente, agüente firme que estou quase lá...

Quase lá no meio do texto! :-)))))

No caso do triathlon, vejam que coisa, tudo é amplamente conhecido e divulgado.

As planilhas não são protegidas (direitos de copyright são o que? proteção contra cópias!!!), você pode comprar a bike utilizada pelo Cris Lieto (ela está exposta em revistas), ou pode discutir se vale a pena ou não usar capacete aero em Kona tomando por base a discussão que a equipe do Craig Alexander fez na Inside Triathlon. Você quer saber como oTopan treina? Basta olhar o Mundo Tri. Quais os suplementos que a Carla Morenoutiliza? É só descobrir o telefone da nutricionista dela!

Se quiser, pode ainda fazer uso dos melhores dos coachs do mundo, como o Dave Scott ou o Mark Allen.

Então, qual o “segredo” que não pode ser copiado (ou,digamos, facilmente copiado) e que permite que alguém faça diferença em relação aos demais?

Se fosse nas empresas, o tiro certeiro seria “conhecimento”.

Mas não todo conhecimento. Tudo aquilo que uma empresa tem em termos de conhecimento e está codificado em rotinas, manuais ou procedimentos, fórmulas de produtos ou processos e que podem ser adquiridos por outras empresas...bem, isso não será fonte de competitividade porque pode ser levado de uma firma para outra.

Tem outro conhecimento que a gente chama de “conhecimento tácito”. Sabe quando você tem um cara na tua empresa que resolve um problemaque nenhum outro consegue e ninguém sabe exatamente como ou consegue imitar? Se você pensou naquela pessoa que consegue entender como fazer para ligar a porra do scanner depois que você tentou apertando mil botões e ele apenas abriu e fechou a tampa e, pumbá, deu certo...

Bem, é por ai...(rs)

O que torna as pessoas tão competitivas no esporte no sentido de que estas dispõem de recursos que não podem ser copiados?

A gente poderia fazer uma discussão sobre genética x treinos. Os mais competitivos são os mais favorecidos geneticamente ou os mais disciplinados? Os dois?

Bem, não sou capaz de fazer essa discussão. Eu leio a respeito, mas não consigo ter convicção alguma sobre o assunto porque os estudos falam em tendências. E você fica confuso, pois ora esses estudos ressaltam um aspecto, ora outro. Vamos ouvir que certos africanos podem correr rapidamente longas distâncias porque tem um agrupamento de fibras com características “x”ou ”y” , enquanto outros vão ressaltar que a falta de transporte e a necessidade de percorrer longas distâncias entre a casa e a escola molda esses atletas desde de crianças. Poderíamos deduzir por essa segunda vertente que esses corredores são produto desse meio social eeconômico.

E, claro, vai ter gente que vai dizer que vai agregar outro elemento – o nível de gestão ou profissionalização do esporte em um determinado pais, sem a qual de nada adianta ter um estoque de pessoas com grande determinação mental ou favorecidas genéticamente.

Mas será que não seria possível especular em outra direção?

Nem que seja só para fazer uma provocação, claro?

Não minha modestíssima opinião, acho há pelo menos duas coisas importantes.

Em primeiro lugar, tenho que certas pessoas têm características psíquicas que as tornam capazes de se auto impor sacrifícios para os quais amaioria não demonstra aptidão. Você pode pensar que o nível máximo do V02 doLance Armstrong era altíssimo em comparação com a maioria dos ciclistas contra a qual ele competia. Mas ainda assim, vale a pena lembrar, isso não o tornava imune a dor.

Essas características podem serimanentes em todos os indivíduos? Não tenho certeza. Mas quando leio sobre o método de treinamento dos dois maiores coachs da atualidade, a Siri Lindsay e o Brett Sutton, acho que essa habilidade pode ser adquirida ou “despertada”. Apesard e estilos pessoais totalmente diferentes, ambos aplicam um rotina espartana para seus atletas que, ao fim de um doloroso processo de superação de estados de extrema da fadiga física e mental, são levados a um outro nível de confiança ecompetitividade.

Se é assim, se isso é verdade, essa vantagem competitiva é um tanto frouxa – mas creio que ela ainda é de domínio apenas de uma elite do triathlon mundial.

Outro ponto que acho fundamental é o auto-conhecimento somado a capacidade de aprendizado.

Não digo o “autoconhecimento” psicológico, daquelas perguntinhas insuportáveis tipo “quem sou eu”, “quais meus objetivos” e blá,blá, blá...

Falo do conhecimento que emana da experiência e de um longo processo de aprendizado baseado em erros e acertos.

Uma vez, o Vinicius Santana comentava que a diabetes exigia dele e uma percepção de tal modo aguçada sobreo comportamento do seu corpo que, o que seria a princípio uma desvantagem competitiva, se transformava em uma ferramenta para competir em alto nível.

Outro exemplo que acho interessante é o do Ciro.

O Ciro não utiliza planilhas ousegue uma rotina de treinos baseada em periodização. Segundo ele próprio diz “o que der na cabeça eu faço...e depende do dia”.

A princípio, esse processo pode ser muito intuitivo (conhecimento sistemático + conhecimento ditado por regrasinconscientes), resultado de um longo ciclo de condicionamento. Uma espiada no currículo dele aponta para 150 provas de short, 90 olímpicos, 32 meio-iron e 5 Irons. Algo como 15 técnicos.

Mesmo os famosos “treinos doidos” podem parecer um mistério – talvez até para ele mesmo, mas está tudo registrado em um território mental.

Pra mim, esse a intuição é um bom exemplo sobre conhecimento tácito. Além de ser de difícil interpretação, as experiências acumuladas ao longo do tempo não podem ser transferidas de um indivíduo para outro sem perdas ou ruídos.

Em um post mais antigo, ao escrever um pouco a curiosidade que todos nós temos sobre o que coloca as pessoas no topo das listas dos rankings da elite e dos age-groups, Ciro, Ana, Luiza...enfim, responderam algo como “não existe receita de bolo”.

Receitas existem. Pencas de receitas. Mas o truque é o toque de mestre do confeiteiro que faz com que o bolo seja inimitável.